Análise - A poupança e a retomada do consumo

O título original da análise é "Poupança precaucional e a retomada do consumo". O texto é dos economistas do Bradesco.

A redução do endividamento das famílias nos últimos anos tem sido a principal força por trás da retomada  recente do consumo. Desde 2014, nota-se um claro comportamento precaucional por parte das famílias que, de forma inédita nas últimas duas décadas, passaram a poupar. Como se nota no gráfico a seguir, durante mais de três anos o consumo das famílias (vendas do varejo) teve um desempenho inferior ao da renda (massa de salários). Há vários exemplos práticos desse comportamento: enquanto o PIB, uma proxy da renda, encolheu 8% nos últimos anos, as vendas de automóveis ou de imóveis caíram cerca de 50% no mesmo período.
 
Nossa avaliação é de que essa atitude do consumidor reflete muito mais a conjuntura incerta dos últimos anos do que propriamente uma mudança de comportamento das famílias. Entendemos que isso está associado, em grande medida, à piora do mercado de trabalho, o que levou a uma postura mais cautelar dos consumidores empregados. Além de o grau de formalização ter diminuído, houve forte e contínua elevação da taxa de desemprego – de 6,5% em meados de 2014 para cerca de 13% no começo deste ano. Adicionalmente, os próprios ganhos reais se mantiveram em contração durante quase todo esse período.
O principal efeito colateral (positivo) dessa poupança precaucional foi uma importante redução do endividamento das famílias. O endividamento total, medido como proporção da renda, recuou para níveis de 2011 e quando excluímos os empréstimos imobiliários, recuamos para níveis de 10 anos atrás. Esse ajuste contribuiu para o bom comportamento da inadimplência nos últimos anos, que a despeito da deterioração do mercado de trabalho, surpreendeu de maneira positiva na carteira de pessoa física. A julgar pela intensidade da piora do mercado de trabalho, era de se esperar que a inadimplência ultrapassasse os níveis observados nos ciclos anteriores, mas isso não ocorreu. Além da poupança precaucional e a liberação do FGTS explicarem esse melhor desempenho da inadimplência, desde a crise de 2008 nota-se uma composição mais favorável da carteira das famílias, com linhas que possuem menor inadimplência, e o aprendizado do processo de endividamento do crédito automotivo em 2012 levou a uma atitude mais moderada de consumidores e agentes financeiros o que, no ciclo atual, impediu uma deterioração mais intensa da carteira de crédito às pessoas físicas. Essa é uma característica bastante distinta da crise brasileira em relação à de outros países, como EUA e Europa, onde o balanço das famílias piorou significativamente. Aqui, houve melhora durante a crise.
Outra evidência dessa poupança precaucional se deu no aumento das aplicações financeiras. É verdade que o FGTS contribuiu para isso, mas houve uma substancial elevação nos últimos meses. Após um ano praticamente estável, voltamos a observar aumento no saldo na caderneta poupança a das demais fontes de captação, em especial fundos de investimento.
Em nossa avaliação, entretanto, os vetores que levaram a esse aumento de poupança começam a se dissipar. A desinflação de alimentos produziu um elevado ganho de renda real (especialmente sobre a camada da população que possui maior propensão marginal ao consumo); a taxa de desemprego sobe a taxas bem menos intensas (tendo inclusive caído nos últimos meses); e o medo de perder emprego diminuiu, em linha com a estabilização das contratações líquidas do Caged. Por isso, é razoável imaginar que a partir de agora consumo e massa salarial passem a andar de maneira mais alinhada.
A esse processo irá se somar o efeito defasado da queda de juros (Selic) e o aumento da renda real sobre o indicador de comprometimento de renda das famílias. Apesar do menor endividamento, a forte elevação da Selic nos últimos anos e a queda da renda real impediram uma redução do comprometimento de renda com o pagamento de juros e principal da dívida, que se manteve ao redor de 22% (Gráfico 2). Com o processo de desalavancagem em estágio avançado, a descompressão nas taxas de juros para o tomador final irá diminuir o comprometimento de renda das famílias, sendo um vetor adicional para a retomada do consumo nos próximos trimestres. Nossas estimativas apontam que a queda de juros deve promover alívio de R$ 40 bilhões no comprometimento de renda até dezembro 2018. Aliado à redução dos gastos com amortização como reflexo da desalavancagem, podemos observar um alívio de mais de R$ 70 bilhões na renda das famílias até o final de 2018, quase 1,0% do PIB.

Portanto, quando olhamos à frente, entendemos que alguns vetores se alinham para uma expansão mais forte do consumo e do PIB. Os juros já estão em queda, o medo de perder o emprego diminuiu e o ganho real de renda já produz efeitos sobre a economia. Esse impulso vindo da demanda tende a ter impactos no aumento da produção industrial, uma vez que os estoques estão em queda e o nível de emprego na economia se encontra mais compatível com o nível de produção. Assim, se houver aceleração da demanda final, a produção, dessa vez, tende a acompanhar esse crescimento. As vendas no varejo restrito, após registrarem queda de 4,2% em 2015 e de 6,2% em 2016, devem crescer 2,5% neste ano e 3,0% em 2018 e o PIB deve se expandir 0,7% e 2,5%, respectivamente, em 2017 e 2018.

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