Artigo, Clóvis Rossi, Folha - O verdadeiro golpe

O verdadeiro golpe - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 03/01

Já que gosta tanto de falar em golpe para se referir ao processo de impeachment que corre contra ela, a presidente Dilma Rousseff bem que poderia prestar um mínimo de atenção ao verdadeiro golpe em marcha.

Trata-se da iniciativa do governo venezuelano de tentar derrubar a supermaioria (112 deputados em 167) eleita pela oposição no dia 6 de dezembro –e que tomam posse na próxima terça-feira, 5.

O governo, como vem relatando o excelente correspondente da Folha em Caracas, Samy Adghirni, conseguiu da Justiça a cassação de três dos deputados da oposição, em um "golpe judicial", segundo a Mesa da Unidade Democrática, o conglomerado oposicionista.

O governo brasileiro não tem o direito de ignorar que a Justiça venezuelana é mero apêndice do Executivo.

Um estudo de juristas locais, feito há um par de anos, mostrou que nenhuma iniciativa governamental foi contestada pela Justiça –recorde mundial de competência em um governo notoriamente incompetente.

É justo dizer que a presidente Dilma já interferiu na eleição venezuelana, por meio de carta em que cobrou de seu colega Nicolás Maduro que respeitasse as regras do jogo antes, durante e depois do processo eleitoral.

É o que diz, por exemplo, nota emitida por um grupo de parlamentares uruguaios que funcionaram como observadores do processo eleitoral: "Impedir a plena constituição [da Assembleia Nacional] pretende condicionar, uma vez mais, o legítimo pronunciamento eleitoral do povo venezuelano".

Como dizia nota emitida por respeitadas entidades americanas de direitos humanos, antes do pleito, as eleições teriam "o potencial de reduzir a tensão política, mas também o de exacerbá-la".

É óbvio que deturpar o resultado das urnas só pode exacerbar tensões. A nota das entidades, entre elas a brasileira Conectas e o Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, acrescenta que "há muito em jogo para a Venezuela e para a região".

É do interesse do Brasil, portanto, impedir que o "golpe judicial" em andamento exacerbe a tensão política, até porque tem experiência própria em verificar como crises políticas agravam dificuldades econômicas.

O governo brasileiro já emitiu nota oficial, antes da eleição, em que "ressalta a importância do pleno respeito à vontade popular expressa nas urnas". Não seria, portanto, nenhuma violência repetir a sensata observação.

Se quisesse ser um pouco mais ativa, a diplomacia brasileira poderia lembrar que a cassação dos três deputados oposicionistas não é exatamente a prioridade número 1 da Venezuela, afogada numa crise que torna folgada a situação do Brasil.

Não custa lembrar que a inflação é a mais alta do mundo, que falta quase tudo no comércio, que as mortes violentas (27.875 em 2015) elevaram a taxa de homicídios para 90 por 100 mil habitantes, das mais altas do mundo.

Contra tudo isso é que o eleitorado deu ampla vitória à oposição. Desconhecê-la é fechar os olhos à realidade.


Artigo, Fernando Gabeira - Maratona no escuro

O ano que começa hoje não é dos mais promissores. É um desses em que você diz “feliz ano-novo”, mas reconhece que é apenas uma maneira de dizer: as chances são escassas.

O ano velho terminou com uma vitória do governo no Supremo. Alguns consideram a salvação de Dilma. Se estivesse na UTI e fosse salvo por gente usando frases em latim, desconfiaria. Na penumbra do quarto pode soar como uma extrema-unção. Mais complexo, o impeachment dará tempo a ela para respirar. Resta saber o que fará com essa dose extra de oxigênio.

A troca de ministros na economia nos confunde. Caiu Joaquim Levy, subiu Nelson Barbosa. O discurso é de continuidade e o mercado parece não confiar nele. Já as forças que defendem Dilma parecem confiar no que diz o novo ministro e lamentam seu discurso. Com a manobra Dilma descontentou, simultaneamente, quem a apoia e quem a rejeita.

Indiferente às opiniões, a realidade marcha no ritmo implacável da lama de Mariana.

Crescem a inflação e o desemprego, Estados e municípios começam a dar sinais de quebradeira. Aqui, no Rio de Janeiro, a crise eclodiu na saúde, atingindo os mais pobres num momento de vulnerabilidade, buscando socorro médico nas emergências.

Este é o ano da Olimpíada. O colapso do sistema de saúde o inaugura. A festa foi programada num momento de euforia com o Brasil e com o petróleo. De lá para cá veio a a crise econômica. No caso específico do Rio, vieram o petrolão, com a ruína da Petrobrás, e as quedas no preço internacional do petróleo.

Em 2010 tive a oportunidade de mostrar a fragilidade da saúde pública no Rio, visitando hospitais, com ou sem autorização do governo. Incompetência e corrupção se entrelaçavam e os governantes escaparam com as UPAs, algumas replicadas ao longo do País como uma grande saída. Todos sabiam que não eram em si a solução.

…De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo. A imagem de um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos farão é esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de desempregados e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno hospital do cérebro, fechados por falta de grana?

No momento em que optaram pela Olimpíada no Rio, os governantes queriam projetar o poder de um Brasil emergente. Havia dinheiro e empreiteiras para tudo. Grande parte desse dinheiro já foi gasta. Impossível reverter o processo. O realmente necessário, no entanto, não foi procurado: a resposta a como tocar a Olimpíada num momento de crise profunda; e como evitar que o Estado se desintegrasse, num campo essencial como o da saúde.

Jamais neguei o potencial de uma Olimpíada para o turismo e a economia brasileira. Menos ainda seu papel de projetar um soft power, uma cultura e um estilo de vida do País. Mas um evento dessa magnitude pode revelar exatamente o contrário do que pretendem os políticos.

Ele dramatiza a nossa fragilidade. A Baía de Guanabara está sendo projetada pelos atletas que treinam nela como um espaço imundo e perigoso.

Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para grandes recordes, nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na calçada, chacina de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na aliança com Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como se os royalties fossem crescentes e eternos.

Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda problemática, manchas comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os anfitriões.

Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava rolando no ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não apenas o Rio, mas o Brasil.


Não é fácil atrair a atenção do mundo, com esperanças de projetar poder, num Estado atingido pela combinação da crise com o escândalo na Petrobrás. Como realizar a Olimpíada despojado da visão delirante do passado, respeitando as condições reais, sem humilhar uma população vulnerável, que depende do serviço público de saúde?

A Olimpíada ficou um pouco deslocada, como se ela se desenrolasse num mundo à parte, blindado contra a crise.

De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo. A imagem de um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos farão é esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de desempregados e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno hospital do cérebro, fechados por falta de grana?

Foi um projeto nacional de grupo dominante. Dilma terá de buscar também essa resposta, aproveitando os momentos em que respira.

A qualquer instante pode voltar a asfixia paralisante. E a Olimpíada está aí. O Brasil será o foco de interesse internacional num dos momentos mais difíceis de sua História.

Sempre se começa um ano com festas e promessas. Só depois examinamos os desafios que nos esperam. A Olimpíada é, ao mesmo tempo, uma grande festa e um desafio.

Nadamos pelados na maré alta e quando ela baixa convidamos todos a nos olhar. É uma das operações de risco em 2016.

É o ano que concentrará o maior banco de dados sobre a corrupção no Brasil. Inúmeros depoimentos virão, novas investigações serão feitas, a história secreta do poder vai sendo escrita pela Operação Lava Jato e outras da Polícia Federal.

Nunca as engrenagens e os mecanismos do sistema político ficaram tão claras. O volume de dados, a claridade, tudo isso tem um poder de combustão incalculável, ao longo do ano.

Ano de imprevisíveis eleições municipais. Até que ponto a crise nacional não influirá nelas?

Até que ponto a ruína das prefeituras não vai produzir maciças alternâncias? Como o resultado de todo esse enigma influenciará de novo a crise nacional?

Ano de eleição, costuma ser ano de gastança. Um governo que apenas respira, precisa produzir um novo voo de galinha na economia, uma nova ilusão de crescimento. Mas a galinha está alquebrada e precisa de um ano sabático.

O Brasil pode terminar 2016 mais pobre, como preveem os economistas. O consolo é prever que cada vez o País saberá mais, cada vez acumula mais elementos para ousar a mudança.


 *** *Fernando Gabeira*- é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na Globo News, onde produz semanalmente reportagens sobre temas especiais, por ele próprio filmadas (no ar aos domingos, 18h30, e em reprises na programação). Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro nas últimas eleições. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve aos domingos.

Nota do PSDB contra veto de Dilma ao aumento de 11,7% no valor do Bolsa Família

Leia a íntegra da nota do presidente do PSDB:

“Mais uma vez, a ineficiência do governo se comprova. A presidente Dilma Rousseff vetou a proposta por mim apresentada à LDO de correção do Bolsa Família pelo índice da inflação.

Em um momento de grave crise, os primeiros a sofrerem e de forma mais profunda são os que mais necessitam, ou seja, exatamente os beneficiários do Bolsa família. A presidente Dilma, com seu veto, mais uma vez, sacrifica a população que mais precisa do apoio do governo.

Sem recomposição do poder de compra do Bolsa Família, o alcance social do programa diminui e a crise criada pelo governo do PT invade a vida dos mais pobres.

O programa Bolsa Família este ano será de R$ 26 bilhões para uma despesa não financeira do governo central estimada em R$ 1 trilhão e 105 bilhões. Se quisesse, o governo teria como aumentar o programa. O programa responde por apenas 2,4% da despesa não financeira do governo central.

Um reajuste de 11,6% do Bolsa Família teria impacto de cerca R$ 3 bilhões. Mesmo na atual situação de grave crise, esse não é um valor que iria gerar maiores problemas, sobretudo se se avaliasse seu impacto social.

Por que quem recebe assistência via LOAS ou mesmo quem recebe outros tipos de benefícios tem direito a correção e o mesmo não vale para o Bolsa Família?

Como um governo que em 2016 planeja gastar mais de R$ 1 trilhão não conseguiria o necessário para corrigir o Bolsa Família pela inflação?

Se o governo não tivesse quebrado a Petrobras e Eletrobras receberia dessas empresas mais do que os R$ 3 bilhões necessários para corrigir o Bolsa Família pela inflação.

A crise e a falta de recursos orçamentários que compromete não apenas o Bolsa Família, mas também os serviços de saúde e educação, decorrem do desastre econômico e desvios de recursos dos governos do PT, que hoje coloca em risco todos os programas sociais.

O veto ao reajuste do Bolsa Família não é um ato de responsabilidade fiscal. Ao contrário. Trata-se de mais um sinal da herança maldita dos governos do PT.


Há poucos anos o governo federal gastou milhões em propaganda para dizer que a miséria estava acabando no Brasil. Sem entrar no mérito se a comunicação era falsa ou verdadeira, o país aguarda agora a comunicação oficial sobre quantos milhões de brasileiros voltaram para a miséria em função da gestão irresponsável do PT. – Aécio Neves – Presidente Nacional do PSDB”