De lorota em lorota, Dilma tenta adiar o ostracismo o
quanto pode à custa da Nação
José Nêumanne
24 Agosto 2016 | 03h01
O comparecimento da presidente afastada, Dilma Rousseff,
ao julgamento de seu impeachment foi agendado e ela tratou na semana passada
com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), do rito a ser
adotado na sessão. Foi-lhe atribuída a intenção de reverter a crônica da
condenação anunciada com um discurso capaz de constranger oito dentre os
julgadores, que foram seus ministros, a votar por sua volta, depois de terem
aprovado a pronúncia dela na votação anterior. Eles figuraram entre os 55 favoráveis
a seu afastamento, e não entre os 21 que decidiram paralisar o processo, menos
da metade dos 43 necessários (metade mais um).
O crítico severo poderá achar destemperado o gesto, o que
condiz com seu temperamento tempestuoso. Mas é contrário a todas as leis da
probabilidade e da lógica. Pois é Dilma a maior responsável pelo calvário que
ela mesma, seu criador, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Partido dos
Trabalhadores (PT), de ambos, estão vivendo neste agosto de seu desgosto. Em
março de 2014 o Estadão publicou documentos, até então inéditos,
revelando que em 2006, quando era ministra da Casa Civil e presidente do
Conselho de Administração da Petrobrás, ela aprovou a compra onerosa de 50% de
uma refinaria da belga Astra Oil em Pasadena, no Texas (EUA). Divulgada a
notícia, explicou a discutível decisão dizendo que só a apoiou por ter recebido
“informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”. Sua
primeira manifestação pública sobre o tema foi chamada, e com toda a razão, de
“sincericídio”.
Pois às vésperas de se impor como candidata à reeleição
presidencial, contrariando a vontade de Lula, responsável por sua eleição em
2010, Dilma acendeu o estopim de uma bomba que viria a explodir no colo de
ambos, ao delatar e encalacrar o ex-diretor internacional da petroleira, Nestor
Cerveró. Aí, este, como delator premiado na Operação Lava Jato, virou um algoz
de que Lula e ela não se livraram e, ao que tudo indica, nunca se livrarão.
A expulsão de Lula do páreo provocou ressentimento nesse
patrono de seus triunfos. Apesar de tudo, Dilma reelegeu-se. Mas isso complicou
seu desempenho no cargo em quase todas as decisões importantes que tomou, ou
deixou de tomar. Ela obteve 51,64% dos votos e Aécio Neves, do PSDB, 48,36%. A
diferença foi de 3,4 milhões. Essa foi a menor margem de sufrágios em segundo
turno desde a redemocratização. No entanto, ela reagiu como se tivesse obtido a
votação total. Em contraste com a atitude educada do opositor, que a saudou
pela vitória, afirmou: “Não acredito que essas eleições tenham dividido o País
ao meio.” Assim, inaugurou uma falsa aritmética, na qual o mais sempre vale
tudo.
Seu primeiro erro fatal, após empossada pela segunda vez,
foi atender a seus espíritos santos de orelha Cid Gomes e Aloizio Mercadante
Oliva, entrar na fria de enfrentar Eduardo Cunha e o PMDB do vice eleito com
ela, Michel Temer, e apoiar Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela
presidência da Câmara. Perdeu no primeiro turno por larga maioria, na primeira
de uma série de derrotas que, mesmo nas vezes em que teve apoio de menos de um
terço, ela nunca aceitou.
Tentando corrigir esse erro, ela prometeu os votos do PT
no Conselho de Ética da Casa para evitar a punição de Cunha, que, acusado de
corrupção ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, mostrara força reduzindo a pó projetos do governo com
“pautas-bomba”. Só que o PT lhe puxou o tapete, negou apoio ao desafeto e
aprofundou o fosso que a separava do parceiro majoritário na base parlamentar.
Cunha virou algoz, aceitando o processo de impeachment contra ela da lavra de
um fundador do PT, Hélio Bicudo, do ex-ministro da Justiça do tucano Fernando
Henrique Miguel Reale Júnior e da professora de Direito da USP Janaína
Paschoal.
Nos 272 dias sob julgamento no Congresso – 160 no cargo e
112 dele afastada (se for mesmo impedida em 1.º de setembro) – ela atribuiu o
dissabor à “vingança” de Cunha. Este, de fato, o abriu, mas não foi decisivo na
maioria contra ela na comissão da Câmara (38 a 27), composta à feição dos
interesses de sua defesa por intervenção do STF. Nem em mais quatro sessões:
duas na comissão (15 a 5 e 14 a 5) e duas no plenário do Senado (55 a 22 e 59 a
21). E mais: mesmo tendo até agora logrado adiar sua cassação, o ex-presidente
da Câmara não provou ter os votos de que precisa para manter o mandato.
Outra conta de seu lorotário é a do presidente em
exercício, seu único sócio na chapa vencedora de 2014, com 54,5 milhões de
votos. Temer tem o dever funcional, exigido pela Constituição, de assumir seu
lugar, não merecendo, assim, as acusações que amiúde ela lhe faz de “traidor e
golpista”.
Na dita “mensagem ao Senado Federal e ao povo
brasileiro”, divulgada em palácio e na presença decorativa de repórteres, ela
repetiu as lorotas de hábito. Pela primeira vez reconheceu ter cometido um
“erro”. Este seria a escolha do vice e, em consequência, a aliança com o PMDB.
Esqueceu-se de que sem esses aliados não teria sequer disputado o segundo turno
em 2010 e 2014. Comprometeu-se ainda a adotar “as medidas necessárias à
superação do impasse político que tantos prejuízos já causou ao povo”. Sem
contar sequer com um terço do Senado e da Câmara, cujas decisões têm sido
referendadas pelo STF, contudo, a única medida que ela poderá tomar será imitar
Fernando Collor, atualmente seu prestativo serviçal, e renunciar. Para tanto,
contudo, a Nação não aceita pacto de nenhuma espécie, seja a imunidade penal
pessoal, seja outro privilégio. Não tem, muito menos, como convocar plebiscito
para eleger quem cumpriria o resto do mandato, se a ele renunciar.
Só lhe restará, então, voltar ao merecido ostracismo, do
qual não deveria ter sido retirada, e responder pelos vários crimes de que é
acusada – e nega.
*Jornalista, poeta e escritor
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