Fábula do passarinho insensato

Por Renato Sant'Ana

 

Muito satisfeito consigo mesmo, ostentando um rabo comprido e penas coloridas, o passarinho pousou na sebe do pomar. E logo se pôs a emitir seu trinado potente, um gorjeio que ele acreditava ser o mais genuíno e que lhe dava a presunção de pertencer a uma estirpe superior.

Naquele instante de enlevo e auto-exaltação, ele notou que um homem se aproximava. O homem avançava de olhos fitos, passo a passo, bem devagar, como quem dissimula um propósito: caminhava em silêncio, sem qualquer ruído a não ser um assobiar baixinho, muito suave, imitando o trino de um pássaro tranquilo. Mas o pequeno cantor não deu tino da encenação diversionista e não viu razão para fugir. E se deixou ficar.

Foi quando uma idosa andorinha, que procurava lugar seguro para pousar e descansar um pouco da longa viagem que empreendia, percebeu a cena que se desenrolava. Pousando no galho de um limoeiro, ela gritou aflita:

- Foge depressa, companheiro, que este homem há de fazer-te mal!

Todavia, o passarinho colorido não se inquietou, replicando com altivez:

- Oh, não! Isso é antropofobia! Nunca ouviste falar de Francisco, o santo de Assis, aquele que amava os passarinhos? O seu exemplo mostra-nos que os homens são bons!

- Ai de ti, meu irmão estimado, que ele te vai apanhar! - exclamou a andorinha, fechando os olhos para não ver.

E foi assim, de olhos cerrados, que ela ainda ouviu um axioma de filosofia barata e em completa dissonância com a realidade:

- Oh, é muito feio e inaceitável ter preconceitos. Como podes tu predizer o comportamento de alguém? - perorou o passarinho.

No instante seguinte, todas as aves emudeceram e um silêncio de morte envolveu o pomar.

Dias mais tarde, um pequeno cadáver com penas coloridas foi jogado no monturo. E os enlutados companheiros do defunto passaram a fazer conjecturas sobre a causa mortis do desafortunado cantor.

O papagaio, que tem o mau vezo de repetir palavras alheias e é por isso tachado de inautêntico pelos mais velhos, limitou-se a chamar o falecido de imbecil. Entretanto, como é sabido, palavras que não vêm da alma não são recebidas por corações consternados e morrem na indiferença.

A andorinha, que permaneceu pelas redondezas antes de retomar sua longa viagem, atribuía à tristeza da prisão na gaiola a causa do trespasse do infeliz.

A pomba, apesar de nada ter visto, acreditava que aquele homem, dado a bebedeiras que lhe turvavam o discernimento, devia esquecer de alimentar seu prisioneiro, matando-o de fome.

Já a coruja, que espera o entardecer para alçar voo, que tudo observa em silêncio reflexionando com grande vagar, ponderou que uma e outra coisa poderiam estar certas. Mas sentenciou que, acima de tudo, o que de fato condenara o passarinho havia sido a sua presunçosa insensatez.

Viam-se assim as aves a confabular numa espécie de tertúlia fúnebre quando, à ocorrência de um fato inusitado, tiveram um estremecimento e se encolheram nos galhos em que estavam empoleiradas. É que o corvo, de cuja voz ninguém sequer se lembrava e que até então parecia alheio a tudo, falou no tom mais solene e advertiu com dicção de profeta:

- Maior desaventurado é o espírito presunçoso e crédulo que se atribui a si mesmo a virtude que não tem, porque, em razão de tamanha pobreza de discernimento, estará sujeito a tornar-se presa da sagacidade alheia. Se vós quereis preservar a liberdade, este bem mais precioso que o ouro e mais belo e mais frágil que a orquídea, aprendei a ver além das aparências e a desconfiar de vossas próprias crenças e convicções.

 

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.

E-mail: sentinela.rs@outlook.com



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