P- O que está acontecendo na Argentina?
G - O governo Macri recorreu a um congelamento de 60
produtos da cesta básica, a um acordo com setores empresariais e a um
congelamento de tarifas públicas para tentar conter a inflação, que chegou a
54% em um ano, e, caso não fosse contida, poderia fugir do controle.
P- Mas por que a inflação?
G- Por uma mistura muito conhecida da América Latina e
dos brasileiros principalmente nas décadas de 80 e 90 de misturar medidas
contracíclicas (de estímulo à economia), com ajuste fiscal imposto pelo FMI e
logo após uma crise cambial que tivemos no ano passado. A desvalorização do
peso causou pressão de custos em vários setores, e os desorganizou, a economia
argentina é muito mais dependente da questão cambial que a brasileira. Por
outro lado, o ajuste fiscal é desgastante politicamente, pesado no sentido de
controle de caixa, mas apenas paliativo, pois não foram feitas reformas
profundas. Uma mistura bombástica de inflação e recessão, resultado da
administração sucessiva de crises com soluções paliativas.
P- Mas o congelamento e controle de preços funciona?
G- Está comprovado que não, nunca funcionou no médio
prazo. É uma medida desesperada de curtíssimo prazo. O congelamento de tarifas
públicas leva a déficit, a subsídio, piora as finanças públicas, e o próprio
congelamento pode gerar problemas de desabastecimento e ágio.
Quem viveu as décadas de 80 e 90 aqui e lá conhece bem
essa história.
P- Mas Macri foi eleito com um conceito de economia
liberal, defendendo o liberalismo.
G- Sim, mas na prática nunca conseguiu praticar esses
princípios, pois a "herança maldita" da gestão populista na economia
dos anos Kirchner foi extremamente pesada. Inicialmente, focou na melhoria do
ambiente e em medidas graduais; não funcionou, a economia não reagiu, houve uma
pressão especulativa sobre o peso no ano passado e a Argentina precisou
recorrer ao FMI. A partir daí, passou a combinar medidas fiscais com tentativas
pontuais de reanimação da economia. Mas a fase é crítica, com exceção da
agricultura, a economia da Argentina está estruturalmente muito abalada. O
fantasma da inflação junto com baixo crescimento se formou, e Macri tem uma
reeleição pela frente.Macri tinha ideia liberal de não criar mais heterodoxias
na economia, mas precisou dançar conforme a música. Pagou o preço de adiar
reformas profundas que deveria ter feito no primeiro ano de governo.
P- Ou seja, esse congelamento pode ter um caráter
eleitoreiro?
G- Possivelmente sim, estanca uma questão no curto prazo,
dá uma sensação de alívio em parte da população, principalmente os mais pobres,
mas desorganiza a economia, os preços, e dá um sinal muito ruim de futuro. A
inflação poderia ameaçar Macri politicamente muito mais.
P- A reeleição de Macri em outubro estaria, então, agora
em xeque?
G- As medidas teoricamente aumentariam as chances de
Macri sob uma ótica populista, para uma possível ressaca econômica logo após as
eleições; são medidas que em 6 meses já começam a mostrar resultados
desastrosos após uma euforia inicial. Mas talvez Macri e seu grupo ainda sejam
a melhor alternativa que a Argentina tenha nesse momento, as outras trazem o
fantasma do populismo. Uma volta do peronismo ou outra forma de populismo nas
eleições seria jogar gasolina na fogueira.
P- Há perigo de efeito Orloff, de termos algo semelhante
no Brasil em um futuro próximo?
G- São realidades bem diferentes, hoje; a situação da
Argentina é muito mais aguda, pelo acúmulo de graves crises. Mas, em um cenário
muito pessimista de chegar ao fim de 2020 sem conseguir aprovar nenhuma reforma
, buscar medidas expansionistas para crescer a qualquer custo, e corrida
cambial, poderíamos ter um repique grave de inflação no Brasil. Mas não vejo essa hipótese como a mais
provável, nem a atual equipe econômica fazendo isso, sequer em um cenário
desfavorável.