Justiça Federal libera operação da Buser no Rio Grande do Sul
Magistrada reconheceu a legalidade da startup, e ressaltou a importância do modelo de negócios que empodera o consumidor final. Decisão permite viagens interestaduais no RS, tanto no modelo de fretamento colaborativo como marketplace
A 2ª Vara Federal de Porto Alegre liberou as operações da Buser em viagens interestaduais no Rio Grande do Sul. A sentença da juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro julgou o mérito, e encerrou o processo movido pela Federação das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do RS (Fetergs) contra a startup, que promove a intermediação de viagens de ônibus por meio de uma plataforma na internet.
Na decisão, a magistrada ressaltou que a Buser é uma empresa de tecnologia. Portanto, não sendo uma empresa de transporte, não precisa de autorização ou concessão do Poder Público para operar. “Não se trata de transporte irregular sob o manto da livre iniciativa, se trata de um modelo novo de negócio, anterior ao momento do transporte, capaz de conectar e agrupar pessoas às prestadoras de fretamento, estas sim sujeitas às normas atinentes ao negócio de transportes e fiscalização da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)”, afirmou. “Neste ponto destaco que quando do cadastramento dos prestadores fretadores, exige-se a apresentação de documentos relativos à autorização administrativa, o que atesta a legalidade da atividade”, complementou.
A juíza também reconheceu a legalidade da Buser, e ressaltou a importância do modelo de negócio da startup do ponto de vista do consumidor. “O modelo empodera o consumidor final, já que este, em última análise, é quem ganha com a possibilidade de utilizar de um fretamento coletivo para viajar a um mesmo destino com outros consumidores, que podem usar então de um modelo privado de transporte, caso entendam melhor e mais barato.”
Para a magistrada, o modelo de negócio da Buser não envolve serviço público. Segundo Daniela, isso não afasta a possibilidade de empresas de transporte que operam linhas regulares, concedidas pelo Poder Público, de se juntarem à plataforma da startup. “O novo formato inclusive pode resultar que as empresas representadas pela parte autora (Fetergs) venham a utilizar o mesmo modelo, que não se confunde com o serviço público por elas prestado.”
A sentença também confirmou que não existe norma que proíba o modelo de negócio da Buser. “A inexistência de proibição dessa natureza implica, por decorrência lógica, a sua permissão”, salientou. “A proibição indistinta de tal modalidade de prestação de serviço acabaria por contrariar a livre iniciativa e a livre concorrência, ensejando crescimento desproporcional de reservas de mercado em favor daqueles atores econômicos que já se encontram estabelecidos, o que, aliás, prejudica o próprio consumidor final, que não pode desempenhar sua liberdade de escolha.”
A magistrada afastou, ainda, a alegação de concorrência desleal. “Os dados juntados não permitem qualquer conclusão quanto aos motivos que provocaram tal diminuição da procura pelo transporte coletivo. Não há qualquer demonstração de relação de causa e efeito, no que diz respeito ao momento subsequente à existência de sistemas de aplicativos (...), de modo que qualquer relação aventada fundamenta-se em suposições.”
Na visão da magistrada, é plenamente possível que o transporte fretado e o regular ocorram de modo concomitante. “A existência de uma modalidade de transporte diversa, como a discutida neste processo, não implica, necessariamente, a cessação da forma jurídica das concessões das linhas regulares.”
Por fim, a juíza também descartou que existam elementos concretos que indiquem riscos à segurança dos passageiros nas viagens por fretamento. E frisou que as operações das empresas fretadoras intermediadas pela plataforma Buser são fiscalizadas pela ANTT.
Jurisprudência favorável ao modelo da Buser
Plataforma de intermediação de viagens rodoviárias que já conta com 8 milhões de clientes em todo o Brasil, a Buser vem conquistando importantes vitórias nas disputas judiciais que discutem questões regulatórias. Assim como aconteceu com os aplicativos de transporte individual em todo o País, o caminho também tem sido esse no transporte rodoviário de passageiros.
A Buser vem obtendo importantes vitórias nas mais altas instâncias do Poder Judiciário nessa disputa regulatória. O primeiro embate superado pela startup frente às empresas tradicionais foi junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), após a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) ajuizar ação (ADPF 574) pedindo que o STF declarasse inconstitucionais todas as decisões judiciais que autorizavam o funcionamento do “fretamento colaborativo” de ônibus por meio de aplicativos. Na ocasião, o ministro Edson Fachin (STF) negou o pedido de suspensão do aplicativo da Buser. Mais tarde, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também consideraram que não havia irregularidades na atividade da Buser. Tais posicionamentos motivaram que a Abrati finalmente desistisse do pleito em abril de 2021.
Em dezembro de 2020, foi a vez do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgar improcedente um recurso do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp), que acusava a Buser de transporte ilegal de passageiros.
Já em novembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) havia derrubado outra tentativa de restringir o direito de escolha dos viajantes de ônibus. Por unanimidade (3 votos a 0), a 12ª Câmara Cível da Corte negou o provimento de recurso do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários Intermunicipais (Sinterj), que queria suspender as atividades da Buser no Estado. Na prática, o TJ-RJ liberou as operações das empresas de fretamento em viagens intermunicipais, e derrubou a argumentação dos grandes empresários de ônibus de que a Buser opera de forma irregular.
A tentativa de impedir a liberdade de escolha dos viajantes para manter o oligopólio, que comanda o setor de transporte rodoviário há décadas, já havia sido derrotada também no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que decidiu no mesmo sentido, liberando as operações de fretamento colaborativo em viagens interestaduais partindo do Rio de Janeiro.
A Justiça da Bahia também suspendeu uma sentença que proibia a operação da startup no Estado. Em junho, o Judiciário de Santa Catarina também liberou as viagens intermunicipais pela Buser em todo o território catarinense ao revogar uma liminar concedida antes da promulgação de um Decreto que reformulou a legislação estadual sobre o transporte fretado de passageiros.
No fim de maio, uma decisão da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais determinou que a norma do “circuito fechado” não vale para o fretamento colaborativo. Na sentença, o juiz Ricardo Machado Rabelo ressaltou que a regra que impõe às empresas fretadoras que façam viagens sempre com o mesmo grupo de passageiros, nos trajetos de ida e volta, “trata-se de medida restritiva destituída de amparo legal”.
Mais recentemente, uma decisão da Justiça do Espírito Santo deu ganho de causa à Buser e às duas empresas de fretamento parceiras em ação movida pela Viação Águia Branca, uma das maiores empresas de ônibus do País. O magistrado também defendeu o circuito aberto e destacou, ainda, que a imposição da regra do circuito fechado ao transporte por fretamento fere autonomia e liberdade de locomoção dos consumidores.
Circuito fechado é anticoncorrencial
O principal entrave regulatório para o negócio da Buser hoje, e que muita vezes acaba sendo alvo de disputas judiciais entre as plataformas e as velhas empresas, é o Circuito Fechado no fretamento, norma estabelecida por um decreto presidencial de 1998, que determina que o mesmo grupo de passageiros faça obrigatoriamente as viagens de ida e volta, no mesmo ônibus, na mesma rota.
Diversos estudos e pareceres de especialistas mostram que essa regra, além de anticoncorrencial, é um entrave ao crescimento econômico do país. Três ministérios do atual governo já se manifestaram favoráveis ao fim do circuito fechado, incluindo o MInfra. Em janeiro deste ano, o Ministério da Economia, por meio da Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (FIARC), declarou que o “circuito fechado” é anticoncorrencial, que viola as regras da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e que traz prejuízo estimado em R$1 bilhão ao ano para o país, além de propor alteração da regulação para prever a categoria de fretamento colaborativo, ofertado via aplicativos, por gerar benefício à população e nova demanda para o setor. O Ministério do Turismo também já emitiu parecer contrário a essa norma.
Um estudo feito pela LCA Consultoria mostrou que a mudança da regra do circuito fechado geraria uma expansão na ordem de R$ 2,7 bilhões no PIB, com um aumento de R$ 462,8 milhões na arrecadação tributária federal com as atividades turísticas e a criação de 63,5 mil novos empregos diretos e indiretos.
A Buser tem acompanhado com atenção o trabalho da Câmara dos Deputados, por meio da Comissão de Viação e Transportes. Há diversos projetos positivos em tramitação que buscam solucionar a situação enfrentada pelo setor de transporte de passageiros por fretamento.