Artigo, Fábio Giambiagi, Estadão - Capitalização – uma contribuição


No mundo dos juros baixos, quem quiser ter aposentadoria elevada terá de poupar mais

Inicio com este artigo uma relação que torço para que seja longa e profícua com os leitores do jornal O Estado de S. Paulo, após quase 20 anos escrevendo em outro veículo. Embora eu tenha sido um colaborador bissexto do Estadão, com publicações avulsas, o contato agora será mais regular e frequente, com encontros neste espaço uma vez por mês. Para mim é uma satisfação, pela identidade de posições com a linha editorial do jornal e pela história que este carrega. Procurarei, nos meus artigos, expor questões econômicas de interesse do País, mas sempre com a preocupação de fazê-lo para um público mais amplo que o que lê as páginas de economia do jornal. Espero ser aprovado pelo julgamento dos leitores. Inicio esta etapa tratando de algo que está há meses na mídia: a capitalização previdenciária.
O assunto entrou no debate do País ano passado e provavelmente ficará entre nós por muito tempo. Penso que o tema pouco tem que ver com a solução da crise fiscal, mas é fundamental como tema da educação financeira do País. Com o intuito de colaborar para o melhor entendimento da questão, em coautoria com Luis E. Afonso, desenvolvemos uma série de cálculos, que foram apresentados no texto Alíquota previdenciária em um regime de capitalização: uma contribuição ao debate. Ele foi publicado recentemente como Texto para Discussão do BNDES, número 134, e está disponível para os interessados no site www.bndes.gov.br.
O procedimento utilizado é simples: mostra-se a fórmula que calcula o valor presente das contribuições, faz-se o mesmo com o valor presente do que é recebido pela pessoa como aposentadoria complementar e igualam-se as fórmulas. Assim, para cada combinação de valores de taxa de reposição (porcentual da aposentadoria em relação ao último salário), número de anos de contribuição, duração da fase de recebimento e taxa de juros, há uma única alíquota de contribuição (porcentual da contribuição em relação ao salário) que iguala o valor presente das duas equações. “Valor presente”, em economia, é a expressão, a preços de um determinado momento, de fluxos distribuídos ao longo do tempo (meses ou, no caso em questão, anos).
Um exemplo ajuda a entender a lógica. Imaginemos um homem que começa a trabalhar e contribuir com 20 anos de idade, planejando se aposentar e passar a ter uma renda complementar a partir dos 60 anos, pretendendo receber essa aposentadoria complementar por mais 20. Se a sua renda for estável na sua vida ativa e se o rendimento real da sua aplicação for nulo, para ter uma aposentadoria igual ao salário ele precisaria contribuir com 50% dele. Isso porque esse valor, acumulado por 40 anos, permitiria arcar com uma renda igual ao salário durante 20 anos.
O mundo, porém, é mais complicado. Há dois parâmetros-chave, na forma de taxas, que afetam esse cálculo. O primeiro é o crescimento salarial: é pouco realista assumir que o indivíduo que começa ganhando xis vai conservar sua renda estável durante 35 ou 40 anos. Em geral, as pessoas fazem progressos na carreira e isso redunda em maiores remunerações. E nesse caso pequenas variações fazem uma grande diferença. Se uma pessoa que começa ganhando R$ 5 mil tiver um incremento real de 1% ao ano, em 35 anos estará ganhando R$ 7.083. É evidente que, se ela pretende se aposentar com o último salário, terá de contribuir muito mais para receber R$ 7.083 do que para receber R$ 5 mil. Maiores taxas de crescimento salarial, neste caso, implicam maiores contribuições.
O segundo parâmetro crítico que afeta essas contas é a taxa de juros. Na prática, no Brasil dos últimos 30 anos elas foram responsáveis por parte importante da poupança acumulada pelas pessoas na ativa. Um suíço, acostumado à estabilidade do seu país, com juros secularmente baixos, precisa poupar muito para acumular certo valor aos 60 anos. Já um brasileiro – noves fora um ou outro “calote” que possa ter sofrido no meio do caminho – não precisou abrir mão do consumo da mesma forma, pois uma contribuição menor gerava valores que iam se acumulando rapidamente, com as taxas de juros reais enormes que tivemos. R$ 1 mil, 35 anos, depois, continuam sendo R$ 1 mil com juros nulos, mas atingem espantosos R$ 7.686 depois de 35 anos, com juros reais de 6 % ao ano. Neste caso, então, taxas maiores implicam uma menor necessidade de contribuição.
Ao mesmo tempo, é claro que o cálculo do que poderíamos denominar “alíquota de equilíbrio” é afetado por outros dois parâmetros fundamentais, que são 1) o número de anos de contribuição, na fase de acumulação; e 2) o número de anos de realização de saques, na etapa de retiradas.
Matemática financeira é algo que deveria ser matéria obrigatória no ensino médio. Ela tem a vantagem de introduzir no indivíduo a noção de que não existe mágica. A pessoa gostaria de ganhar mais ao se aposentar? Perfeito, vai ter de contribuir mais ou por mais tempo, ou distribuir os saques num número menor de anos – não ser que dê sorte e os juros sejam muito elevados, e nesse caso não precisará poupar tanto.
Os números das alíquotas de equilíbrio atuarial a que chegamos no trabalho fornecem algumas pistas, por exemplo, no caso em que a pessoa contribua por 35 anos – digamos, desde os 20 – para fazer saques durante 30. Imaginemos que a variação salarial na vida ativa da pessoa seja nula e os juros sejam de 6%. Nesse caso, com perto de 12% de contribuição sobre o salário, a pessoa consegue se aposentar com o último salário. Sejamos mais realistas, porém, supondo 1% de incremento salarial anual na carreira e um juro real de 4%. Nesse caso, a contribuição de equilíbrio requerida passa a ser de quase 29% do salário. Durante 35 anos! No mundo dos juros baixos, quem quiser ter uma aposentadoria elevada terá que poupar mais.

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