Eliane Cantanhêde: Amigos hoje, inimigos amanhã

Eliane Cantanhêde: Amigos hoje, inimigos amanhã
O PMDB pode ter vencido quantitativamente, mas o PSDB venceu qualitativamente e é hoje o partido mais forte para 2018
Por: Augusto Nunes  04/11/2016 às 7:09
Publicado no Estadão 
O poder primeiro aglutina, depois corrói e a história é recheada de aliados que viraram inimigos, como PT e PSDB, unidos no combate à ditadura militar e adversários viscerais ao longo das muitas campanhas eleitorais e dos muitos governos pós-redemocratização. A pergunta que não quer calar é até quando vai o pacto de governabilidade entre o PMDB, que tem o governo federal, ramificação e ambição, e o PSDB, que foi o maior vitorioso das eleições municipais e é a única presença garantida na eleição para a Presidência em 2018. Esse pacto vai ou não durar até 2018?
O PSDB nasceu em 1988 de uma dissidência do PMDB de Orestes Quércia e nunca deixou de disputar as eleições presidenciais (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014) com candidato próprio – e competitivo. O PMDB virou uma confederação estadual de partidos, sem protagonismo no Planalto e um fiel da balança entre tucanos e petistas. Ora se tornava importante para os governos do PSDB, ora para os do PT. Para onde ia o PMDB, ia o poder. Ou ao contrário: para onde ia o poder, ia o PMDB.
O Plano Real elegeu Fernando Henrique Cardoso em 1994 e garantiu ao PSDB um peso que nenhuma outra sigla teve antes, nem depois, em tempos de normalidade democrática: de 1995 a 1999, o partido acumulou a Presidência da República e os governos de São Paulo (Mário Covas), do Rio de Janeiro (Marcello Alencar) e de Minas Gerais (Eduardo Azeredo). Um verdadeiro “strike”, que nunca mais se repetiu. Enquanto o PSDB crescia “para cima”, o PMDB crescia “para os lados”, tornando-se o partido mais ramificado no País.
Por uma dessas coisas da política, o PMDB só chegou ao poder, sem intermediários, surfando na guerra entre PSDB e PT, na crise política e econômica do desastre Dilma e na implosão da imagem ética do PT, inclusive de Lula. Não há vácuo de poder. Abriu espaço, alguém entrou. E quem entrou foi o PMDB, resguardado pela Constituição e pela posição de vice de Michel Temer.
Apesar de decisivo para parir o impeachment de Fernando Collor, o PT foi o único partido que não embalou o governo Itamar Franco, mas é aquela velha história: “Quem pariu Matheus que o embale”. A alternativa do PSDB com o impeachment de Dilma foi embalar ou embalar o governo Michel Temer. Mas isso não significa um casamento perfeito, nem mesmo harmonioso. E, quanto mais próximo de 2018, mais a tensão entre tucanos e pemedebistas tende a piorar.
Há uma diferença crucial, porém, entre os dois parceiros: o PMDB não tem nenhum nome evidente para a sucessão de Temer e o PSDB tem pelo menos dois. Como se sabe, o de Geraldo Alckmin, o maior vitorioso das eleições municipais, e o de Aécio Neves, que acumula três grandes derrotas desde 2014, mas tem munição e tropa: presidente do partido, controla a máquina tucana e a maioria das bancadas no Congresso.
Nas eleições municipais, o PMDB venceu em número de prefeituras, com 1.038 em todo o País, incluindo quatro capitais, e o PSDB ganhou em 803, mas 28 estão entre as 92 com mais de 200 mil eleitores e sete delas são capitais. Vai governar 23,7% da população (um em quatro eleitores), com orçamento de R$ 158,5 bilhões. Conclusão: o PMDB pode ter vencido quantitativamente, mas o PSDB venceu qualitativamente e é hoje o partido mais forte para 2018.

O casamento é de conveniência e, com ou sem amor, nenhum dos dois tem para onde correr. O PMDB precisa do PSDB, dos seus votos no Congresso e de um certo lustre de seus quadros. E o PSDB não pode, simplesmente, bater a porta na cara do PMDB e largar Estados, empresas e desempregados na mão – ou na amargura da crise. Logo, os dois estão no mesmo barco, mas isso não é para sempre e dificilmente irá até 2018. Se Temer naufragar, o PMDB estará fora. Se navegar bem, terá candidato próprio, contra o PSDB.

Três anos de cise na indústria

Se o governo conta com a indústria para movimentar a economia, criar empregos e alimentar o Tesouro com impostos, vai precisar de muita paciência. A produção industrial bateu no fundo do poço, dizem os mais otimistas, mas o caminho da recuperação ainda é muito longo e incerto. Em setembro o setor produziu 0,5% mais que em agosto, em volume, mas só um crescimento bem maior compensaria a retração acumulada nos dois meses anteriores – de 0,1% em julho e 3,5% em agosto. Com esse resultado, dificilmente o balanço econômico do terceiro trimestre, com divulgação prevista para o fim de novembro, será fechado em azul.
Os números do comércio e do varejo continuaram negativos em setembro, combinando muito bem com o desemprego de 11,8% – 12 milhões de pessoas – apontado no último relatório trimestral publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os otimistas podem ver sinais promissores em dois segmentos industriais. A pesquisa aponta aumento mensal de 1,2% na produção de bens intermediários e de 1,9% na fabricação de duráveis, puxada, neste caso, pelo setor de veículos automotores, carrocerias e reboques. Mas parece difícil conciliar este último detalhe com as estatísticas adiantadas pela associação nacional das montadoras, a Anfavea.
De acordo com esses números, a produção de veículos de todos os portes diminuiu de 177,73 mil em agosto para 170,81 mil em setembro e a exportação recuou de 40,19 mil para 38,78 mil. Também houve recuo na fabricação de máquinas agrícolas e rodoviárias.
Mesmo sem levar em conta a aparente disparidade entre os dados do IBGE e os da Anfavea, no caso de veículos e tratores, ainda é preciso levar em conta as dificuldades de crédito, a perda de renda e a insegurança dos consumidores. Nenhum desses itens permite pensar numa efetiva recuperação. Mais fácil é pensar numa recomposição de estoques e numa reação depois de grandes perdas durante o ano, como sugerido no relatório.
Se a indústria tiver de fato chegado ao fundo do poço, o percurso de volta ao nível de produção do ano passado, muito deprimido, já será muito longo. Em setembro, a produção da indústria geral foi 4,8% menor que a de um ano antes. De janeiro a setembro, ficou 7,8% abaixo do total registrado nos mesmos nove meses de 2015. Em 12 meses a queda chegou a 8,8%. Quando se considera um prazo mais longo, o cenário fica muito mais feio.
A produção industrial diminuiu 3% em todo o ano de 2014 e encolheu mais 8,3% em 2015. Se a evolução no trimestre final deste ano for mais favorável e a queda em 2016 ficar em apenas 6%, segundo previsão do mercado, será necessário um crescimento de 19,60% no próximo ano para se voltar ao nível de produção de 2013. Se essa recuperação quase inimaginável ocorrer, o setor ainda estará como se tivesse mantido crescimento zero a partir de 2014. E esse desempenho ainda teria sido muito melhor que o acumulado de fato.
As perspectivas, no entanto, são imensamente mais modestas, de acordo com as projeções coletadas no mercado pelo Banco Central (BC), em sua pesquisa Focus. Na última sondagem de outubro, as medianas das projeções apontaram retração industrial de 6% neste ano e crescimento de 1,11% em 2017, uma variação quase insignificante, depois de três anos de grandes quedas.
Não há como estranhar, nesse quadro, o desempenho ainda muito ruim do segmento produtor de bens de capital, isto é, de máquinas e equipamentos. Com cerca de um terço de capacidade ociosa e diante de uma demanda muito fraca, os empresários deverão levar ainda um bom tempo para voltar a investir no potencial produtivo. Em setembro, a fabricação de bens de capital foi 5,1% menor que em agosto e 7,2% inferior à de um ano antes. No ano, o volume produzido foi 15% menor que o de janeiro a setembro de 2015. A queda foi de 19,8% em 12 meses.

Com tanta ociosidade, a indústria poderá aumentar a produção, na fase inicial, sem maiores custos. Caberá ao governo, com seus projetos, dar o primeiro impulso à reativação dos negócios.