A conexão letal dos fatos, a composição de um drama

Por Renato Sant'Ana


Era o quinto dia de governo. E, em tom de ameaça, o Ministro da Justiça disse haver "mecanismos de cooperação policial internacional" e que "Esses mecanismos serão acionados para que as ordens do Supremo sejam cumpridas. Ponto! Não interessa quem é o destinatário!". E nem havia, então, fato que justificasse o "destempero do ministro" (um eufemismo).


No dia seguinte, em tom muito equilibrado, jornalistas analisavam na rádio aquela manifestação exaltada. Bastou para o repórter isentinho entrar no ar, atacar os colegas e atribuir um novo sentido àquela fala.


Os jornalistas referidos são da Guaíba. E o repórter isentinho é o já criticado nesta coluna, Fábio Marçal, que teve o peito de sustentar que o ministro falava de "cooperações" do tipo "pra pegar lá o Allan dos Santos nos Estados Unidos". Aliás, é vergonhoso que ele tenha citado o jornalista Allan dos Santos, cidadão que é alvo de injusta "persecução penal" num processo totalmente irregular.


O ministro é Flávio Dino. E o que falou em tom peremptório, uma oitava acima do razoável, sem haver, então, qualquer crise, foi outra coisa.


Sem crise instalada, frise-se, ele disse: "Não me importa se o policial A, B ou C votou no Bolsonaro. O que me importa é que ele tem regras a cumprir. E ele vai cumprir! Ou seja, existem mecanismos de cooperação policial internacional. Esses mecanismos serão acionados para que as ordens do Supremo sejam cumpridas. Ponto! Não interessa quem é o destinatário! Porque isso é um dever! E assim será feito. E isso vai ocorrer independentemente dessa possível contaminação. Se houve tal contaminação, que, aparentemente, houve em alguns setores do Estado brasileiro, não só no âmbito do Ministério da Justiça, essa descontaminação vai ocorrer muito rapidamente (...)."


Como se vê, ele não falou da "cooperação" para prender condenados que fugiram para o exterior, acordo que de fato há, mas em ter policiais estrangeiros que executem ordens do STF: isso viola a Constituição! É governar ao arrepio da lei! Será que ele cogita imitar a ditadura da Venezuela e trazer para cá agentes cubanos?


Pois Marçal, além de ressignificar a fala do ministro, também disse que só "jornais de direita" o criticaram, enquanto que os outros, por ele classificados como "de esquerda", entenderam direitinho a voz oficial...


Marçal é só uma caricatura que retrata a combinação letal de dois fatos: do autoritarismo do governo com a sabujice da imprensa.


E eis que surge um terceiro fato: a turba multa, numa reação catártica, ataca e depreda prédios dos três poderes. Talvez nunca venhamos a conhecer as molas todas que puseram esse autômato em movimento. Mas ninguém dirá que foi uma articulação secreta. Então, por que o Gabinete de Segurança Institucional não tomou medidas para impedi-lo?


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