Na cobertura das eleições americanas, os jornais
franceses, como todo mundo, se enganaram completamente. E foram todos, porque
desde os mais sérios, como o Le Monde, ou publicações mais fúteis, como Paris
Match, entoaram a mesma música: Trump é um bufão. Um amador. Um personagem
grotesco. Não conhece nada de política. Hillary Clinton, que tem o dinheiro, o
saber e as redes, irá esmigalhá-lo.
É bom dizer que a cegueira dos jornais se apoiou na
cegueira de um outro meio de comunicação: os institutos de pesquisa de opinião.
Essas duas instituições caminham de mãos dadas, puxam a mesma carroça, avançam
no mesmo passo. Uma esclarece a outra, trocam informações. Estranho espetáculo:
um cego guiando outro cego. Não espanta assim que ambos tenham se perdido na
floresta da informação e que tenham se equivocado tanto.
Claro, sabemos que este não foi o primeiro erro dos dois
cúmplices, jornais e institutos de pesquisas. Ambos já se confundiram também
nos referendos sobre a Europa em 2005 e 2008 e mais recentemente no caso do
Brexit. Mas, com relação a Trump, o erro foi ainda mais espetacular. Os
próprios jornais franceses começaram a refletir e, corajosamente, a se
questionar.
E reconhecem que cometeram erros, mas sabem muito bem a
razão desses erros: foi culpa dos institutos de pesquisa que não compreenderam
o fenômeno Trump. Nada mais exato. Mas então por que jornais e redes de TV
insistem em escutar religiosamente as profecias desses institutos, já que
regularmente elas ficam longe da verdade?
Outras hipóteses foram levantadas, mais sólidas ao que
parece. Do mesmo modo que nos Estados Unidos, não é verdade que Nova York
(cidade cosmopolita, muito europeia, de alto luxo, intelectual) seja pouco
representativa do país, na França também toda a opinião pública se forma às
margens do Sena entre a Torre Eiffel e a Câmara dos Deputados, ou seja, é
decidida por 100 ou 200 parisienses (diretores de jornais, políticos,
institutos de opinião e alguns editorialistas) que a comunicam ao povo
extasiado. Uma opinião se forma e se impõe ao país inteiro num abrir e fechar
de olhos. Não é uma opinião, mas uma “vulgata” à qual todos aderem. Um grande
rebanho de carneiros, eis o que é a opinião pública.
Mas, entre os formadores dessa opinião pública, é preciso
citar um outro grupo, que surgiu mais recentemente e vem se propagando muito
rápido: o dos “consultores”, também chamados especialistas, figuras convocadas
pelos jornais por ocasião de grandes acontecimentos. A cada evento maior, esses
consultores saem do seu retiro como escargots após a chuva. E rapidamente
chegam às telas das TVs.
E há consultores para todos os gostos. No futebol, por
exemplo (com frequência são velhos torcedores). Ou quando o Exército francês
lança um tiro de canhão no Saara ou no Mali, imediatamente temos direito a
algum sargento aposentado que desembarcou na Normandia em 1944, ou participou
da batalha de Verdun em 1916, ou mesmo da Guerra dos Cem Anos na Idade Média,
que nos explica porque o Estado Islâmico vai ganhar ou perder a guerra.
Ocorre que esses “consultores” não sabem o que responder,
mas não é grave porque os jornalistas que os interrogam sugerem a resposta
adequada, o que dá uma ideia muito precisa do jornalismo e o percurso através
do qual se fabrica a opinião dominante. É a figura da “serpente que morde o
rabo”: o consultor consulta o consultado que consulta o consultor que consulta
o consultor e assim por diante. E qual o resultado final? Uma opinião pública.
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