Durante um programa de entrevistas na televisão, pouco
mais de um ano atrás, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal
Federal, teve a ideia de perguntar a um dos entrevistadores, o jornalista José
Nêumanne Pinto: “Você não acredita na Suprema Corte do seu país?”. Um ministro
do STF não deve perguntar essas coisas hoje em dia. Se perguntar, arrisca-se a
receber, como de fato recebeu, a resposta mais sensata para a indagação que
tinha feito. “Não”, disse o entrevistador. “Eu não acredito.” E por que alguém
haveria de confiar, Santo Deus?
Os onze ministros insultam-se publicamente entre si.
Faltam ao serviço. Um deles levou bomba duas vezes no concurso para juiz de
direito. Outro mantém negócios privados e julga causas do escritório de
advocacia em que trabalha a própria mulher. Há um que conseguiu asilo no Brasil
para um quádruplo homicida condenado legalmente pela Justiça da Itália, e outro
que foi o juiz preferido do ex-governador e hoje presidiário Sérgio Cabral, réu
em quinze processos de corrupção. Agora, em seu último feito, o STF decidiu que
cabe ao Senado Federal punir ou perdoar o senador Aécio Neves — flagrado numa
conversa gravada tentando extorquir 2 milhões de reais de um bilionário, réu
confesso e atualmente domiciliado no sistema penitenciário nacional. Os
ministros tinham decidido o contrário, tempos atrás, com o ex-presidente da
Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que por causa disso perdeu o cargo, o
mandato e está preso até hoje. O que vale, então?
Nossa Corte Suprema parece ter conseguido, nesse tumulto,
algo inédito no direito internacional: errou nas duas decisões. Perguntaram aos
nossos magistrados máximos quanto dá 2+2; na primeira vez eles responderam que
dá 5, e na segunda que dá 7. Erraram nas duas vezes porque em ambas se meteram
a resolver coisas que não têm o direito de resolver — invadiram a área de outro
poder, e uma vez feito isso não conseguem acertar mais nada. Com certeza o
poder que invadiram, o Congresso Nacional, é uma espécie de Monga, a
Mulher-Gorila, ou alguma dessas aberrações exibidas no circo; mas é o
eleitorado, e não o STF, quem tem de consertar isso. Com sua intromissão, os
ministros pariram Mateus; agora têm de embalar a criatura, dar de mamar, levar
ao pediatra e esperar mais uns dez ou doze anos para ver qual o sexo que ela
prefere. Enquanto o STF cria a criança que não podia ter parido, os brasileiros
ficam sem saber o que está valendo. As decisões finais sobre corrupção no Poder
Legislativo são do Congresso? São do Poder Judiciário? Vai saber. Talvez fique
valendo o que resolverem na próxima vez.
O caso de Aécio é especialmente tenebroso. Começa que o
grupo de ministros que queria punir o senador veio com uma punição de
mentirinha — “afastaram” o homem do cargo e decidiram, com imensa coragem,
proibi-lo de sair de casa à noite, como se alguém só começasse a roubar depois
que escurece. É uma piada, para fazer bonito a preço de custo com intelectuais
e artistas de novela, mas o foco da infecção não está no tipo do castigo. Está
na pretensão de entregar o que não poderia ser entregue. O ministro Luís Roberto
Barroso argumentou que seria uma injustiça deixar “três peixes pequenos” presos
e o “peixe grande” solto. Mas Barroso não está lá para medir o tamanho dos
peixes, e sim para cumprir a Constituição. Tem todo o direito de não gostar
dela; mas não pode escolher quando vale e quando não vale o que está escrito
ali. Aécio Neves não é peixe graúdo nem miúdo — é senador da República, por
mais que isso se revele um disparate. É senador porque foi eleito. Se o povo
votou errado, paciência — a lei não obriga o eleitor a votar certo. Mas obriga
a todos, incluindo os ministros do STF, a obedecer à regra segundo a qual um
senador só pode ser punido com a autorização do Senado.
Sem Aécio, o Brasil seria um lugar mais justo, mais sadio
e mais limpo — sem ele e todos os outros que vêm do mesmo saco de farinha, a
começar por seus inimigos e todos os parasitas, mentirosos e ladrões que mandam
no país e fingem ser diferentes entre si. Mas ele é membro do Congresso, e esse
Congresso, que positivamente está entre os piores do mundo, é também o único
que existe por aqui. Também só existe um STF e só uma Constituição, essa mesma
do “Dr. Ulysses” — antes adorada de joelhos como grande fonte de “direitos
populares” e hoje tida como um manual de estímulo à roubalheira. Fazer o quê?
Acabar com tudo?
Ou dar ao STF o poder de decidir quem é punido e quem é
premiado? Está garantido que não vai dar certo.