Em outubro de 2018, teremos a Lava Jato
eleitoral
Percival Puggina
Há mais de meio século estudo e
acompanho a política brasileira. Vivi, inclusive, períodos de participação
ativa no final do século passado.
Confesso que nunca observei algo que
guarde analogia com o que estamos presenciando nestes desregrados anos.
Tensões, conflitos, antagonismos são disponibilizados a quem participa da
política com a mesma assiduidade com que o pão comparece à mesa do café da
manhã. Esse serviço diário é proporcionado pela disputa do poder e encontra sua
síntese nos alinhamentos de governo e oposição. Em países que se dizem
democráticos, sem a hipocrisia dos hierarcas cubanos e venezuelanos, sempre há
um governo e sempre há uma oposição livre. Os cidadãos, naquilo que lhes
corresponde, reconhecem essa polarização identificando-se com algum dos lados.
O Brasil destes inusitados dias é
curiosa exceção. Há governo, há oposição, mas ampla maioria da sociedade, se
pudesse, botava os dois blocos no olho da rua. A polarização se tornou jogo
meramente institucional, em cujos desdobramentos, inclusive, são rotineiros os
momentos de convergência e recíproca proteção sempre que interesses escusos
estão sob ameaça. Nestes casos, as ideologias são mandadas às favas e se
estabelece, sólida, a sociedade dos celerados. A nação – militantes à parte,
porque formam uma categoria social distinta – percebe os fatos e se distancia
dos polos políticos. É baile de cobra onde não se entra sem perneira. A rede
com que se captura a confiança dos eleitores tem rombos pelos quais até baleias
transitam.
DESALENTO – Inusitado, também, o
desalento nacional perante as estruturas do poder político. Insistentemente
tenho escrito sobre a irracionalidade do nosso modelo institucional, sua
fertilidade em gerar crises e incompetência para resolvê-las sem gravíssimas
sequelas. Em linguagem farmacológica, nossos remédios institucionais são
estranhos placebos, com paraefeitos que se agravam quando as sessões dos
tribunais superiores são submetidas ao crivo da opinião pública.
Definitivamente, eles não se ajudam quando metem os pés políticos pelas mãos
jurídicas.
Além da tela do computador com o qual
escrevo, além da touch screen do telefone celular, há um mundo nada virtual,
bem real, clamando por ordem, justiça e atenção às suas necessidades básicas;
há todo um setor produtivo carecendo de estabilidade, credibilidade e
capacidade de investimento. Nosso país é um gigante geográfico e populacional
onde solavancos políticos afetam a vida de milhões de pessoas. E nós estamos
enfrentando terremotos.
TRÊS CONVICÇÕES – É desde essa
perspectiva, tomado por desalento em relação às urgências nacionais, como as
reformas ora em debate e as político-institucionais, que desejo registrar três
convicções.
Primeira: não é tudo a mesma coisa.
Ainda que a desonra venha a atingir equitativamente os blocos de governo e
oposição, em quase tudo mais que importa há, entre eles, desigualdades muito
relevantes sobre temas fundamentais. Refiro-me, por exemplo, a papéis do
Estado, privatizações, corporativismos, equilíbrio fiscal, economia de mercado,
direito de propriedade e violações a esse direito; educação, família, aborto e
políticas de gênero; segurança pública, conflitos sociais e drogas. E por aí
vai, que a lista é longa.
Segunda: a justiça tardará a chegar. A
morosidade do sistema, que muitos de nossos ministros dos tribunais superiores
consideram necessária à boa administração da justiça, não permitirá que esse
poder de Estado, antes das próximas eleições, remova da cena política as
organizações criminosas que envergonham a nação.
Terceira: a principal fase da operação
Lava Jato será tarefa nossa.
Ela ocorrerá em outubro do ano que vem,
quando, num flash bissexto, o poder transitará pelas mãos do povo.