TRF4 repele recurso de Lula contra bloqueio dos seus bens e dos R$ 9 milhões

MANDADO DE SEGURANÇA (TURMA) Nº 5039007-66.2017.4.04.0000/PR
RELATOR
:
JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
IMPETRANTE
:
LUIZ INACIO LULA DA SILVA
ADVOGADO
:
CRISTIANO ZANIN MARTINS
IMPETRADO
:
Juízo Federal da 13ª VF de Curitiba
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO


           Trata-se de mandado de segurança impetrado por LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA em face de decisão que, nos autos do Sequestro - Medidas Assecuratórias nº 5050758-36.2016.4.04.7000/PR, relacionado à denominada 'Operação Lava-Jato', determinou o bloqueio de bens do impetrante a fim de assegurar a reparação do dano a que foi condenado nos autos da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
            
           Sustenta a defesa, em apertada síntese, ser cabível a utilização de mandado de segurança, uma vez que se trata de decisão teratológica, fundada em cogitação do Ministério Público de que ocorreria a dilapidação do patrimônio do impetrante após sua condenação em processo judicial, motivo pelo qual foram bloqueados valores até o limite de R$ 16 milhões, correspondentes aos danos reparáveis fixados na sentença.
            
           Alega que a sentença tratou o impetrante de modo diverso dos corréus José Aldemário Pinheiro e Agenor Franklin Magalhães Medeiros, porque para estes não foi imposta a obrigação de integral reparação dos danos como condição para a progressão de regime.
            
           No mérito, sustenta que (a) o Ministério Público Federal é ilegítimo para requerer o arresto nos autos, porquanto esta pretensão deveria ser solicitada pela vítima (art. 144 do CPP), ressalvado apenas quando houver interesse da Fazenda Pública, o que não é o caso da Petrobras; (b) há confusão entre reparação dos danos e produto ou proveito do crime; e, neste aspecto, o produto ou proveito do crime pelo qual o impetrante foi condenado seria apenas o apartamento triplex, já confiscado na sentença; (c) a sentença fixou indenização para os réus, mas aplicou indevidamente os dispositivos do art. 91 do Código Penal, sendo incabível a aplicação de medida assecuratória, porque inadequado o sequestro de valores ou bens com origem lícita; (d) os bens constritados por sequestro foram adquiridos antes dos fatos, não tendo, portanto, origem ilícita; (e) é incorreto o critério adotado na sentença para a fixação dos danos em R$ 16.000.000,00 a ser ressarcido pelo impetrante, pelo que não se justifica o bloqueio de todos os seus bens, em especial com base em condenação judicial fundada em corréu aspirante a colaborador; (f) não existe risco de dilapidação do patrimônio do impetrante. Requereu a concessão de liminar para sustar o ato judicial para restabelecer a disponibilidade dos bens e valores do impetrante e, ao final, a concessão da ordem.
            
           A defesa aditou a inicial, asseverando que houve determinação de transferência dos valores bloqueados pelo BACENJUD para conta judicial, o que justificaria o aditamento. Reprisa argumentos da exordial para a seguir insurgir-se contra a transferência referida, dizendo que se trata de conversão do arresto em penhora. Diz que a autoridade impetrada é incompetente para a prática do ato, que somente poderia ser determinada pelo juízo cível, nos termos do art. 387, IV e 63, ambos do CPP. Pede a nulidade da decisão, por manifesta incompetência da autoridade impetrada para prática do ato, o qual atinge inclusive valores necessários à subsistência do impetrante, argumentando que 'a decisão ora tratada foi proferida em medida cautelar incidental relativa à ação penal que já foi sentenciada pela autoridade coatora, exaurindo sua atividade jurisdicional. Não poderia a autoridade coatora, portanto, promover novos atos relativos à medida cautelar anteriormente deferida'. Reitera o pedido de concessão de liminar e, ao final, a confirmação da segurança.
            
           É o relatório. Passo a decidir.
            
           1. Segundo a redação do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, é cabível mandado de segurança para a proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la.
            
           O direito líquido e certo a que se refere a lei é aquele manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração, devendo estar expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições para sua aplicação, de modo que a certeza do direito possa ser aferida de plano, independentemente de instrução.
            
           O deferimento de medida liminar em mandado de segurança, respeita a regra inserta no art. 7º, III da Lei nº 12.016/2009, que diz:

Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

           Pois bem, nada obstante a possibilidade de intervenção cautelar do juízo recursal, não basta apenas que o direito invocado seja plausível, mas também que o indeferimento da liminar resulte no perecimento do direito. Ou seja, os requisitos são cumulativos, de maneira que a ausência de um deles desautoriza a suspensão do ato impugnado.
            Por certo que não se desprezam os fundamentos invocados pela defesa na inicial. Ao contrário, traz a impetração argumentos ponderáveis sobre a  (in)validade da decisão de primeiro grau que, todavia, devem ser examinados com maior acuidade e dentro dos limites do mandado de segurança pelo órgão Colegiado.
            
            Porém, o pedido de provimento judicial precário esbarra na ausência de urgência. Considerando que o deferimento da liminar impõe que se equilibre a necessidade sob a ótica do mínimo suficiente, não socorre o impetrante a alegação genérica de que a constrição é capaz de comprometer a subsistência do impetrante, ex-Presidente da República, recebendo o auxílio que lhe é devido em decorrência da ocupação do cargo.
            Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.
            
           Solicitem-se as informações necessárias à autoridade coatora.
            
           Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal para parecer.
            
            
Porto Alegre, 25 de julho de 2017.


Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Relator


José Nêumanne - A República dos sem-vergonhas

"O historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927), colega de classe de padre Cícero Romão Batista no seminário de Fortaleza, não ficou famoso por causa disso, mas por uma piada, seu projeto de Constituição, que rezava, categórico: 'Artigo 1.º : Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Artigo 2.º: Revogam-se as disposições em contrário'.
Nenhum de nossos projetos constitucionais teve o poder de síntese dessa chacota, que de tão atual se tornou denúncia. A cada nova legislação este país se torna cada vez mais a 'república dos sem-vergonha'. E a sociedade dos otários espoliados. A primeira página do Estado de anteontem registrou: Câmara quer mudar delação premiada e prisão preventiva. E a notícia a que ela se refere, da lavra de Isadora Peron, da sucursal de Brasília, completou: 'Também estudam revogar o entendimento de que penas podem começar a ser cumpridas após condenação em segunda instância'.
Na mesma edição deste jornal, que se notabilizou pelas lutas pela abolição da escravatura, pela proclamação da República, contra o Estado Novo e a ditadura militar, os repórteres de política Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho relataram a saga de Vicente Cândido (PT-SP) para promover uma reforma política que inclua um Fundo Partidário de, no mínimo, R$ 3,5 bilhões; o distritão, em que só os mais votados para deputado se elegem; e, last but not least, a 'emenda Lula. Esta merece destaque especial, por impedir que postulantes a mandatos eletivos sejam presos oito meses antes da data marcada para a eleição, mesmo que só venham a ter suas candidaturas registradas oficialmente quatro meses após esse prazo. O nome do presidenciável do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual milita Sua Candidez, é usado como marca registrada da emenda por atender ao fato de que Luiz Inácio Lula da Silva acaba de ser condenado a nove anos e meio de prisão e proibido de ocupar cargos públicos por sete anos pelo juiz Sergio Moro, na Operação Lava Jato.
A proibição de prender quem avoque sua condição de candidato é a mais abjeta das propostas do nada cândido (claro, impoluto) relator, mas não é a que produzirá, se for aprovada pelo Congresso Nacional, mais prejuízos, em todos os sentidos, para a cidadania. As medidas cinicamente propostas pelo 'nobilíssimo' parlamentar produzem, em conjunto, um despautério que provocaria a aceleração do enriquecimento dos partidos e de seus representantes, em particular os dirigentes, sob a égide de um sistema corrupto e que trava a produção e o consumo, empobrecendo a Nação. O financiamento público das milionárias campanhas eleitorais legaliza a tunga ao bolso furado do cidadão.
Ex-sócio do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que não sai do País para não ser preso pela Interpol, Sua Candura-mor, o deputado ecumênico, integra o lobby a favor da legalização dos cassinos e foi um dos idealizadores da campanha de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara. A reforma ressuscita uma ideia que nunca pareceu ter muito futuro e sempre foi apregoada pelo presidente Michel Temer: o distritão. Trata-se da volta do tílburi ao Vale do Silício, pois reduz a pó as tentativas vãs de tonificar a democracia, dando mais força aos partidos, e estimula o coronelismo partidário, usando falsamente a modernização, confundindo-a com voto distrital.
O Estado noticiou que o patrimônio de Cândido aumentou nove vezes nos últimos nove anos (descontada a inflação no período). Neste momento, em que as arenas da Copa do Mundo da Fifa em 2014 – de cuja lei foi relator – têm as contas devassadas por suspeitas de corrupção e um juiz espanhol mandou prender o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, o eclético parlamentar achou um parceiro no Senado: o relator da reforma política e líder do governo Temer na Casa, Romero Jucá (PMDB-AP).
Enquanto Cândido e Jucá providenciam a engorda dos cofres partidários para garantir as campanhas perdulárias, que vinham sendo feitas à custa de propinas milionárias, a comissão especial da reforma do Código de Processo Penal (CPP) batalha pelo abrandamento da legislação de combate à corrupção no Brasil.
A reforma do CPP, que é de 1941, foi aprovada no Senado em 2010. Na Câmara ficou esquecida até o ano passado e foi desengavetada durante o mandarinato do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba. O presidente da comissão especial que discute as mudanças na Casa, deputado Danilo Forte (PSB-CE), que apareceu recentemente na lambança de Temer ao tentar atravessar a adesão dos dissidentes do PSB ao DEM, discorda de presos fecharem acordos de delação premiada com procuradores.
Forte também considera que é preciso punir juiz que desrespeite as regras da condução coercitiva, que deveria ser empregada apenas se uma pessoa se negar a prestar depoimento. O presidente da comissão especial parece até ter inspirado sua ideia na recente decisão de Nicolás Maduro, que ameaçou de prisão os juízes que o Parlamento da Venezuela – de maioria oposicionista e contra a Constituinte que ele quer eleger no domingo, no modelo da pregada por Dilma – escolheu para a Suprema Corte.

A reforma política de Cândido e Jucá e as mudanças no CPP propostas por Forte, aliado de Temer, evidenciam tentativas de adaptar as leis eleitorais e penais do País aos interesses pessoais de chefões políticos encalacrados nas operações, Lava Jato entre elas, inspiradas em convenções da ONU, da OEA e da OCDE contra a roubalheira geral, importadas por Fernando Henrique e Dilma e agora ameaçadas pelos que defendem a impunidade de quem for flagrado. Esse 'acordão', que denota fraqueza e sordidez, põe o Brasil, já na contramão da prosperidade, também na trilha oposta da luta contra o roubo. Aqui a vergonha empobrece o portador."

Artigo, Guilherme Villela, Zero Hora Online - Mais Honesto Vou Ficar

Guilherme Socias Villela: Mais Honesto Vou Ficar
Ex-prefeito de Porto Alegre

A frase do título em tela é um excerto, quase ipsis litteris, de um manifesto proferido pela cantora e compositora Ana Carolina. No início refere-se ao que se aprendia na infância: não roubarás; meu filho devolve o lápis de cor e a régua do teu coleguinha de aula; não mintas; se afasta das más companhias — e assim por diante. Hoje, aduz, o que se vê na política são cuecas e malas cheias de dólares, fraudes, lavagem de dinheiro, propinas, compra de votos, roubalheiras e o escambau — todos viajando na bagagem nacional da hipocrisia e da impunidade. À colação, revela o que há de mais sórdido. Obsceno. Indecente.
Em outro nível de reflexão, assevera o escritor João Ubaldo Ribeiro: a esperteza é moeda mais valorizada do que o dólar. Não dá para deixar jornais em caixas nas calçadas para que alguém os compre, deixando os demais onde estão! Pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam dos órgãos públicos por não limparem os esgotos. Fazem "gatos" para roubar luz, e água e TV a cabo — elevando a conta dos outros. Passageiros jovens de um ônibus fingem que dormem para não dar lugar para os mais idosos ou para mulheres grávidas. Finaliza com a asserção que pouco adianta apenas mudar os governantes porquanto, na sequência, se repete a desonestidade e a impunidade institucionalizadas.
Assim, o que se observa é que a coleção de escândalos nacionais contemporâneos resulta de um mínimo de disciplina e uma imensa falta de compostura social — questão que vem de longe, diriam, entretanto mais e mais aparecem a ponto de alguns setores acharem que a corrupção passou a ser socialmente aceita. Absurdo!
O protesto da cantora finaliza com algo assim: "Mas minha esperança é a última que morre! Mais honesta ainda vou ficar, só de sacanagem!"
Por fim, o talento do referido escritor lembra que somos nós e os governantes que têm que mudar. "Estou seguro que vou encontrar um dos responsáveis por isso tudo: começo olhando-me no espelho."

É por aí, saudoso João Ubaldo.