Tito Guarniere - A quimera entre direita e esquerda
Faz tempo que venho dizendo que a velha divisão entre
esquerda e direita está com a validade vencida. Não sou o único a pensar assim.
Semana passada, dois jornalistas brasileiros importantes, em artigos na Folha
de São Paulo, deram a entender que compartilham a ideia.
Clóvis Rossi diz ter passado da idade "de ter ilusão
com o populismo, com o liberalismo, com a direita, com a esquerda, e todos os
etc. que o leitor quiser acrescentar. E Vinicius Mota escreveu um artigo em que
o título já diz tudo: "Coerência ideológica é uma quimera".
Veja o leitor que o PT - que se considera um partido de
esquerda - é nacionalista, defende a produção nacional, os empregos nacionais.
Mas nacionalista é também Donald Trump, que defende rigorosamente a mesma coisa
para a América e os americanos. Ninguém dirá que Trump é de esquerda, menos
ainda um petista.
O PT, as esquerdas em geral abominam - ou dizem abominar
- banqueiros e multinacionais. Mas só quando estão fora do governo. Durante os
governos Lula e Dilma os bancos tiveram lucros bilionários, muito superiores ao
lucro que tiveram, por exemplo, nos governos FHC, os quais sempre foram
classificados como sendo neoliberais e de direita. As multinacionais, de sua
vez, nos 13 anos do lulopetismo, ganharam fortunas em programas de incentivos e
desonerações de tributos, principalmente no período da "nova matriz
econômica", a fanfarronada de Dilma que ajudou a quebrar o seu governo, e
cujas consequências pagamos até hoje e ainda vamos pagar um bom tempo.
No mundo inteiro e em todas as épocas (em geral) quem
defende e faz a reforma agrária, é a esquerda. Mas se o leitor comparar os
governos do PSDB, tidos como de direita, e os governos do PT, de esquerda, verá
com surpresa, que FHC assentou mais famílias em programas de reforma agrária do
que os governos de Dilma e Lula. Apesar disso, o MST de João Pedro Stédile,
aliado incondicional do PT de Lula e Dilma, sente urticárias só de ouvir falar
em FHC.
Na mesma batida, se FHC tinha entre os partidos da base
aliada o PMDB, o PP, o PTB, era a prova de que ele era de direita. Já Lula e
Dilma cuja base de apoio era praticamente a mesma de FHC, nem por isso se
contaminaram, e permaneceram de "esquerda".
O jornalista Mota observa que a direita acredita na lenda
de que os banqueiros do mundo "querem corromper os valores da
família". Já a esquerda diz que os banqueiros querem, na verdade, é
"sufocar a sublevação dos povos oprimidos". Pode haver bobagens
maiores? Os banqueiros só querem continuar ganhando seu rico dinheirinho, como
sempre fizeram, desde que os bancos foram inventados.
E vai por aí. Dá para escrever um livro e descrever
dezenas de situações em que as posições de esquerda e direita (tomadas a partir
de sua definição histórica e original) se cruzam, entrecruzam e com frequência
se trocam no mundo contemporâneo.
Por que a divisão clássica persiste, então? Porque isto
tudo é apenas uma narrativa, uma quimera que distraídos de todos os lados, mas
principalmente de esquerda, por preguiça de pensar ou por conveniência, teimam
em acreditar e defender.
titoguarniere@terra.com.br
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