Reportagem de Carlos Rollsing, Zero Hora - "Não me faz essa pergunta", diz Simon sobre voto em Bolsonaro

A entrevista vai na íntegra, para que o leitor não tenha dúvida alguma sobre as palavras do ex-senador.


Depois de o MDB gaúcho e o governador e candidato à reeleição José Ivo Sartori terem anunciado apoio ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno das eleições presidenciais, emedebistas históricos, forjados nos tempos em que o partido era resistência ao autoritarismo, passaram a ser procurados e pressionados para aderir ao mesmo caminho.

A aproximação com Bolsonaro, que teve 52,63% dos votos no Rio Grande do Sul, é vista como um trunfo para Sartori na disputa com Eduardo Leite (PSDB). Nesta entrevista, o ex-senador e ex-governador Pedro Simon, liderança maior do MDB gaúcho, diz que vai acatar a decisão do partido, mas assegura que não irá participar da campanha.

E mais: pede, com certo constrangimento, que não seja questionado sobre a confirmação do seu voto no candidato do PSL. Ex- companheiro de Ulysses Guimarães, Simon reconhece que a adesão ao capitão da reserva não é coerente com a sua história e com a da legenda.   

O senhor definiu uma posição, depois das reuniões com partidários, sobre o segundo turno da eleição presidencial?

Simon — Estamos em momento muito importante e muito difícil. Na verdade, não é nem o problema de escolher o melhor, mas o menos ruim. Eu reconheci valores na luta do PT ao longo da história, mas hoje a situação é muito complicada. No momento em que eles não fizeram autocrítica, não aceitam o resultado da Justiça, não nos dão a garantia de que vão cumprir as decisões da Lava-Jato. O próprio presidente do PT a ser eleito (Fernando Haddad) daria o perdão ao presidente Lula, o tiraria da prisão. Fica uma situação muito difícil. Do outro lado também, eu tinha grande desconfiança com a vida pregressa do outro candidato (Jair Bolsonaro). Interrogações com relação a identificação dele com a democracia, com as liberdades, mas ultimamente ele vem fazendo afirmativas que detonam o seu respeito pela liberdade.

Quando o candidato a vice-presidente, o general (Hamilton Mourão), diz que tem que terminar com 13º salário e com as férias, que seriam más ao país, ele (Bolsonaro) desautoriza e rejeita. Diz que são direitos sagrados do trabalhador. Ele fala que seu governo não aceitará troca-troca de cargos em troca de vantagens. Reconheço que a situação é muito difícil e complexa. O apoio será crítico (a Bolsonaro), com grandes divergências. Estaremos em alerta permanente em defesa da democracia e da liberdade. O Brasil vive, hoje, na operação Lava-Jato, com a decisão de que o condenado em segunda instância vai para a cadeia, um momento definitivo. Se extinguirá o país da impunidade, indo para um caminho em que o lugar de corrupto é na cadeia. Isso está acontecendo.

Pelo o que entendi da sua manifestação, o senhor vai acatar a decisão do MDB gaúcho de apoiar Bolsonaro, mas fico em dúvida se o senhor vai apoiar ele pessoalmente e se vai votar nele. Como será?

Eu vou ficar fora da campanha. Não participo.

O que o senhor vai fazer então? O que significa apoiar criticamente?

Eu não sei, respeito a decisão do partido, está feito, mas eu fico fora da campanha.

Não é um apoio explícito então?

É um apoio crítico.

E o que significa um apoio crítico?

Não vou participar da campanha. Vou fazer essas análises de um e de outro lado, que eu acho que devem ser feitas.

Mas o senhor vai votar no candidato Bolsonaro?

Não me faz essa pergunta (risos). Eu peço, por favor, que não me faça essa pergunta.

O senhor citou positivamente momentos em que Bolsonaro desautorizou pessoas da campanha dele diante de polêmicas como o fim do 13º salário. Como avalia outras passagens da campanha como a declaração do general Mourão sobre autogolpe e a proposta de Bolsonaro de dobrar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal?

O negócio do Mourão ele desautorizou. Desautorizou o autogolpe, a convocação de Constituinte e também desautorizou aquele grupo de intelectuais que se reuniriam para fazer uma nova Constituição. Sobre a outra questão (STF com o dobro de ministros), é um dos absurdos. Se tem uma coisa que não precisamos, é aumentar o Supremo de 11 para 21 (ministros). O Supremo americano funciona com nove, desde o início da República americana, e vai muito bem. É um absurdo. E isso também não passa só por ele, teria de mandar para o Congresso. Não sei se o Congresso apoiaria. Realmente tem que dar uma sacudida no Supremo, mas também não vamos esquecer que foi o Supremo, com todas as suas complicações, que decidiu que o condenado em segunda instância vai para a cadeia em todo o Brasil. Em 150 anos, nenhum político, nenhum empresário, nenhum agente importante e com dinheiro ia para a cadeia. Só ia para a cadeia ladrão de galinha. Agora, depois dessa decisão, todo mundo tá indo para a cadeia. É o Lula, o presidente da Câmara, presidente do Banco do Brasil, empresários dos mais importantes estão na cadeia. Eu, com toda a sinceridade, não acho que é colocando 21 pessoas no Supremo que vai melhorar.

O senhor participou daquela reunião histórica, em 1964, com o João Goulart em Porto Alegre, nos últimos momentos antes de ele rumar ao exílio em consequência do golpe militar. O senhor acha que aquele período tem comparação com o atual em termos de acirramento de ânimos e polarização?

Sim, participei. Naquela época, o Brasil vivia numa democracia, mas naquele momento, inclusive com a força da igreja, as caminhadas por Deus, pátria e família, contra a corrupção, mar de lama, o Brasil está perto do comunismo, o João Goulart quer implantar o comunismo, roubalheira total. Falavam, falavam, mas não tinha nada. Não provaram nada. Tanto que derrubaram o Jango, ficaram 21 anos, e não apresentaram nenhum fato com relação ao Jango relacionado à corrupção. Agora, não. O povo nunca teve liberdade como agora: rádio, jornal, televisão, todos os candidatos falaram no primeiro turno. Tem as redes sociais. Está tudo sendo debatido franca e abertamente. Hoje a experiência e a participação do povo é muito maior. Naquela época, na hora em que eles fizeram o golpe, não aconteceu nada, a não ser os que queriam luta armada. Agora o povo está debatendo, participando, cobrando. Isso que está acontecendo hoje, no fundo, é uma rebelião social. A sociedade está contra a política tradicional. É uma rebeldia popular que, a esta altura, é contra o que é tradicional, contra o que já existe, contra os partidos que estão aí. O Bolsonaro entrou nessa onda e está levando a melhor sobre políticos que já eram tradicionais. Ele nunca foi nada.

Mas eu lhe pergunto sobre um paralelo com o clima de 1964, por conta dos enfrentamentos que ocorreram naquele período, e que hoje estão acontecendo também. A tensão social dos períodos são comparáveis?

Acho que hoje a sociedade conhece mais as questões. O grande compromisso que precisamos ter é manter a democracia e manter a liberdade. Se isso não acontecer, aí vai ser uma desgraça. Se a operação Lava-Jato for para o beleléu, se soltarem os que estão presos e arquivarem os processos contra os processados com ameaça de prisão, isso vai ser um caos. Aí entraremos numa ingovernabilidade e será imprevisível o que poderá acontecer.

O senhor fez sua trajetória junto com o MDB na resistência pacífica à ditadura. O senhor conviveu com Ulysses Guimarães, autor da célebre frase no ato da promulgação da Constituição, quando disse ter 'ódio e nojo' da ditadura. O senhor também esteve diariamente convivendo com outros grandes nomes, como Mário Covas, figuras históricas do antigo MDB. O senhor acha que esse apoio ao Bolsonaro agora, que tem saudosismo à ditadura e já relativizou atos como a tortura, é coerente com a história do senhor e do MDB?

Não. Acho que hoje, realmente, eu fico me perguntado o que o doutor Ulysses estaria fazendo. A hora é muito complicada e muito difícil. Por isso eu acho que o nosso compromisso com a democracia e com as instituições é absolutamente sagrado. Eu sou o mesmo Pedro Simon, com as mesmas ideias e, se tiver de começar tudo de novo, eu começo tudo de novo. Queremos democracia? Sim. Queremos liberdade? Sim. O que não queremos é 'dando que se recebe' e soltar todo mundo.   

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