Presídio em Minas adota novo modelo e consegue recuperar 60% dos presos

O ex-recuperando Márcio Felipe, que cumpriu pena de cinco anos por assalto, hoje é um dos cinco ex-presos integrados ao quadro de funcionários, com carteira assinada, que trabalham como inspetores de segurança e supervisores de oficinas.

À noite, a segurança é feita por seu Divino, inspetor de segurança , um velhinho de 63 anos cuja obesidade o impediria de correr atrás de algum eventual fugitivo.

— Imagina eu, um velho de 63 anos, cuidando de 114 presos? Mas eu me sinto mais seguro aqui dentro do que lá fora — diz seu Divino.

Os corredores do prédio com fachada moderna — mais parece um hotel — são impecáveis e as paredes pintadas de azul e branco tem a tinta renovada pelos presos a cada ano. Em cada cela ou dormitório, que fica com os cadeados e grades sempre abertos, cabem nove detentos que cuidam da limpeza e organização. Camas bem arrumadas, tapetinho na entrada e debaixo da pia. Para estimular a organização, a cela mais organizada do mês ganha um troféu. E a mais bagunçada ganha um porquinho preto na entrada.

Um dos mestres do crochê da prisão, Talison Melo Monteiro organiza, com a irmã, a construção de um site para vender as peças de artesanato em linha e madeira que produzem. Vai se chamar “Artesãos da APAC Paracatu”. Apesar das brincadeiras de que é alvo, Talison não acredita que sua masculinidade vai ser afetada por fazer crochê , uma atividade considerada feminina.


Novo modelo tem conseguido cerca de 60% de recuperação dos presos - ANDRE COELHO / Agência O Globo
— O artesanato que você faz não é o que vai definir a pessoa. A crise está braba, temos que vender o que produzimos para ajudar a família — diz Talisson.

O terreno, doado pela Igreja Católica local, tem uma horta, centro de artesanato, oficina onde os presos constroem cadeiras escolares, umas biblioteca e escola para cursos profissionalizantes. Toda última sexta-feira do mês, os detentos organizam uma festa para comemorar os aniversariantes, com participação de familiares.

— Na construção do prédio só compramos as telhas, o resto tudo foi produzido aqui, das grades aos móveis. Os que cumpriram pena aqui, ajudaram a construir o prédio e trabalham nas nossas oficinas oferecendo serviços para a comunidade. Eles saíram como eletricistas, serralheiros, pintores ou encanadores. Não oferecem mais risco para a sociedade. Depois que foi criada a APAC, Paracatu nunca mais teve rebelião no presídio lá de cima, porque os presos tem expectativa de vir para cá e melhoram o comportamento lá também — diz Eurípedes Tobias.

Os presos contam com uma televisão no refeitório e na hora do almoço, assistem ao noticiário das rebeliões pelo país afora. As imagens de cabeças decapitadas e corpos amontoados no pátio são usadas na laboterapia, que o gerente administrativo Silas Porfírio e Vanesa Pinheiro chamam de “terapia de realidade”.

— Mostramos o horror nas prisões como o caminho que eles não devem trilhar. Eles chegam aqui achando normais os crimes que cometeram lá fora. Nosso papel é desconstruir essa concepção e mostrar que dependendo do caminho que escolherem eles podem ser vítimas das atrocidades e também morrer — diz Silas.

Na APAC, os recuperandos também contam os dias para concluir a pena, mas mesmo com a restrição de liberdade, concordam que voltar para o presídio seria sair do céu para ir ao inferno. Com 25 anos, Danilo Pereira foi condenado a 27 anos por assassinato e outros crimes. Já cumpriu cinco anos e, com a progressão, em nove anos sai do regime fechado e vai para o semiaberto. Ele conta que desde os 16 anos vive o inferno do mundo do crime. Ele passou dois anos na Febem. Saiu aos 18 e aos 19 voltou para a cadeia. Hoje é professor em um curso que se chama “viagem do presidiário”.


Em 10 anos de funcionamento, a prisão que abriga 114 presos não tem registro de rebelião ou motim - Michel Filho / Agência O Globo
— Lá no presídio, eu era humilhado, e aqui sou respeitado e estou me recuperando. Estou nessa vida desde os 16. Entrei ladrão e saí bandido na Febem, que é uma faculdade do crime — diz Danilo.

O brasiliense Wesley Pereira matou três pessoas e tem a maior pena entre os recuperandos: 38 anos. Já cumpriu pena em presídios convencionais de Goiânia, Unaí e Paracatu. Chegou há dois meses na APAC e ainda está se adaptando as duras regras de disciplina.

— O que me tirava fora de mim era a droga. Aqui trabalho e estudo. Sou quase um analfabeto, mas já estou na terceira série e quero terminar aqui os estudos. Se der tudo certo, em 2024 eu passo para o semiaberto — diz Wesley Pereira.


Dono de uma das celas mais organizadas — se você tropeça no tapete ele vai atrás e arruma — Murilo Neiva é o melhor exemplo da recuperação na APAC. Condenado a 21 anos por latrocínio, ele cursa o terceiro período de Direito na Faculdade Atenas. A faculdade é particular, e ele chegou a ser selecionado pelo FIES. Mas sua família preferiu pagar as mensalidades para ele “sair sem dever nada”.

— Na faculdade, eu apresentei um trabalho sobre o índice de reincidência e recuperação na APAC e no sistema prisional comum. O que a APAC recupera, o comum reincide. No final, eu me expus para a turma e disse que era recluso. Não senti preconceito e fui muito bem aceito — conta Murilo Neiva.

Outra estória bem sucedida é a do ex-recuperando Daniel Luiz da Silva. Condenado a 37 anos em 27 processos, ele hoje é coordenador da Fraternidade Brasileira de Assistência a Condenados, um órgão que dá consultoria as 50 APACs existentes no país e participou de um encontro em Rimini, na Ítalia, onde levou a experiência brasileira, depois copiada com a construção de duas unidades APACs na cidade italiana.


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