Artigo, Tito Guarniere - Associação de juízes e reforma trabalhista.

Artigo, Tito Guarniere - Associação de juízes e reforma trabalhista.
Tive de ler de novo sobre a inacreditável manifestação dos juízes do Trabalho, através da Anamatra-Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, de que não aceita e não vai implementar a Reforma Trabalhista, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional. Com alguma frequência, neste País, a gente precisa ler a notícia duas vezes para ter certeza de que é isso mesmo que está escrito, tal o disparate. E a tragédia é que aquilo que no papel parecia ser um erro de leitura apressada ou uma nota mal escrita, é na verdade o despautério que nos causou espécie.
A favor da Anamatra se diga que a entidade jamais surpreende. Toda vez que se manifesta pode o leitor ter certeza: lá vem bomba. Em circunstância alguma abre mão de uma inseparável arrogância. Uma coisa é certa, e ainda bem: não se deve confundir os juízes do trabalho com a sua associação. Mas a Anamatra está pouco ligando para isso e manda bala nas suas concepções voluntariosas, temerárias, como agora.
Então, recapitulando: o Congresso Nacional, a fonte do poder popular, onde se fazem as leis no Estado Democrático de Direito, votou uma reforma das leis do trabalho, as quais, por sinal, estavam mais ou menos paradas no tempo há mais de 70 anos. O que valia era o estatuto de inspiração fascista da década de 40, a Consolidação das Leis do Trabalho, um calhamaço labiríntico de artigos, exaustivos, envelhecidos, de difícil interpretação e aplicação.
As mudanças propostas pelo governo Temer não eram nenhuma revolução. No caso, pouco importa se a Reforma foi boa ou foi ruim, e para quem foi boa ou ruim. Importa que foi uma lei votada onde a Constituição manda que elas sejam votadas, no Congresso Nacional. Lá obedeceu aos trâmites, foi discutida, sofreu mudanças, recebeu emendas, passou nas duas casas do Congresso, recebeu a sanção presidencial.
Nesta situação, o que resta fazer? Nada, a não ser aplicá-la como está, até que seja mudada por outra lei, ou seja declarada inconstitucional pelo Supremo. Mas não no Brasil, e não para a Anamatra. A entidade, cujos dirigentes não têm um único e miserável voto popular, se atravessa no caminho, e como uma "La Pasionaria" fora de época e de contexto diz: "no pasarón!". O sindicato dos juízes (é mais apropriado chamar assim a Anamatra) se considera acima da lei, acima da Constituição!
A Anamatra quer que os seus juízes julguem e decidam em matéria trabalhista e quer dar pitaco no mérito da própria lei. Segundo o "Sindimatra" as mudanças votadas ferem a Constituição. (Não deixa de ser um alívio: os dirigentes da entidade, então, sabem que existe uma Constituição). Lendo a Carta Magna onde lhes convêm, mas não onde não lhes interessa, se toma e arvora de prerrogativa do Supremo Tribunal Federal, decidindo sobre a constitucionalidade da lei, e recomendando aos seus representados que julguem de acordo com os enunciados que ela própria elaborou.

De uma só tacada, uma associação de juízes, tomou o lugar do Parlamento nacional e da Corte Suprema. Falta-lhe tomar assento no Executivo. Temer que se cuide.

Condenações de Vaccari, João Santana e Mônica Moura são confirmadas em Porto Alegre

Condenações de Vaccari, João Santana e Mônica Moura são confirmadas em Porto Alegre

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) julgou hoje pela manhã (7/11) a apelação criminal do publicitário João Santana, da mulher dele, Mônica Moura, do operador Zwi Skorniczi, e de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que recorreu na 3ª ação criminal em que foi condenado pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Vaccari teve a condenação por corrupção passiva confirmada pelo tribunal e a pena aumentada de 10 anos para 24 anos de reclusão. Apesar de a 8ª Turma ter absolvido o ex-tesoureiro de dois dos cinco crimes pelos quais havia sido condenado em primeira instância, foi afastada a continuidade delitiva no cálculo da pena e aplicado o concurso material. Neste caso, os crimes de mesma natureza deixam de ser considerados como um só e passam a ser somados, resultando no aumento da pena.
Como nas duas apelações anteriores julgadas pelo tribunal envolvendo Vaccari, o entendimento do relator, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, foi de manter a condenação de primeiro grau. Conforme Gebran, “Vaccari, direta ou indiretamente, em unidade de desígnios e de modo consciente e voluntário, em razão de sua posição no núcleo político por ele integrado, solicitou, aceitou e recebeu para si e para o Partido dos Trabalhadores os valores espúrios oferecidos pelo Grupo Keppel Fels e aceitos também pelos funcionários da Petrobras, agindo assim como beneficiário da corrupção”.
O desembargador Leandro Paulsen, que absolveu Vaccari nas duas apelações criminais julgadas anteriormente, esclareceu que “neste processo, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.
O desembargador Victor Luiz dos Santos Laus teve o mesmo entendimento. Para ele, nesta ação está superado o obstáculo legal presente nos processos anteriores, visto que existe corroboração dos réus que firmaram acordo de colaboração. “Nesse processo ocorre farta prova documental no sentido de que Vaccari propiciou que o dinheiro da propina aportasse na conta de Mônica Moura e João Santana por meio de Skorniczi”, afirmou o desembargador.
Santana e Mônica, condenados por lavagem de dinheiro, tiveram a pena mantida em 8 anos e 4 meses. Skorniczi também teve a pena mantida em 15 anos, 6 meses e 20 dias.
Em seu parecer, o procurador regional da República Maurício Gotardo Gerum apontou a corrupção como a causa da falta de qualidade de vida existente no país. “Temos 13 milhões de analfabetos, infraestrutura urbana e segurança pública caóticas. Por que isso? Não temos guerras e nem fenômenos naturais com potencial destrutivo. A resposta está na corrupção”, analisou Gerum.
O procurador chamou a atenção para a importância dos julgamentos no TRF4. “Este tribunal não tomou conhecimento da parceria entre o poder público e o crime de colarinho branco. Não é exagerado dizer que a 8ª Turma vem parametrizando o combate à corrupção”. Gerum salientou que o colegiado tem sido pioneiro na execução da pena após a decisão de segundo grau.
Ação Penal
Essa ação trata das propinas pagas pelo Grupo Keppel em contratos celebrados com a empresa Sete Brasil Participações para o fornecimento de sondas para utilização pela Petrobras na exploração do petróleo na camada do pré-sal. Parte dos pagamentos teria ocorrido por transferências em contas secretas no exterior e outra parte iria para o Partido dos Trabalhadores.
Uma das contas beneficiárias seria a conta da off-shore Shellbill, constituída no Panamá, e controlada por Mônica Moura e João Santana. Eles seriam os terceiros. O dinheiro antes passava pela conta da Deep Sea Oil Corporation, controlada por Zwi Scornicki.
Essa é a 21ª apelação criminal relativa à Operação Lava Jato julgada pela 8ª Turma do tribunal. A sentença da 13ª Vara Federal de Curitiba foi proferida em 2 de fevereiro deste ano.
Como ficaram as penas:
João Vaccari Neto: condenado por corrupção passiva. A pena passou de 10 anos para 24 anos de reclusão;
João Cerqueira Santana Filho: condenado por lavagem de dinheiro. A pena foi mantida em 8 anos e 4 meses;
Monica Regina Cunha Moura: condenada por lavagem de dinheiro. A pena foi mantida em de 8 anos e 4 meses;
Zwi Skornicki: condenado por corrupção ativa. A pena foi mantida em 15 anos e 6 meses.
Execução da Pena

A execução da pena poderá ser iniciada pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba assim que passados os prazos para os recursos de embargos de declaração (2 dias) e de embargos infringentes (cabem no caso de julgamentos sem unanimidade, com prazo de 10 dias). Caso os recursos sejam impetrados pelas defesas, a execução só se dará após o julgamento desses recursos pelo tribunal.

TRF4 aumenta pena do donoe ex-diretores da Queiroz Galvão

TRF4 aumenta pena do donoe ex-diretores da Queiroz Galvão

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) julgou hoje (7/11) a apelação criminal do núcleo da empreiteira Galvão Engenharia nos autos da Operação Lava Jato. A 8ª Turma aumentou em sete anos a pena do ex-presidente da empresa Dario Queiroz Galvão Filho, que passou de 13 anos e 2 meses para 20 anos e 6 meses. Os ex-diretores da empreiteira Erton Medeiros Fonseca e Jean Alberto Luscher Castro também tiveram as penas aumentadas.
Foram réus ainda nesta ação o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que teve a pena mantida em 5 anos e 5 meses, e Waldomiro de Oliveira, apontado como laranja de Alberto Youssef, que teve a litispendência afastada e a pena estipulada em 6 anos e 8 meses.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Galvão Engenharia faria parte do cartel de empresas que ajustava previamente os valores, manipulando as licitações da Petrobras para a contratação de grandes obras a partir de 2006.
A Ré foi vencedora, em consórcio com outras empreiteiras, em obras contratadas pela Petrobras referentes ao Terminal da Ilha D'Água/RJ, ao Terminal Marítimo da Baía de Angra dos Reis/RJ, ao Projeto Água de Formação, ao EPC das unidades de "hidrocarboneto nafta coque", da Carteira de Gasolina - G3, à Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), à Refinaria de Paulínea/SP – Replan - D5/SP, à Revamp do Píer de Angra dos Reis/RJ, à Refinaria Landulpho Alves (RLAN), à Refinaria Premium I e ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - COMPERJ.
Conforme o MPF, 1% do valor dos contratos era dirigido à Diretoria DCE Abastecimento da Petrobras, dirigida por Paulo Roberto Costa. Waldomiro de Oliveira foi denunciado por fazer o repasse dos valores da Galvão Engenharia.
Essa é a 22ª apelação criminal em processos da Operação Lava Jato julgados pelo tribunal. A sentença foi proferida pelo juiz federal Sérgio Moro em 2/12/2015.

Como ficaram as condenações:
Dario de Queiroz Galvão Filho: condenado por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A pena passou de 13 anos e dois meses para 20 anos e 6 meses;
Erton Medeiros Fonseca: condenado por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A pena passou de 12 anos e 5 meses para 13 anos e 5 meses;
Jean Alberto Luscher Castro: condenado por corrupção ativa e associação criminosa. A pena passou de 11 anos e 8 meses para 14 anos e 4 meses;
Paulo Roberto Costa: condenado por corrupção passiva. A pena foi mantida em 5 anos e 5 meses. Costa já foi condenado em outros processos da Operação Lava Jato, e deve cumprir a pena segundo o acordo de colaboração premiada firmada com o MPF;
Waldomiro de Oliveira: deixou de ser condenado por reconhecimento de litispendência com outra ação penal com o mesmo objeto. O tribunal afastou a litispendência e condenou-o à pena de 6 anos e 8 meses.
Execução da Pena

A execução da pena poderá ser iniciada pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba assim que passados os prazos para os recursos de embargos de declaração (2 dias) e de embargos infringentes (cabem no caso de julgamentos sem unanimidade, com prazo de 10 dias). Caso os recursos sejam impetrados pelas defesas, a execução só se dará após o julgamento desses recursos pelo tribunal.

Ufsc proíbe evento para apresentar vítimas do comunismo

A Universidade, da mesma forma que universidades gaúcvhas como Ufrgs, PUC e Unisinos, só abrem seus grandes espaços e patrocinam eventos para personalidades claramente comunistas ou alinhadas com Partidos como PT, Psol e PCdoB.  O CSE alegou que o evento foi cancelado devido ao caráter político.

A Universidade Federal de Santa Catarina (USFC) impediu a realização de um evento em memória das vítimas do comunismo. Com o nome “Semana Vítimas do Comunismo: 100 Anos da Pior Tragédia do Século XX”, o evento aconteceria entre os dias 6 e 10 de novembro, no auditório do Centro Sócio-Econômico (CSE) da universidade.

A semana promoveria debates sobre a história e legado dos regimes comunistas e a história não contada da União Soviética. O evento, organizado com apoio da organização americana Victims of Communism Memorial Foundation (Fundação em Memória das Vítimas do Comunismo), tinha palestras confirmadas de Valerii Hryhorash, cônsul da Ucrânia no Brasil, Cristofer Correia, coordenador de Governo do Vontad Popular da Venezuela e Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil.

Segundo os organizadores, o evento estava agendado havia um mês, e quase 300 pessoas haviam confirmado presença. O cancelamento foi denunciado pelo vereador de Florianópolis Bruno Souza (PSL), um dos organizadores do evento, em uma postagem no Facebook. Segundo ele, o evento foi cancelado pela instituição sem explicações.

Procuradores da PGE esclarecem a questão dos honorários

Em nome da Associação dos Procuradores do RS (Apergs), busco esclarecer algumas questões levantadas em seu site.
Há um ponto relevante que, quando não mencionado, remete a uma cadeia de equívocos. A verba dos honorários sucumbenciais referida no PLC 229 é um recurso de natureza privada. Não sai, portanto, do Tesouro do Estado. Quem paga os honorários é o perdedor da causa (empresas com litígios com o Estado e outros entes públicos) ao advogado da parte vencedora. Os recursos a serem percebidos, com a aprovação do PLC 229/2016, não afetarão a prestação de serviços essenciais à população, uma vez que não sairão dos cofres públicos.
O pagamento dos honorários aos advogados públicos foi assegurado a partir da sanção do novo Código de Processo Civil, em 2015.
Com exceção do RS e SC, trata-se de uma questão já pacificada nos demais estados e no Distrito Federal, em nível nacional e em centenas de municípios. O PLC visa apenas colocar o RS em sintonia com o CPC.
Há quase dois anos, estamos buscando construir alternativas para que seja assegurado um direito constitucional. Não se trata de um mero benefício. Além do mais, como advogados públicos, temos de garantir que as leis sejam cumpridas e o Rio Grande do Sul esteja em consonância com a lei nacional, de acordo com o Código Civil.
As reivindicações são legítimas. As pressões fazem parte da democracia e do processo político. Conhecedor da categoria e ciente do papel de responsabilidade dos procuradores, demonstrado ao longo das fundamentais conquistas para a defesa do Estado, seja contra a União ou grandes grupos econômicos, discordo que haja em curso qualquer tipo de boicote, seja qual for a natureza da ação. Ao invocar esse tipo de ato, tenta-se misturar uma questão legítima e constitucional com uma deliberação ideológica e menor.
Com seriedade e profissionalismo, continuaremos desempenhando nossas atribuições.

Agradeço a atenção e fico à disposição.

Luiz Fernando Barboza dos Santos 

Presidente da Apergs

Artigo, Maílson da Nóbrega, Veja - Juízes, os príncipes da República

Título original: "Os príncipes da República"
Juízes têm vantagens incompatíveis com a realidade do país

O TEMA é espinhoso, mas deve ser tratado. Existe uma casta de servidores públicos com salários e benefícios difíceis de justificar. Veja-se o caso das aposentadorias. A dos servidores do Judiciário federal é de 24 959 reais, em média; a do Legislativo, 28 551 reais; a de quem se aposenta pelo INSS, 1 202 reais.

O Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. No estudo “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”, Luciano Da Ros mostrou que o Judiciário custava 1,3% do
 PIB em 2014, mais do que o PIB de oito estados do Norte e Nordeste. Seu orçamento é o mais alto entre as federações ocidentais. A despesa por habitante é superior à de Judiciários da Suécia, Holanda, Itália, Portugal, Inglaterra e Espanha. Quase tudo devido a salários.

A participação dos gastos do Judiciário federal no Orçamento mais que dobrou entre 1988 e 2016, de 1,2% para 2,5%. Enquanto as despesas reais cresceram 3,14 vezes no período, as do Judiciário subiram 6,5 vezes. Parte delas adveio do aumento de demandas judiciais, mas o maior efeito resultou de salários.

A explicação está na autonomia administrativa e financeira concedida pela Constituição (artigo 99), que permite ao Judiciário enviar seu orçamento diretamente ao Congresso e propor os próprios salários. O Congresso costuma aprovar e o Executivo nunca veta. O mesmo ocorre no Ministério Público e na Defensoria Pública.

Onde revoluções forjaram a democracia moderna — Inglaterra (1688), Estados Unidos (1776) e França (1789) —, o envio do orçamento cabe exclusivamente ao Executivo. Na França, o orçamento do Judiciário é executado por um ministério. Aqui, a ideia era evitar que o Judiciário fosse manietado financeiramente pelo Executivo, o que jamais fez sentido.

A Constituição indexou salários de magistrados aos de ministros do Supremo Tribunal Federal (artigo 93, inciso V). Há estados em que mais de 90% dos juízes ganham acima do salário dos ministros do STF, que é o teto. Isso porque penduricalhos não considerados no teto aumentam os rendimentos. Assim, no Acre juízes ganham mais de 80 000 reais por mês. Outro dia, um juiz de Mato Grosso recebeu atrasados de mais de 500 000 reais. Tudo isso tem aprovação do Conselho Nacional de Justiça, ressalve-se.

O desembargador Fábio Prieto tomou posse no Tribunal Regional Eleitoral da 3ª Região com um discurso corajoso. Disse que é preciso “superar o modelo corporativo-sindical da Justiça no Brasil”. Para ele, a reforma do Judiciário (2004) não superou os males do patrimonialismo, do clientelismo, do assembleísmo corporativo e da burocratização. Até os reforçou.


Os salários de juízes devem levar em conta as responsabilidades e as restrições para o exercício de suas nobres funções. Há, todavia, que rever excessos dessa e de outras carreiras, incluindo salários iniciais que superam os de funções semelhantes no setor privado, ideia não aplicável a casos como os de magistrados.

Artigo, JR Guzzo, Veja - Voo cego

Voo cego
Coluna publicada em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555

O Brasil, do jeito que estão hoje quase todas as propostas de combate à corrupção, a começar pelas mais agressivas e mais atraentes para o público, pode estar a caminho de se transformar num país onde um cidadão que pratica o senso comum, a honestidade comum e a decência comum acabará se tornando inelegível  para cargos públicos de qualquer natureza. Já está muito difícil, na situação atual, encontrar gente boa disposta a entrar na vida pública; portadores de uma taxa moderada de integridade pessoal afastam-se de tudo o que cheira a “governo” como quem se afasta de uma zona infestada por radiação nuclear. Se tudo continuar assim, os brasileiros podem esquecer qualquer esperança de viver um dia num país de nota 5 para cima. É bem possível que continue, aliás: o criador, gerente e beneficiário dos dois governos mais corruptos da história do Brasil é apontado pelos institutos de pesquisa como o candidato mais forte para as eleições presidenciais do ano que vem. Mas, se forem feitas as mudanças exigidas hoje para enfrentar a roubalheira desesperada dos últimos anos, aí sim, a desgraça chegará a um estágio de perfeição. Tudo foi feito e nada mudou — esperar o quê, então?

Não é nem um pouco complicado de entender. Todas as providências exigidas até agora pelos responsáveis por combater a corrupção vão cegamente na mesma direção: mais leis, mais regras, mais portarias contra a corrupção; mais punições, mais rigor, “mais cadeia” para os corruptos. Mas nossos investigadores, procuradores, promotores, juízes, militantes de organizações antirroubo etc. só pensam em assustar os ladrões — e nunca em mudar a sério, para valer, o Estado brasileiro, que está desenhado, montado e planejado para produzir esses mesmos ladrões 24 horas por dia. É impossível, com essa conversa, mudar alguma coisa. Não se rouba neste país porque as penas são baixas, ou porque as leis permitem que a Justiça seja uma mãe gentil para os criminosos que mandam em alguma coisa. Isso tudo ajuda, é óbvio; é até um incentivo. Qual o bandido que não se enche de fé num país onde o Supremo Tribunal Federal tem um ministro como Gilmar Mendes? Mas as pessoas roubam, acima de qualquer outra razão, porque o poder público lhes oferece, e oferece cada vez mais, todas as oportunidades possíveis de ficar ricas usando a seu favor a máquina do governo. Não roubariam se não conseguissem roubar — ou roubariam apenas onde houvesse algo para ser roubado. O governo, em si, não sai andando por aí para corromper as pessoas. São as pessoas que corrompem o governo — e só podem corromper aquilo que o governo possui ou controla. Os projetos dos nossos vigilantes da moral pública querem mudar a natureza humana, coisa que não podem. Aquilo que podem, que é mudar o Estado, não querem.

O que poderia ser mudado? Quase tudo. É um fato acima de qualquer argumento, por exemplo, que os políticos e os seus sistemas de operação só podem roubar uma empresa estatal se houver uma empresa estatal para ser roubada. Feche-se ou venda-­se uma estatal, qualquer uma — ali não se roubará mais nem um tostão. Os ladrões terão de procurar outra; quanto menos estatais houver, portanto, menos se roubará. Será tão simples assim? Perfeitamente; é o que pode haver em matéria de simplicidade. A Petrobras, a estatal número 1, foi mais roubada pelos governos do PT do que em todos os seus 64 anos de vida; roubou-se tanto que até hoje ninguém sabe exatamente quanto se roubou. Cerca de 20 bilhões de reais, como estimam os procuradores da Lava-Jato? Mais? É certo, de qualquer forma, que os processos por corrupção na Petrobras já têm 116 condenados, na maioria confessos, e quase 300 réus. Dá para ter uma ideia, não? Nunca houve nada de parecido na história da República — para não falar do Império e da Colônia. Imagine-se agora, por um minuto, que não existisse Petrobras, ou que ela não fosse propriedade do Estado — ou, para falar mais claro, dos que mandam no palácio, como se viu nos governos Lula-Dilma. Ninguém teria roubado nada do público, da mesma forma que não houve mais roubo na fabricação do aço depois que o governo parou de fabricar aço, ou nos bancos estaduais depois que acabaram os bancos estaduais. Enfim: acabe-se a licença, e você não poderá mais vender a licença.


Os sonhos de extermínio da corrupção serão apenas isso, sonhos, enquanto os sonhadores continuarem de joelhos diante do Estado, rezando para que os corruptos comecem a ter medo da lei. Seu “Estado forte” só conseguirá tornar a ladroagem eterna.