Artigo, J.R. Guzzo, Revista do Oeste - A vacina da China complicou, definitivamente.

A transformação da covid e todas as suas consequências em mercadoria política, traficada de um lado para outro por governantes para tirar vantagem pessoal da desgraça comum, está sendo exposta ao público mais do que nunca, e já sem disfarces, com a irada polêmica que envolve no momento a vacinação — e, mais do que tudo, a vacina chinesa Coronavac, ou a “vacina do Doria”, fruto de um negócio entre a China e o governo do Estado de São Paulo.


É uma história que começou mal, e não melhorou. A compra, feita sem licitação pública — como todas as outras atividades comerciais geradas pela covid —, envolve contratos que têm partes inteiras ocultas pelo sigilo. Informações importantes para a sua avaliação não podem ser dadas à comunidade médica, por serem mantidas em segredo pelos fabricantes. Não houve exames independentes de sua composição e de seu desenvolvimento, por meio de organismos científicos internacionais. Não foi aceita nem está sendo aplicada em nenhum país desenvolvido e com boa reputação no trato da saúde pública.


Agora, com a necessidade de apresentar dados objetivos à Anvisa, o único órgão público que autoriza a aplicação de medicamentos no Brasil, a coisa toda desandou de vez. De um lado, o governo paulista e o Partido Nacional da Quarentena Ampla, Geral e Irrestrita exigem, até na Justiça, a liberação “imediata” da CoronaVac. De outro, após muita demora e adiamento na apresentação de dados à Anvisa, passaram a surgir, umas após outras, informações negativas sobre a sua real eficácia.


A população foi notificada, assim, que a “vacina do Doria” não era 100% eficaz. A primeira estimativa foi de “78%”, apenas. Mas também esse número estava errado: refletia apenas um “recorte” dos testes e o certo seriam “50,38%”. A última cifra é “49,69%”. A salada de números se torna definitivamente enigmática quando cientistas independentes, de um lado, e o governo paulista (através do seu Instituto Butantan), de outro, exibem diferentes critérios e métodos de avaliação. Somem-se a isso os palpites dos militantes, dos ministros do STF e da mídia, e estamos em pleno nevoeiro.


Quanto mais a situação fica obscura, mais radical se torna a rixa político-eleitoral que acompanha a covid desde o primeiro caso no Brasil. Depois de muita briga de sarjeta pela “vacinação obrigatória”, já se fala que é indispensável “calar as vozes antivacina” — observações de cientistas como as que são apresentadas acima, por exemplo. Ao mesmo tempo, num manifesto realmente extraordinário, gestores do governo de São Paulo afirmam em público que “não é hora” de ser “científico demais” — depois de terem jurado, durante meses seguidos, que a vacina chinesa era ciência pura, e mais nada.


“O importante é aprendermos a separar o que é ciência, e a honestidade intelectual esperada de cientistas, das promessas políticas dos governantes”, disse o biólogo Fernando Reinach, Ph.D. em biologia celular e molecular pela Universidade norte-americana de Cornell, em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Reinach é um dos mais respeitados cientistas do Brasil — não dá para dizer, simplesmente não dá, que ele é um “negacionista”, um “genocida” ou um porta-voz da “direita”. Em relação ao diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, uma das estrelas da gestão Doria na covid, o biólogo é especialmente claro. “Para mim”, escreveu ele, “Covas deixou de ser um cientista e passou a ser político, um vendedor de ilusões.”


A vacina da China complicou, definitivamente.

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