Artigo, Gilberto Jasper - Mocinhos e bandidos

Jornalista gilbertojasper@mail.com

            Ser povo é a coisa mais difícil neste país. Desde março estamos sob o signo do pânico. Máscaras, restrições, confinamento, curva que não achata, estatísticas macabras, imagens de covas abertas, o massacre de depoimento pungentes de parentes e amigos de vítimas da pandemia. Há 120 dias isso se repete à exaustão na mídia. Pensamento único que se impõe: continuamos enfurnados dentro de casa porque somos rebeldes, indisciplinados e não seguimos as determinações de “autoridades”.
            Há pouco ouvi o prefeito de Porto Alegre dizer, com todas as letras, que se todas as determinações fossem cumpridas não se falaria em lockdown, inclusive com toque de recolher. É fácil ser “engenheiro de obra feita”. Como pode o temperamental político que administra a Capital, prever com bola de cristal o futuro? Como ele pode acusar a todos com base em hipóteses? Ele sequer é médico, mas prefere a postura arrogante de condenar os porto-alegrenses. Talvez estejamos sendo punidos pela escolha que fizemos há quatro anos nas urnas.
            Ouço recorrentes condenações de gente que vislumbra outras pessoas caminhando ao sol depois de dias de chuva torrencial, umidade e tempo cinza. Muitos esquecem que a sanidade mental das pessoas está abalada. Nem todos têm salário fixo, geladeira cheia e residem em um imóvel espaçoso junto com poucas pessoas. Conheço muitas pessoas com boa situação financeira que está indócil dentro de casa.
            A situação é inédita, mas desde março ouvimos a cantilena do “fecha tudo e fica em casa” para enfrentar a pandemia com tranquilidade no inverno. Meses depois, a pergunta se impõe, inclusive entre profissionais da grande imprensa que cassaram o direito a opiniões contrárias, mas começa a ceder: por que acreditar em nossos “administradores”?
            É fácil, neste momento em que o cidadão começa a questionar bandeiras, lockdown e restrições, acusar a população. Mas é preciso um mea culpa geral, incluindo os governantes. Não li nada a respeito de intercâmbio de informações com cientistas de outros países para compreender a situação. São condições diversas de um país para outro, mas por que, quando convém, nossos administradores citam exemplos da China, Espanha, Itália, França e outros lugares?
            Nossa sobrevivência se transformou em um desafio diário, doloroso. É difícil manter o emprego, pagar as contas, manter a família unida e abastecer a geladeira. Não merecemos ser acusados por todos os males que assolam o Estado e o país. Não elegemos representantes para sermos transformados em vilões de um filme que não tem mocinhos.

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