Título original: "Ainda as urnas eletrônicas".
A resistência do TSE ao voto impresso em complemento ao
eletrônico, imposto pela lei 13.165/2015, começa a ser enfrentada com maior
vigor por juristas, juízes e movimentos sociais, já com o apoio de alguns
(embora ainda poucos) parlamentares.
Um deles, deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), conseguiu
aprovar, para o dia 30 deste mês, audiência pública na Comissão de Ciência e
Tecnologia da Câmara para exigir o cumprimento da lei.
O deputado Espiridião Amin (PP-SC), por sua vez, oficiou
ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que o TSE esclareça à Casa as
providências de ordem prática que vêm sendo tomadas para que o voto impresso,
nos termos da lei, já vigore em 2018.
Amin e Maia sabem que não há nenhuma providência em
curso, muito pelo contrário. Cumprem, mesmo assim, o papel protocolar que lhes
cabe. A pressão efetiva está vindo de baixo para cima, via entidades de juízes,
advogados e movimentos sociais.
Os papéis se invertem. Em circunstâncias normais, os
tribunais é que oficiam a quem de direito para que se cumpra a lei. Nos dias
que correm, dá-se o contrário: é o Tribunal que se mostra incomodado em aplicar
a lei – e é oficiado.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, considera a
providência complexa e desnecessária, mesmo não dispondo, constitucionalmente,
da prerrogativa de questionar a lei, senão a de cumpri-la. Já seu antecessor no
cargo, Dias Toffoli, agia (e pensava) da mesma maneira. Não se sabe como fará o
sucessor de ambos, Luiz Fux, que presidirá o tribunal durante as eleições
O diagnóstico de Mendes, no entanto, está na contramão do
que disseram os especialistas que se reuniram em julho deste ano, em Las Vegas,
na maior conferência “hacker” do mundo, a Defcon. Lá, todos os modelos de urnas
eletrônicas testados, inclusive o fabricado no Brasil, foram violados em menos
de duas horas.
Gilmar quer o cumprimento gradual da lei. Se dependesse
dele, só se cumpriria plenamente dentro de uma década. A implantação começaria
nas eleições municipais de 2020, em algumas cidades a serem selecionadas; em
2018, nem pensar.
Mas, se ele pode atrapalhar, não pode impedir. Em vista
disso, o presidente da União Nacional dos Juízes Federais, Eduardo Cubas, e os
advogados Modesto Carvalhosa, Luiz Flávio Gomes e Rodrigo Mezzomo protocolaram
no Conselho Nacional de Justiça pedido para que a presidente do STF, Carmen
Lúcia, informe sobre a previsão orçamentária para a adoção do voto impresso.
A falta de verba, como se sabe, é o argumento central do
TSE para a não adoção do voto impresso. Alega que o custo de acoplar
impressoras seria de R$ 2,5 bilhões e não haveria como providenciá-lo. Ocorre
que a emenda constitucional 95/2016 exclui os gastos eleitorais de qualquer
contingenciamento orçamentário.
Há, portanto, como providenciar a verba, que é bem menor
que a disponibilizada aos partidos (o fundo eleitoral tem piso de R$ 1,8 bilhão
que pode chegar a R$ 3,8 bilhões) para financiarem suas campanhas. Além disso,
o custo orçado pelos ativistas do voto impresso é bem menor que o do TSE: R$
1,08 bilhão.
O TSE, instado por essas entidades, marcou testes de
segurança das urnas para os dias 28, 29 e 30 deste mês. É prazo considerado
insuficiente para uma aferição consistente.
Na audiência pública do dia 30, a advogada Maria
Aparecida Rocha Cortiz, especialista em processos eleitorais eletrônicos e
integrante do Comitê Multidisciplinar Independente, mencionará todas as
suspeitas técnicas que pesam sobre as urnas brasileiras.
Entre elas, a do próprio CEO da empresa que as fabrica, a
Smartmatic, Antonio Mujica, que admitiu que são fraudáveis e o foram nas
eleições venezuelanas deste ano para a Constituinte.
Lembrará também que não compete ao TSE concluir se existe
ou não verba para o atendimento da lei, “cabendo-lhe unicamente a tarefa de
orçar, calcular e indicar o montante para que sejam atendidas integralmente
todas as exigências da legislação”.
Em resumo, não há impedimento orçamentário, técnico ou
logístico que dê sustentação à resistência da Justiça Eleitoral, que já deveria
ter cumprido o que lhe cabe: o cumprimento da lei, que é de 2015. Até aqui,
nada foi feito e o Tribunal, ao que parece, aposta na suposta falta de apelo
popular do tema. Uma ilegalidade silenciosa.
As entidades envolvidas prometem intensificar sua
militância nas redes sociais e transformar a audiência pública do dia 30 num
grande acontecimento, como de fato precisa ser.
Afinal, trata-se simplesmente da confiabilidade das
eleições. A Suprema Corte alemã, em 2009, considerou as urnas eletrônicas
inconstitucionais pelo simples fato de levantarem suspeitas no eleitorado. E
eleições suspeitas, disseram os juízes, são inadmissíveis. Não estamos, porém
(e infelizmente) em Berlim.