Dica literária, A História da Sexta, Vitor Bertini - Cumplicidade

– Tens certeza, minha filha?

– Tenho sim.

– Você não acha…

– Pai! Tenho certeza; é hoje, e é o Ignácio!

A mudança no tom da voz, no olhar e no fato da segunda resposta vir acompanhada de três movimentos de um dedo indicador estendido, calou João carlos.

João Carlos é engenheiro, cartesiano, bem sucedido, homem de decisões e pai de duas filhas.

Clarice é a primogênita, tinha 17 anos, estava no segundo ano de psicologia, tocava violão para o pai nos fins de tarde dominicais, e namorava o Ignácio - havia sessenta dias.

Ainda administrando a descarga de adrenalina que a informação causara, João Carlos, o pai, buscou uma solução para o inusitado diálogo:

– Minha filha, me entenda. Estava… estou… Você repartir comigo esta novidade… tão pessoal… – Catava as palavras em voz baixa, tentando normalizar a respiração.

Dez segundos de silêncio, e o engenheiro encontrou seu discurso:

– Esta é a nossa cumplicidade! Foi o que construimos, não foi? O que eu posso dizer que não seja em louvor de nossa relação? Muito obrigado, minha filha. Estou até emocionado. – Concluiu, dando dois passos em direção à filha para receber, sem um olhar, dois tapinhas no ombro direito.

Homem determinado e, afinal, pai da menina Clarice, João Carlos não se deu por satisfeito. Baixou a cabeça, alinhou os braços ao lado do corpo, suspirou profundamente, colocou o peito à frente, olhou por baixo das sobrancelhas agora caídas e, com voz rouca, fez seu melhor movimento:

– Minha filha, que bom que você dividiu comigo. Eu te amo.

Clarice repetiu os dois passos, ficou na ponta dos pés e encheu o rosto do pai de beijos.

Naquela noite, João Carlos não dormiu. 

Até hoje, são muitas as noites em que João Carlos não dorme: Clarice ficou convencida que é importante dividir a informação com o pai, sempre que troca de parceiro ou namorado.

2 comentários:

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  2. Muita festa pra pouca colida. Dramatizou demais evento tão comum.Se essa troca de namorado tivesse acontecido na década de 20 ou 30, eu não diria nada; mas as moças de hoje trocam de namorado como quem troca de calcinha

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