Artigo, Tito Guarniere - País diferente


No Brasil tudo teima em acontecer, contrariando a lógica e a disposição dos astros. Como entender este lugar aprazível, tantas vezes bizarro, e mais ainda entender o nosso povo cordial e confuso? Como podemos demorar tanto para aprender lições rudimentares? Por que fazemos sempre a mesma coisa e esperamos resultados diferentes? Por que perseguimos ideias e soluções que deram invariavelmente errado onde foram tentadas?

Vejam vocês agora. O governo, diante do movimento dos caminhoneiros, baixou a guarda (quase disse que baixou as calças) e fez o simples e errado: vai subsidiar o óleo diesel e tabelar os fretes. Além de todos os transtornos daquela semanada inglória, portanto, ainda teremos de pagar a conta. Agora é a vez do agronegócio se amotinar, porque não aceita pagar a parte que lhe cabe no frete tabelado. E para completar, se o governo voltar atrás, os caminhoneiros ameaçam parar de novo o país.

Para o lado que se olhe, são fatos e eventos que desafiam o senso comum. O Brasil é um dos países de mais alto índice de mortes violentas, maior do que países que estão em guerra civil. Em 2016 foram assassinados no Brasil mais de 62 mil pessoas. Um dos nossos mais flamantes vexames, uma das nossas incontáveis vergonhas nacionais. E que candidato lidera as pesquisas, se Lula não concorrer, como é provável? Jair Bolsonaro, cuja proposta mais vistosa é armar a população. Só pode ser porque está querendo melhorar os números dessa estatística infame.

Bolsonaro é o candidato da direita. Mas na Câmara vota quase sempre com o PT: contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio da Petrobras (extração de óleo), contras as privatizações, contra a reforma trabalhista, contra o teto de gastos.

No simpático estado de Santa Catarina, uma juíza concedeu a um pai amoroso o direito de 180 dias de licença-paternidade, para cuidar de suas filhas gêmeas recém-nascidas. Que bom, dirão as pessoas de bom coração. Quando li a manchete pensei: é funcionário público. Bingo! Trabalha no Tribunal Regional Eleitoral. Bom para ele. Tem eleição este ano, e na hora em que esse tribunal (que já é um descabimento, só o Brasil tem uma Justiça eleitoral autônoma) mais precisa, o zeloso barnabé estará em casa cuidando dos seus bebês. Não seria razoável dar um ano de licença, uma vez que o paizão tem duas meninas para cuidar?

Na mesma ordem de assunto, li a manchete: “Câmara aprova licença-paternidade para avós”.
Li duas vezes, três. Era isso mesmo. Os deputados, na falta do que fazer, aprovaram uma lei que permite ao avô ou à avó uma licença remunerada de cinco dias para cuidar do neto(a) recém-nascido(a). Não é assim de caso largado: há regras restritivas. Mas sabem como é. Essas coisas vão se introduzindo devegarinho, depois libera geral.

Aqui no Rio Grande, deputados da bancada progressista e de esquerda votaram contra o plebiscito para privatizar estatais. Não há quem faça discursos mais vibrantes em defesa da soberania popular. Mas neste caso eles abrem uma exceção. Soberania popular, plebiscito, referendo, essas mumunhas, sim, mas sem exagero. Nada de radicalizações.


titoguarniere@terra.com.br

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