Ele vai trabalhar por US$ 1, seus similares nacionais
poderiam pelo menos respeitar os tetos constitucionais
Donald Trump fixou em um dólar o seu salário anual.
Perderá US$ 1,6 milhão, uma mixaria para quem tem um patrimônio estimado em US$
3,7 bilhões. Pode-se dizer que isso é coisa de demagogo. Ou de vigarista. Esse
foi o adjetivo que lhe dedicou Michael Bloomberg, outro bilionário. Como
prefeito de Nova York de 2002 a 2013, ele assumiu o mesmo compromisso e recebeu
exatos US$ 12.
Bloomberg foi um grande prefeito, e Trump é uma grande
ameaça. Ambos emitiram um sinal. Se alguém lhes contasse que no Brasil os
governos da União e dos estados têm tetos constitucionais para os salários de
seus servidores, mas eles são sistematicamente descumpridos, veriam nisso uma
oportunidade para mostrar aos eleitores por que entraram na política.
Quem estoura os tetos não são os servidores que tomarão
ferro com a reforma da Previdência ou os que estão sendo chamados a pagar a
conta da farra do Rio de Janeiro. Estourar teto é coisa para maganos, grandes
burocratas, magistrados e até mesmo professores universitários. Ninguém faz
nada ilegal, e aí é que está o problema. Dentro da legalidade, fabricam-se
mimos que, livres da dentada do Imposto de Renda, custam à Viúva algo como R$
10 bilhões anuais. Esse dinheiro seria suficiente para salvar as finanças do
Rio por um ano e ainda sobraria alguma coisa.
Quando aparecem os mimos da magistratura e dos
procuradores, vem a grita de que se pretende mutilar a independência do
Judiciário. Se alguém divulga a lista de premiados do magistério, vê-se uma
ameaça à autonomia universitária. Quem pede para ver o preço dos auxílios e
vantagens do Legislativo é um perigoso cerceador das liberdades públicas.
Ministros da caravana de Temer, muito bem aposentados antes de completar 60
anos, informam que o Brasil precisa reformar sua Previdência e continuam
acumulando os contracheques que produzem a ruína fiscal.
Cada corporação beneficiada embolsa em silêncio, deixando
a defesa de seus interesses a cargo de vagas associações de classe. A dos
magistrados chegou a criticar os ministros do Supremo que condenaram
“gambiarras” e “puxadinhos” que levam os salários de desembargadores a R$ 56
mil (MG), R$ 52 mil (SP) e R$ 39 mil (RJ), quando o teto salarial dos
servidores é de R$ 33,7 mil. Um levantamento dos repórteres Eduardo Bresciani e
André de Souza mostrou que a Justiça tem pelo menos 13.790 servidores ganhando
acima do teto.
Chega a ser uma malvadeza acreditar que o Judiciário é o
pai da farra salarial dos marajás. Ele é apenas o mais astuto e, muitas vezes,
o mais prepotente. Podendo ser parte da solução, decidiu se transformar em
paladino do problema.
Trump e Bloomberg toparam trabalhar por um dólar, mas são
bilionários. A magistratura brasileira poderia limpar esse trilho, decidindo
que nenhum servidor, a qualquer título, pode levar para casa mais de R$ 33,7
mil mensais. Ninguém passará fome.
Infelizmente, em junho passado o juiz mineiro Luiz
Guilherme Marques pediu para ficar sem o seu reajuste enquanto durar a crise da
economia nacional. Dentro da lei, ele ganha R$ 41 mil líquidos. O Tribunal de
Justiça de Minas Gerais indeferiu seu pedido, pois salário é coisa
“irrenunciável”.