Provavelmente a Lava Jato e seus expoentes sairão menos
desmoralizados do que se pensa
Nas mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan
Dallagnol publicadas até aqui está um bom resumo da Lava Jato. É a frase
atribuída ao então juiz Sérgio Moro na qual ele, dirigindo-se ao procurador
Deltan Dallagnol, duvida da capacidade das instituições brasileiras de lidar
com a corrupção do sistema político.
A força-tarefa de Curitiba é um acontecimento
relativamente recente, mas tem décadas a convicção que personagens como Moro e
Dallagnol exibem da sociedade brasileira como hipossuficiente, isto é, incapaz
de se defender sozinha, especialmente frente à esfera da política. Esse é
também o ponto de partida para a compreensão que procuradores têm de si mesmos
como “agentes políticos da lei”.
O que explica a extraordinária popularidade da Lava Jato
não são esses velhos e conhecidos postulados ideológicos, mas, sim, o fato de
uma imensa parcela da população ter encontrado nas ações da força-tarefa a
expressão de seu profundo descontentamento com um “sistema”, sobretudo o
político, encarado como principal obstáculo ao progresso dos indivíduos e do
País.
A face nos últimos tempos mais identificada com o
“sistema” era o PT, entre tantas siglas políticas que procuradores e juízes
identificam como predadores de uma sociedade indefesa. Daí ter sido esse
partido um de seus principais alvos, mas de forma alguma o único. O fato
central é que o “lavajatismo” não considera o sistema político capaz de se
regenerar, nem os poderes políticos (sobretudo o Legislativo).
A “tutela” exercida pelos integrantes da Lava Jato sobre
uma sociedade civil entendida por eles como fraca e indefesa foi
entusiasticamente aceita e se traduziu em grande medida na onda que arrasou o
PT, e quase toda a política, com a colaboração de setores dominantes da mídia
também. Convencidos desde o início de que enfrentariam uma formidável reação do
“sistema”, especialmente dentro do Judiciário, os expoentes da Lava Jato
claramente subordinaram meios legais aos fins – políticos num sentido amplo.
Assumiram que seria necessária a utilização excepcional
de instrumentos de investigação e coerção, esticados até a margem da lei, para
lidar com um adversário enraizado nas principais instituições. A maioria da
sociedade brasileira concordou com isso e deu expressão eleitoral (na figura de
Jair Bolsonaro) à noção de que era necessário “limpar” o PT e o “sistema”,
ainda que se tivesse de fechar os olhos para eventuais “abusos” ou
“escorregadas” por parte da Lava Jato.
Muita gente (muita mesmo) pensa que garantias legais e
preceitos constitucionais e também a frase “não se deve combater crimes
cometendo crimes” importam menos diante do grau de roubalheira, bandidagem,
cinismo, irresponsabilidade dos dirigentes políticos e seus comparsas do mundo
empresarial no “sistema”, conduzido mais recentemente pelo lulopetismo.
A revelação dos diálogos particulares entre Moro e
Dallagnol enfureceu não só juristas, indignados com o que se configura óbvia
violação de princípios pelos quais magistrados deveriam pautar suas condutas.
Mas as consequências políticas estão sendo o contrário do que pessoas fiéis a
princípios poderiam esperar com a grave denúncia de comportamento parcial ou de
ativismo político por parte de integrantes da Lava Jato.
Quem calcula a “desmoralização” da Lava Jato
provavelmente verá o contrário. Pode-se gostar disso ou não, mas na luta
política brasileira já faz bastante tempo que princípios foram mandados às
favas. Não sabemos ainda é com quais vamos tentar construir o futuro.