Não se sabe cura do vírus que acomete a política, diz Xico Graziano

Agricultores seguem trabalhando; Não se para de comer na crise

Estou na fazenda, longe desse vírus maldito. Já que era para ficar isolado do mundo, resolvi vir trabalhar na roça. Tem um problema: aqui a internet pega mal. Chega a dar angústia ficar desconectado a maior parte do dia, ainda mais em dias agitados como esses. Por outro lado, desligar-se da internet parece um calmante. Uma benção.

Faz falta, porém, como instrumento de trabalho. Isso é horrível. Existe uma sútil discriminação entre o campo e a cidade nessa matéria: a conexão desaparece quando se ruma para o interior agrário do país. Uma sacanagem do século 21 contra o agricultor.

Todos meus colegas, engenheiros agrônomos, foram se esconder na fazenda, sua ou de alguém, nesses dias tormentosos do coronavírus. Chega a ser um privilégio, curtir o isolamento social perto da um produção rural. Foi isso que, entre nós, combinamos: vamos superar essa crise trabalhando.

Colhendo soja ou cana-de-açúcar, plantando milho, vacinando bezerro, apartando gado, combatendo pragas, cortando erosão, cada um de nós na sua labuta.

A virtude do agricultor é a sorte do citadino: ninguém para de comer, seja a crise que for. Você corta a diversão, deixa de comprar roupa nova, diminui o consumo de muitas coisas. Mas da comida, não. E ela não vai faltar por conta dessa desgraça, que será momentânea.

Seria uma ilusão total achar que o agro não será prejudicado nessa crise global. Reflexos serão sentidos, variando em função do setor de produção. A floricultura, por exemplo, está arrasada. A olericultura está capenga devido à fraqueza de seus canais de comercialização, como os Ceasas.

Haverá sofrimento no agro. Empresas e pessoas passarão apertado. Muita cautela se exige. Mas vamos sair logo dessa enrascada. Prevejo que em 60 dias o acelerador do agro estará ligado novamente.

Nós, agricultores, sofremos com doenças repentinas nas lavouras e nas criações há séculos. Tristeza da laranja, ferrugem do café, aftosa no gado, bicudo no algodoeiro, vassoura-de-bruxa no cacau, sigatoka na bananeira: a cada vírus, ou inseto, ou fungo, ou bactéria que surge, nós nos acostumamos a acreditar na força do conhecimento científico. Sempre que disseram que iríamos soçobrar, vencemos a desgraça da doença agrícola porque contamos com a ajuda da tecnologia. E seguimos em frente, com produtividade crescente.

Tiramos da nossa história do agro a lição: os pesquisadores científicos, médicos extraordinários, descobrirão um remédio, uma vacina, um jeito de escapar dessa covid-19.

O que mais dói nessa crise é ver os governantes disputando quem é mais bacana. Uns bancam os inventores mágicos, outros se parecem abutres. Aqui distante, no suor da roça e no sossego do campo, eu diria: o pior vírus acomete a política.

Desse nós não sabemos a cura.

Um comentário:

  1. Chico Graziano, na juventude tambem passei por agruras em Pirassununga e superadas as dificuldades aprendi que quando achamos as respostas, "eles" mudam as perguntas....

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