A segunda tragédia em apenas cinco dias – desta vez em
Boa Vista, Roraima – coloca o País, de novo chocado com a barbárie, diante da
dura realidade do descontrole do sistema penitenciário e da repetição, sabe lá
até quando, de episódios como esses. E também da inescapável conclusão de que
se chegou a essa situação calamitosa por culpa do Estado – em todos os seus
níveis –, que nas últimas décadas simplesmente abandonou esse setor da maior
importância da segurança pública. É a hora de acertar a conta desse erro
colossal e ela, já se viu, será pesada.
Durante rebelião que começou na madrugada de sexta-feira,
na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), 33 presos foram barbaramente
assassinados – a maioria decapitada, esquartejada ou teve o coração arrancado –
ao que tudo indica num ato de vingança do Primeiro Comando da Capital (PCC)
contra a Família do Norte (FDN) por tratamento idêntico contra ele dado por
essa organização criminosa dias atrás no Complexo Penitenciário Anísio Jobim
(Compaj), em Manaus.
Tal como já fizera no caso do Compaj, o ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, insiste em minimizar, não se sabe por que motivo,
a importância da disputa entre essas facções criminosas nesses episódios. E na
mesma direção foi o secretário de Justiça de Roraima, Uziel Castro, para quem
os mortos não tinham relação com o crime organizado. “Todos (os que estavam
naquela prisão) eram da mesma facção, todos eram do PCC”, disse o ministro,
como se o PCC agora estivesse matando, e com tais requintes macabros, seus
próprios membros. Acredite quem quiser.
A essa altura, as opiniões do ministro a respeito desse
aspecto da questão parecem já não contar muito. O importante é entender as
causas do que se passa. Entre as causas imediatas, merece destaque a pouca ou
nenhuma atenção dada pelas autoridades locais a um relatório do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em 2014, alertando para o perigo
representado pelo que classificou de “péssimas” condições da Pamc, que tem
capacidade para 750 detentos, mas abrigava 1.308.
Mas a raiz do problema – em Manaus, em Boa Vista e nos
presídios de todo o País –, do qual decorre todo o resto, é o descaso com que o
poder público há muito vem tratando as prisões. Superlotadas, porque não se
investe – ou se investe muito pouco – na construção de novas unidades, a
situação nas prisões se deteriora a cada dia. Na base do surgimento do PCC, em
São Paulo, do Comando Vermelho (CV), no Rio, que se espalharam pelo País, e de
grupos locais como a FDN – que hoje dominam a maioria dos presídios e controlam
boa parte do tráfico de droga – estão as condições degradantes em que vivem os
presos.
O poder público abandonou o sistema penitenciário, porque
os governantes acham que nele investir não dá votos. Foi o que fizeram tanto os
Estados, aos quais cabe cuidar das prisões, como a União, à qual cabe um papel
complementar. E os prefeitos também deram sua contribuição, porque sempre
reagiram com hostilidade às poucas e tímidas tentativas feitas para a
construção de penitenciárias em seus municípios. Ao mesmo tempo – porque isso
dá votos – todos eles buscaram aumentar o número de detenções, para dar
satisfação à opinião pública, alarmada com o crescimento da criminalidade. O
que seria positivo, se ao mesmo tempo construíssem novas prisões. Como não o
fizeram, agravou-se tanto o problema das prisões como o da criminalidade.
Reparar esse erro acumulado em décadas não será fácil.
Mas, como não se pode aceitar a continuação da barbárie e a explosão do sistema
penitenciário – com os riscos previsíveis –, não há mais como fugir à
necessidade de restabelecer imediatamente a ordem nas prisões, com a
intervenção da polícia, e começar a investir pesadamente nelas.
O Judiciário tem também sua contribuição a dar, pois é
sabido que boa parte da população carcerária é formada por presos há muito
tempo sem julgamento ou com penas já cumpridas, em ambos os casos de forma
irregular. A solução desse problema representaria um alívio imediato da maior
importância.
MAIS CONTEÚDO SOBRE:
Nenhum comentário:
Postar um comentário