Artigo, Renato Sant'Ana - Uma pauta de mudança

        Entrevistado por Renato Onofre, do Estadão, o presidente do Senado, Sen. Davi Alcolumbre, deixou claro que vai usar a presidência para barrar CPI da Lava Toga e qualquer processo de impeachment de ministro do STF.
          Pode alguém formular uma opinião "a priori"? Ou, à parte dos pedidos já feitos e descartados, poderia Alcolumbre (DEM-AP) rejeitar desde logo futuros requerimentos de CPI, que estarão baseados em motivos que ele não pode adivinhar? Não! Ele age como um juiz que dá uma sentença antes de conhecer as razões das partes.
          Intelectualmente raso e com o hábito da autorreferência, ele é o tipo de político que quase só sabe falar em primeira pessoa: "Quem me conhece desde vereador, conhece um Davi pacificador." "Se houve um momento de divergência entre o presidente da Câmara e o presidente da República, o bombeiro Davi entrou em campo." "Não vou ser mais um para criar uma discórdia no Brasil." eis algumas frases da entrevista.
          Com mandato eletivo desde 2001 (de vereador a senador da República, candidato óbvio em 2022), ele ainda não se moldou à condição de homem de Estado. E parece estar sempre em campanha por voto: o autoelogio é um padrão em suas falas, no que ele é igual a 500 outros congressistas.
           Reportagem da CBN (03/02/2019) mostra que, entre 2015 e 2018, ele gastou mais de R$ 1,7 milhão com a cota de gabinete, a maior parte para divulgação da atividade parlamentar.
          Em abril de 2018, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, pediu a cassação do mandato de Davi Alcolumbre e seus dois suplentes de senador (um deles é Josiel Alcolumbre, seu irmão), alegando ilicitudes na prestação de contas da campanha de 2014.
          No Supremo Tribunal Federal (STF), ele é investigado em dois inquéritos por crimes eleitorais, contra a fé pública e uso de documento falso. Um deles (n. 4677) traz detalhes da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal do Amapá (sua base eleitoral), apontando irregularidades em sua campanha de 2014. E o outro corre em segredo de Justiça.
          Apesar disso, na disputa pela presidência do Senado, sempre em primeira pessoa, ele usou o discurso da renovação na política, antagonizando com o multiprocessado senador Renan Calheiros (MDB-AL).
          E agora, a seu juízo, não pode haver uma CPI da Lava Toga: "A divergência, a briga, o conflito não leva a gente a lugar nenhum", disse ele ao Estadão sobre eventual confronto com o Judiciário, ignorando a serventia do Senado. Por sinal, foi com igual nobreza de espírito que ele votou a favor do "reajuste" dos ministros do STF...
          Note-se que a entrevista ao Estadão e sua proclamação de propósito ocorreu entre dois atos de uma ópera cujo "finale" ainda vai ser escrito. No primeiro, a revista eletrônica Crusoé informou que Marcelo Odebrecht identificou o codinome de Dias Toffoli (presidente do STF) entre envolvidos em negociatas de sua empreiteira em 2007, quando Toffoli era chefe da Advocacia Geral da União (AGU).
          No segundo ato, Alexandre de Morais, ministro do STF, entrou em cena para censurar a Crusoé, mandando apagar a reportagem que "inquinava" a reputação do seu Colega Dias Toffoli. Mas, depois, concluindo que não era fake news, suspendeu a censura.
          Tudo isso compõe o cenário da velha política. Mas não é o caso de se especular um final para a ópera nem de se analisar a ousadia da Crusoé ou a conveniência ou não de uma CPI para higienizar o Judiciário. O que interessa, por ora, é interpretar os sinais trazidos pela performance de Alcolumbre e extrair uma ideia de mudança.
          O fato gritante é o "vício institucional", qual seja, o excesso de poder do presidente do Senado. Pela regra atual, ele tem a prerrogativa de decidir sozinho, segundo entenda ou lhe convenha, aceitando ou rejeitando, no presente exemplo, pedidos de CPI e, igualmente, de impeachment de ministro das cortes superiores. Ou seja, ficam todos à mercê da inteligência ou estultice, da honestidade ou má-fé de quem quer que ocupe o cargo.
          Tem que mudar. Mas como? A estratégia é focar na instituição, não no indivíduo. Se, por um lado, não há meio apto para garantir que o presidente do Senado reúna todas as qualidades desejáveis, por outro é perfeitamente factível aprimorar a instituição ao mudar as regras e reduzir a discricionariedade do presidente.
          Com efeito, já tramita no Senado o PRS 11/2019, projeto de resolução para alterar o regimento da Casa, mudando a regra para o recebimento de denúncia contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Procurador-Geral da República por crimes de responsabilidade. Da autoria do Sen. Lasier Martins (Pode-RS), o PRS propõe que a abertura ou não de processo nessas hipóteses seja partilhada por todos os senadores, o que tornará mais democrático o exercício da presidência.
          O PRS 11/2019 presta-se a exemplificar um caminho de mudanças, contrariando o que, de hábito, pensam os simples, para quem o Brasil só vai mudar quando forem eleitos políticos íntegros e dedicados ao interesse geral, ideia que tem certa lógica mas é enganosa.
          Seria mesmo maravilhoso que só existisse bondade. Mas a realidade humana é outra. E se não há meio apto a garantir que, individualmente, todas as pessoas sejam boas, justas e fraternas, então o que resta é trabalhar pelo aprimoramento das instituições que, por sua vez, podem balizar o comportamento das pessoas - estejam elas no Congresso, no Judiciário, na universidade, etc. -, ajudando-as a viver com retidão.

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo

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