Duas notícias de 12/02/20 sintetizavam a falência de nosso sistema penal:
seguiam desaparecidos há sete meses seis bandidos que, embora presos em
flagrante com toneladas de droga, foram liberados; e o traficante mais perigoso
do RS estava solto, havendo cumprido apenas pequena parte dos 74 anos de cadeia
a que é condenado.
Lembrando. Em 10/07/19, seis criminosos que guardavam um depósito com 4651 kg
de Maconha foram presos em Porto Alegre pela Brigada Militar. Aí, na audiência
de custódia, eles alegaram ter levado uns tapas da polícia. Bastou para que a
juíza plantonista, Lourdes Helena Pacheco da Silva, considerasse ilegal a
prisão, mandando soltar os rapazes...
Horas mais tarde, instada pelo Ministério Público, outra juíza, Vanessa Gastal
de Magalhães, mandou prendê-los de novo, porque não havia dúvida quanto à
prática do crime e porque eventual excesso da polícia não os transformaria em
inocentes - óbvio!
Com a cortesia de praxe, repeliram o desvario da plantonista o comandante do
11° BPM, tenente-coronel André Ilha Feliú, que afiançou a lisura da operação
policial, e o diretor do Departamento Estadual de Investigações do
Narcotráfico, delegado Vladimir Urach. Para ambos, a extravagância da decisão
obriga a polícia a trabalhar dobrado.
Ah, mas a plantonista mandou os travessos darem as caras uma vez por mês no
fórum, não saírem da comarca sem autorização legal, voltarem para a casa à
noite e comprovarem endereço residencial. Mas eles não deram bola à doutora. E
a notícia é que, há sete meses, eles estão foragidos.
No segundo caso, a Brigada Militar deteve o traficante Juraci Oliveira da Silva
(o Jura) portando uma pistola 9 milímetros. Aí se soube que ele estava solto,
em que pese ter longa pena a cumprir por homicídio e tráfico de entorpecentes.
Lembrando. Jura é apontado como o patrão do tráfico no Campo da Tuca, zona leste
de Porto Alegre, e provável maior distribuidor de drogas na capital gaúcha. Em
1999, ele foi condenado a quase 30 anos de prisão. Em 2009, saiu da cadeia para
o semiaberto (albergue prisional Pio Buck). E aproveitou para fugir. Só foi
apanhado um ano depois, no Paraguai.
De volta ao Brasil em 2010, foi para a Penitenciária de Alta Segurança de
Charqueadas (PASC). E aproveitou para fazer parceria com José Carlos dos Santos
(o Seco), que já estava lá. Seco se notabilizou por comandar espetaculares
ataques a carros-forte e pela frieza com que matava para roubar. Juntos, eles
passaram a planejar ações criminosas a serem executadas por seus comparsas nas
ruas.
Em 2015, Jura foi julgado por dois homicídios triplamente qualificados que ele
ordenou de dentro da cadeia. E, mesmo reconhecendo a existência dos crimes e a
autoria do réu, o júri o absolveu. Durante esse julgamento, ele admitiu que
seguia comandando a venda de drogas de dentro da FASC. E não consta que haja deixado
de ser o patrão do Campo da Tuca.
Em 29/01/20, Jura foi de novo para o semiaberto por ter "conduta
carcerária satisfatória" (sic!), mesmo acumulando condenação a 74 anos de
cadeia. E foi novamente preso pela Brigada Militar em 12/02/20.
É a realidade: um sistema penal incapaz de coibir a sanha daqueles que, sem
escrúpulos nem compaixão, escolhem o caminho do crime. E como negar que esse
quadro ficou imensamente mais grave nas últimas três décadas?
Com a chancela da Constituição de 1988, vigora no país uma paródia da
dispensável teoria de Luigi Ferrajoli, o dito "garantismo penal", que
mantém um discurso de legitimação do crime e ignora dois pressupostos
inelutáveis: (a) todo ato criminoso é uma escolha; (b) é função do Estado
reprimir a criminalidade, vindo a proteção da sociedade muito antes do
interesse do transgressor.
Eis, em última análise, o reflexo da miopia hermenêutica que predomina nos
cursos de Direito e faz a cabeça de novos juízes, promotores, advogados, etc.
Sendo que poucos conseguem revisar as crenças adquiridas na faculdade e
desenvolver um pensamento autônomo.
Renato
Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail:
sentinela.rs@uol.com.br