Artigo, Renato Sant'Ana - Marielle: a construção de um mito

Toma-se um fato real e se elabora uma "narrativa" cheia de subtextos, com forte apelo à emotividade, tudo para capturar a adesão de inocentes úteis e granjear o máximo de apoio a um projeto de poder que, se fosse desnudado, teria o mais amplo repúdio.

O fato é por demais conhecido. E, por motivos pouco nobres, voltou a ser explorado neste março de 2021 (três anos após a ocorrência).

Em 14/03/2018, bandidos assassinaram a socialista Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, um crime repulsivo, saliente-se.

Poucos instantes após a morte, já era intensa a mobilização nas redes sociais, com o auxílio engajado da extrema-imprensa, no intuito de provocar comoção, construir um mito e canonizar a desconhecida vítima.

O crime, que atingiu também seu motorista, Anderson Gomes, ocorreu às 21h10min aproximadamente (notícia, G1, 24/07/2018).

Pois bem, segundo Rute de Aquino (O Globo, 17/03/18), duas horas após o fato "eram registrados 594 tuítes por minuto".

Para a "mídia amestrada", isso foi uma reação espontânea. Só que...

Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP), apurou que, das 21h daquele dia (praticamente a hora do crime) às 10h30min de 16/03/18, para efeito de impulsionamento de conteúdo nas redes sociais (um truque desonesto), foram usados 1833 robôs nos tuítes publicados sobre a morte da vereadora.

E o resultado foi imediato. Embora ninguém conhecesse motivação nem autoria do crime, em menos de 12 horas, já havia pessoas por todo o país que, jamais tendo ouvido falar nela, se sentiam de luto e até apontavam culpados. E, claro, como esponjas, absorviam o conteúdo subliminar das "narrativas" de redes sociais.

Nos dias que se seguiram, a imprensa fez o seu papel: jornais, rádios e TVs martelavam sem parar o assunto conforme as crenças e a mediocridade dos seus redatores, reforçando a "narrativa" de autor incógnito.

Embora não se soubesse quem praticara o crime nem por que, não faltavam formadores de opinião a dizer, às claras ou nas entrelinhas, que ela tinha sido morta por ser negra, homossexual e oriunda da favela.

Mas Demétrio Magnoli (O Globo, 26/03/2018), dos poucos a tocar o assunto com honestidade, clareza e coragem, mostrou como PSOL e PT, as duas vozes mais estridentes do impudente populismo de esquerda, usaram a imagem da vereadora vitimada para propaganda ideológica.

Para o PSOL, ela foi morta numa guerra entre o Estado e o "povo da favela": guerra que vai cessar só quando o PSOL tomar o poder.

Para o PT, o crime fez parte do "golpe", que, diziam, é "um processo continuado" (mitologia para explicar o impeachment de Dilma Rousseff).

Havia então uma insistência em apresentá-la como referência na defesa dos direitos humanos. Porém, a realidade era (e é) mais eloquente.

Só em 2017, houve 134 policiais militares assassinados no Rio de Janeiro: quase um a cada três dias. Aliás, em 21/03/2018 (num só dia), foram mortos três PMs no Rio, chegando a 30 em menos de 90 dias do ano.

Contudo, o morticínio de PMs nunca constituiu pauta para os pretensos defensores dos direitos humanos, inclusive Marielle. Ao contrário, todos (autodeclarados "de esquerda") fazem coro com o movimento internacional antipolícia (o que é, sim, uma bandeira esquerdista).

Ora, quem defende regimes totalitários (nazismo, fascismo ou comunismo) falta à verdade se diz que defende os direitos humanos.

É um exagero, portanto, que a sua ex-assessora, Fernanda Chaves, em artigo na Folha de S. Paulo (14/03/21), venha propor que o mês de março "por inteiro" seja a ela dedicado - mantendo o culto à personalidade da vereadora e instilando sua ideologia (de caráter totalitário).

Mas há um ponto de equilíbrio necessário. Não cabe, por pura reação, desrespeitar a memória de quem seguiu o que acreditava. Tampouco cabe assimilar, sem crítica, as "narrativas" apologéticas sobre ela.

Muito judicioso foi o que escreveu Cláudio Humberto no Diário do Poder (16/03/2018): "Independentemente do que dizia e de como o fazia, a vereadora Marielle Franco, executada no Rio, tinha a coragem de assinar embaixo, dar a cara, bem diferente dos seus assassinos covardes."

Repudiemos, pois, a ideologia totalitária por ela defendida, mas tenhamos sabedoria para respeitar o ser humano Marielle Franco.

 

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo. 

E-mail sentinela.rs@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário