O ministro Luís Roberto Barroso, em longo artigo,
assinalou alguns pontos interessantes sobre as questões que afetam o Supremo
Tribunal Federal. Mas a leitura atenta demonstra porque o STF anda tão confuso,
meio sem rumo, sem clareza do seu papel, mais do que em qualquer outra época.
Segundo o ministro, o maior problema do STF são os
recursos extraordinários (RE) que congestionam a pauta – 85% dos processos.
Normal, uma vez que é através dos RE que o tribunal decide sobre questões
constitucionais, a mais relevante das suas funções.
O ministro tem uma solução “brilhante” para resolver o
problema: o STF só passaria a acolher o número de recursos extraordinários que
poderia julgar. Haveria, antes, uma pré-seleção, “feita mediante critérios
discricionários mas transparentes”, e os processos que ficassem além do limite,
transitariam em julgado, isto é, acabariam.
É ou não é brilhante? Quem é selecionado pode obter o
exame e julgamento do seu recurso. E quem fica de fora perde a causa sem
julgamento. Uns têm o direito ao recurso, outros estão excluídos. Teremos
então, cidadãos e empresas de primeira e segunda classe, os que merecem (e têm
sorte) a atenção da Corte Suprema, e os que são excluídos, através de critérios
“discricionários, porém transparentes”.
Mas isso nem é o pior no artigo. Barroso considera que o
STF tem uma função “iluminista”, que visa “derrotar a cultura da desigualdade,
da apropriação privada do que é público, do compadrio no andar de cima, que
sempre adiou o futuro do país”. Ninguém pode ser contra tais propósitos.
Mas o que vem a ser isso? Cada um tem sua própria receita
para atingir tão nobres e elevados objetivos. Esse iluminismo todo parece ser
dirigido apenas para o setor privado, que é onde se produzem os bens, os
serviços e as riquezas do país. Ele compreenderia, por acaso, talvez, a
desigualdade entre os trabalhadores do serviço público e os trabalhadores
privados, em remuneração e em direitos? Diz respeito também à apropriação que
as corporações do serviço público fazem dos recursos do Estado, como na
previdência? No andar de cima, no raciocínio do ministro, está também o maior
de todos os compadrios, que são as corporações do serviço público?
Em que andar mora ele, Barroso, o de cima ou o de baixo?
De que iluminismo estamos falando, quem define qual iluminismo vai presidir as
ações do Supremo?
Barroso é pretencioso, e não é apenas uma rima. Segundo
ele, o STF deve, em certas circunstâncias, “empurrar a história”. Ele diz que
em alguns momentos cruciais no processo civilizatório a razão humanista precisa
impor-se sobre o senso comum majoritário. Muito bem. E quem estabelece o que
seja um “momento crucial”? E para que lado deve-se “empurrar” a história?
Para Barroso, este papel iluminado, este olhar de
vanguarda virtuosa para o futuro, é função do estrito colégio de notáveis – não
de todos, aliás, eis que o ministro tem lá seus desafetos. O palácio de sábios,
o STF, então, embora envolvido o tempo todo em um turbilhão de intrigas e
desavenças, traça nosso destino, define nosso comportamento e nos mostra o
caminho do bem, da verdade e da vida. Deuses, é o que são.
titoguarniere@terra.com.br