Dica de literatura - Cortina de rolhas, Vitor Bertini

Seu Willy, Dr. Wilhelm, era catedrático de filosofia do direito, usava ternos de corte inglês, lia Kelsen em alemão, palestrava como poucos e, sempre que possível, falava de estranhamentos.
Homem metódico, cauteloso, o ritual de negociação dos convites para eventos, notadamente os que envolviam viagens terrestres, era sempre o mesmo: dificuldades iniciais, o aceno com uma pequena possibilidade, um enervante tempo de silêncio e, na última hora, o sim, eu vou. Tudo sob a intermediação de dona Elvira, sua eterna secretária.
– Reclama, mas sempre vai – dizia a assessora.
Paulão, motorista e “pau pra toda obra”, tão eterno quanto dona Elvira, compunha o restante da equipe.
Entre suas diversas atividades, Paulão gostava mesmo era quando tinha que contar uma história. Aprendera que o chefe as chamava histórias de espanto - e que depois dele, em tom descontraído, o professor seguia falando sobre o assunto.
– Paulão, por favor, venha contar o que aconteceu hoje.
Paulão não se fez de rogado:
– Na metade da viagem paramos em um restaurante. As mesas estavam vazias, mas o chefe não gostou das toalhas de plástico. Então fomos para o balcão, que estava lotado. Ficamos ali em pé mesmo, atrás da fileira dos sentados. Com sacrifício consegui pedir duas águas com gás e dois copos limpos, sem gelo e sem limão. O balconista ouviu o pedido e sumiu atrás de uma cortina de rolhas, todas emendadas. Demorou. Depois o rapaz colocou a cabeça pra fora da cortina nos procurando. Olhou para todos os lados, e gritou: “para quem são os copos limpos?”.


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