O limite há de ser a lei, a Constituição, o sistema
normativo. Ainda na lógica liberal, a interdição à arbitrariedade será sempre
possível a partir da jurisprudência
Jean-Jacques Rousseau foi quem concebeu a expressão
“opinião pública”. Em sua teoria sobre o Contrato Social, sustenta que não há
nada mais perigoso do que a influência dos interesses privados nos assuntos
públicos, destacando que a opinião pública é uma instância legitimadora do
poder e constitui um freio ao seu exercício.
Na Era Medieval, não havia imprensa, e a opinião das
massas não ocupava posição institucional alguma. E foi Rousseau, um dos grandes
expoentes do Iluminismo, que deu base ao ideário da Revolução Francesa.
A opinião pública nasce como uma instituição moderna, que
funciona dando legitimação e impondo limites ao poder político. Seus elementos
e sua composição não deixam de ostentar, no entanto, elevada complexidade.
O pensador francês Benjamin Constant, no século XIX,
concebeu a “opinião pública” a partir de outros elementos, especialmente
ligados a conteúdos mais específicos, como a interdição à arbitrariedade e a
presunção de inocência.
Para o liberalismo político, os pilares da segurança,
liberdade e propriedade deveriam ser garantidos pelo Estado. Constant dizia
que, se houvesse arbitrariedade dos poderes ou da opinião pública, golpeando
sem escrúpulos as pessoas, mesmo os suspeitos, não se atingiria apenas o
indivíduo em si, mas sim a nação inteira, corrompendo-se a moral social e o
sistema político.
No mundo de hoje, a liberdade dos meios de comunicação
configura um dos alicerces imprescindíveis à livre opinião pública. Todavia,
quando surgem novas distorções, através da proliferação das fake news ou das
guerras virtuais, seja no campo político ou no econômico, põe-se em
questionamento o modelo liberal e democrático.
Emerge, assim, uma “crise de legitimidade” da opinião
pública, ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais dinâmico e veloz o
balizamento crítico das decisões de múltiplas instâncias de poder.
Ainda no século XIX, a propósito de distorções da opinião
pública, Alexis de Tocqueville preocupava-se com a ditadura da maioria, que
representaria a falência do reino da crítica. Nas democracias, o princípio
majoritário é um pilar estruturante, mas tem de encontrar barreira nos direitos
fundamentais e na própria Constituição, que se funda num pacto democrático.
A democracia dá base à “opinião pública” como fator de
legitimação do poder político, porém, dentro dos marcos normativos fixados pelo
sistema. Aliás, o próprio Tocqueville, ao estudar a democracia nos EUA,
constatou que o juiz era uma das principais forças políticas.
Atualmente, ampliou-se o espaço de ativismo também dos
advogados e membros do Ministério Público, até mesmo de outras instituições fiscalizadoras.
Em tal contexto, imagina-se que o espectro amplo da categoria “opinião pública”
se infiltre em numerosos espaços normativos abertos e influencie esses atores
designados pela Constituição como “agentes políticos”.
Mas qual é o limite para a atuação de magistrados,
policiais, advogados ou membros do Ministério Público, entre outros, à luz do
que possa vir a ser considerado “opinião pública”? O limite há de ser a lei, a
Constituição, o sistema normativo. Ainda na lógica liberal, a interdição à arbitrariedade
será sempre possível a partir da jurisprudência ou de parâmetros utilizados,
inclusive a partir dos precedentes.
E quanto aos veículos de comunicação? Há que se
aprimorar, cada vez mais, o devido processo de produção das notícias, com qualidade,
liberdade e contraditório. Também aqui, recordando o clássico Benjamin
Constant, deve-se coibir a arbitrariedade.
Uma sociedade plural, liberal e democrática deve cultivar
instituições fortes e expostas ao princípio da responsabilidade social. Mas isso
não pode justificar, de forma alguma, qualquer tipo de cerceamento ao
jornalismo investigativo e ao direito à informação.
Fábio Medina Osório é jurista e foi ministro da
Advocacia-Geral da União
Nenhum comentário:
Postar um comentário