O repórter Rodrigo Oliveira apresentava um programa de esportes na Rádio Gaúcha quando, sem mais nem menos, passou a fazer a apologia da cantora Anitta. Nem pensei que houvesse um "motivo oculto". Mas achei aquilo muito estranho e fiquei com antenas ligadas.
Dias antes, ela havia tido a música mais acessada em todo o mundo no Spotify. E ele falou do "orgulho para os brasileiros", comparou-a com Ayrton Senna e adjetivou de "genial" o "talento" de Anitta.
Talvez ela seja a sucessora de Villa-Lobos ou, vá lá, de Tom Jobim...
Aí lembrei que jornalistas são profissionais da palavra. E me veio a reação de Ariano Suassuna em caso análogo: se o adjetivo para essa pessoa é genial, que palavra usar para adjetivar alguém como Beethoven?
Em termos musicais, qual é a contribuição estética de Anitta? Qual de suas letras tem alguma relevância? Porque essa é, sim, a questão, em se tratando de avaliar o talento de alguém que compõe e interpreta.
Acaso o talento pode ser medido pelo número de acessos no Spotify? Aliás, será que Anitta venderia tanto sem a sua "performance pubiana"?
Duvido que uma obra-prima venha a ser top no Spotify. A massa (triste maioria) prefere o bizarro ao sublime, o excitante ao instigante, o prazer imediato ao esforço construtivo. E o interesse comercial do Spotify investe nessa maioria... Dirão que esse dado é irrelevante?
Por conhecer a figura, encarei com reserva aquela fala: Anitta é útil à "desconstrução cultural" arquitetada pela Escola de Frankfurt, da qual ela não tem a menor ideia (nem o repórter!). E aquela apologia era uma propaganda para tornar desejável um produto repulsivo.
Porém, não se trata, frise-se, de julgar a pessoa, mas de analisar um trabalho e um comportamento que têm grande repercussão social.
Fui para a internet, claro. De cara, encontrei uma tentativa de inibir os críticos: "quem critica Anitta não aceita o seu sucesso", dizem. Não é o meu caso. Fui em frente. E logo conheci "Envolver", gravada em espanhol, a degenerescência que alçou Anitta ao topo do Spotify.
Que dizer? Em termos rítmicos, aquilo é simplesmente desprezível: qualquer desapetrechado é capaz de, batucando numa mesa de bar, imitar aquela batida por demais simplória e sem graça.
Em termos melódicos, é sofrível, com efeitos editados no computador e sem nenhuma inspiração (nem cabe falar de "harmonias").
O pior, porém, é a letra: como as demais de sua lavra que examinei, fala de "acasalamento", não de vínculo; da ditadura dos instintos, não de amor. Ou seja, tira do sexo o que possa haver de amoroso e delicado para reduzi-lo a uma relação de consumo em que "o outro" é mero objeto para a satisfação de desejos viscerais e de fantasias egoístas.
Na "obra musical" dessa moça, que vem naturalizar a falta de limites, mulheres se comportam como fêmeas no cio; homens, como machos guiados por feromônios - sempre a exaltação do lado animal, não do humano.
A arte, com o idioma da sensibilidade, revela realidades e instiga o pensamento, elevando o espírito. Já o produto que Anitta comercializa só apela aos instintos e excita os sentidos para despertar no público consumidor o que lhe é mais primitivo. Tanto pior para as mulheres...
O que acontecerá com a cabeça de quem repete, repete, repete suas letras e suas fantasias? Alguém sabe? O que hoje é sabido, sim, é que, seja numa situação real, seja numa imaginária, nosso cérebro reage da mesma forma. Isso é neurociência! Sejamos responsáveis, pois!
É no mínimo esdrúxulo que gente "com escolaridade" (não diria "culta"), atenta ao politicamente correto, tenha-lhe admiração por considerá-la um "case" de marketing, isto é, por ela ter muita astúcia para ganhar e administrar seu dinheiro. Quanto ao produto do seu negócio, nada!
Por fim, entendi tudo. Descobri que havia um "motivo oculto". A opinião do repórter da Gaúcha (igual à do pessoalzinho do Fantástico) vinha do fato de que Anitta quis liderar uma campanha contra Bolsonaro.
Bem, desse jeito, com tanta gente depravada a tomar partido contra o presidente da República, ele é bem capaz de ser reeleito.
Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
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