Editorial, Zero Hora - O combate aos supersalários

O mérito da recém-instalada comissão para identificar servidores dos três poderes com salários acima do teto constitucional é o de chamar a atenção para distorções inaceitáveis nos ganhos de servidores públicos. Não haveria necessidade desse tipo de iniciativa se a lei fosse cumprida e os ganhos ficassem limitados de fato ao salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 33,7 mil. A questão é que, por meio de uma série de artifícios, servidores em situação privilegiada sempre encontram um jeito de ganhar acima do teto, prática difícil de ser combatida devido à força das corporações mais influentes.
Pelo que ficou definido na última semana, a comissão especial do Senado terá 20 dias para apurar os casos de transgressão à norma nos contracheques de funcionários do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. É previsível que, desde já, representantes dos três poderes se apressem em transferir responsabilidades, na intenção de justificar seus altos vencimentos, opondo-se à iniciativa. Mas é inadmissível que, em tempos de definição de teto de gastos e às vésperas do debate sobre a reforma da Previdência, além de crise financeira nos Estados, servidores possam continuar ganhando mais de R$ 100 mil mensais, como ocorre particularmente em estatais.
Chama a atenção o fato de, há exatamente um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) ter estabelecido que vantagens pessoais nos salários do setor público devem respeitar o teto do funcionalismo. Como vantagens pessoais, os ministros consideraram, por exemplo, adicional por tempo de serviço e gratificação por produtividade. O teto só não se aplicaria às chamadas verbas indenizatórias, como diárias e auxílio-moradia. Ainda assim, as distorções se mantêm, e não falta quem, no setor público, se disponha a defendê-las.

É importante que, para evitar quaisquer dúvidas, incluindo alegações de perseguição a um ou outro poder, a comissão especial instalada na última semana possa cumprir sua missão observando sempre o máximo de transparência e isenção. O Senado pode ajudar no controle de gastos do setor público se contribuir para conter excessos salariais não apenas em âmbito federal, mas também nos Estados.

Artigo, João Domingos, Estadão - A hora do PMDB

Não é exagero dizer hoje que em breve o PMDB voltará a ser um coadjuvante da política brasileira, apesar de ocupar a Presidência com Michel Temer e de ter eleito o maior número de prefeitos em outubro. Voltará assim o partido ao papel que exerce desde 1981, quando foi obrigado a mudar o nome de MDB para PMDB, e deixou de ser a única legenda de oposição ao governo militar. Nem quando ocupou a Presidência, com José Sarney (1985/1990), o PMDB foi o protagonista. Sarney vinha da Arena e do PDS, partidos que sustentaram o regime militar, e virara a casaca para ser o vice de Tancredo Neves. Com a morte de Tancredo, antes mesmo da posse, quem passou a mandar de fato no governo foi Ulysses Guimarães, não o conjunto do PMDB.
Isso aconteceu porque o PMDB sempre foi um amontoado de ideias e interesses, sem nenhuma amarração orgânica. O domínio partidário costuma ser exercido por grupos que se formam em torno de quem está no poder e a este ajudam a dar sustentação. Foi assim nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. A chegada de Temer à Presidência foi só um atalho na História. Desde 1994, última vez que tentou brigar pela Presidência da República, com Orestes Quércia, o PMDB deixou de disputar o poder central pelo voto direto. No governo Dilma acomodou-se na vice e aguardou sossegado pelo desastre que foi o governo da titular.
O PMDB deverá voltar a ser coadjuvante por uma série de razões. Uma delas, a mais evidente, pode ser atribuída à Operação Lava Jato. Praticamente sem exceção, os principais nomes do partido ou estão sendo investigados, ou estão presos, ou encontram-se sob risco de irem para a cadeia. O presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), coleciona uma dúzia de pedidos de investigação. O presidente do partido, Romero Jucá (RR), também é citado pela Lava Jato, assim como ministros próximos a Temer. O próprio presidente corre lá seus riscos.
A outra razão que possibilita levantar as dificuldades de manutenção do protagonismo do PMDB deve-se à falta de quadros do partido que possam ser considerados competitivos numa disputa presidencial. No auge de sua rápida ascensão, o ex-deputado Eduardo Cunha (RJ) planejava usar a presidência da Câmara para se tornar candidato a presidente da República. Depois de ter o mandato cassado pela Câmara, foi parar na cadeia. Há uns dois, três anos, iniciaram-se especulações sobre a possibilidade de o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral ser candidato a presidente, até mesmo com o apoio do PT de Lula. Cabral está preso. O ainda prefeito do Rio, Eduardo Paes, afilhado de Cabral, teve o nome lembrado para uma futura disputa. Seu candidato perdeu a eleição para a Prefeitura do Rio e o nome dele já nem é citado mais. Sem falar que Paes se fez no PSDB. Mudou para o PMDB por puro oportunismo. Assim como se aproximou de Lula e de Dilma, dos quais era adversário, apenas para ganhar o apoio do PT 
Alguém pode argumentar que o presidente Michel Temer pode se tornar competitivo e pode tentar a reeleição com chances de sucesso. É verdade. Mas nos dois anos de governo que restam a Temer ele terá de administrar tantos problemas, tantas crises, que é difícil dizer se não estará aos pedaços até lá.
Primeiramente, terá de escapar do processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a cassação da chapa Dilma/Temer. Depois, resolver de forma convincente os problemas econômicos do País, reduzir o desemprego, baixar os juros, segurar a inflação e pôr o Brasil no rumo do crescimento, além de passar com poucos arranhões pela Lava Jato.

Não é pouca coisa. 

Editorial, Estadão -Torcendo pelo fundo do poço

A mudança de governo foi a melhor notícia econômica do terceiro trimestre – a melhor e uma das poucas positivas. Ainda em recessão, a economia afundou 0,78% em relação ao trimestre anterior, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) divulgado na quinta-feira passada. O indicador até subiu 0,15% de agosto para setembro, mas seria um exagero falar em retomada do crescimento. Deve ter sido mais um modesto repique, insuficiente para compensar a queda acumulada nos dois meses anteriores. O resultado dos nove meses de 2016 foi 5,19% inferior ao de janeiro a setembro de 2015. A queda chegou a 5,42% em 12 meses. O IBC-Br é usado como prévia do balanço trimestral do Produto Interno Bruto (PIB). O balanço do período de julho a setembro deve sair no fim de novembro. O dado mais amplo poderá ser diferente do estimado pelos técnicos do BC, mas o quadro geral parece já estar bem caracterizado. Os dados setoriais já publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) parecem ter confirmado a continuidade da retração.
Os economistas do BC mantêm, por enquanto, a previsão de um PIB 3,3% menor em 2016 que no ano anterior. A estimativa coincide com as últimas projeções do mercado e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O desemprego de 12 milhões de pessoas, a quebradeira de muitas empresas, o aumento da inadimplência e o agravamento da crise fiscal, por causa da redução da receita de impostos, são os efeitos mais sensíveis da recessão.
Mas a crise econômica produziu pelo menos dois efeitos positivos. Os preços passaram a subir mais lentamente e já se prevê para o próximo ano uma inflação bem mais próxima da meta oficial de 4,5%. Além disso, o comércio de bens voltou a dar saldo positivo e o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos diminuiu consideravelmente. Visto mais de perto esse resultado fica menos bonito, porque a melhora é explicável principalmente pela redução das importações, uma consequência da recessão.
Empresários e até consumidores começaram a mostrar mais otimismo, ou menos pessimismo, segundo pesquisas de várias instituições, algumas semanas antes da conclusão do processo de impeachment. O processo foi encerrado em setembro, com o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. A mudança efetiva de governo só ocorreu depois disso, quase no fim, portanto, do terceiro trimestre. Só a partir daí se poderia falar de uma alteração de política econômica sem risco de retorno.
Apesar da melhora de humor de empresários e consumidores, indicada por várias sondagens naquele período, o ambiente político do período de julho a setembro ainda foi caracterizado por muita insegurança. As primeiras mudanças ensaiadas pelo presidente em exercício envolveram negociações políticas difíceis e custosas. Embora as linhas básicas da nova orientação estivessem definidas, era cedo para falar de mudanças definitivas. A continuidade da recessão no terceiro trimestre parece combinar com esse quadro político ainda carregado de incertezas.
Na melhor hipótese, a economia brasileira terá chegado no terceiro trimestre ao fundo do poço. Com os números dos três meses finais de 2016 será possível conferir se isso ocorreu. Os poucos dados de outubro até agora conhecidos, como os da indústria automobilística, deixam ainda alguma dúvida sobre o fim da queda. Mas será necessário um conjunto maior de informações para uma avaliação segura.

Se a atividade tiver chegado ao fundo, os brasileiros terão mais uma notícia animadora. Mas nada permite apostar num início de recuperação neste fim de ano. Mesmo as perspectivas de 2017 parecem menos entusiasmantes do que até há algumas semanas. Isso se explica pelas condições internas de demanda, ainda muito fracas, e pelas incertezas derivadas da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Se um número razoável de congressistas brasileiros pensar seriamente sobre esses dados, a tarefa de reconstrução econômica ficará um pouco menos difícil para o Executivo.