No mundo dos juros baixos, quem quiser ter aposentadoria
elevada terá de poupar mais
Inicio com este artigo uma relação que torço para que
seja longa e profícua com os leitores do jornal O Estado de S. Paulo, após
quase 20 anos escrevendo em outro veículo. Embora eu tenha sido um colaborador
bissexto do Estadão, com publicações avulsas, o contato agora será mais
regular e frequente, com encontros neste espaço uma vez por mês. Para mim é uma
satisfação, pela identidade de posições com a linha editorial do jornal e pela
história que este carrega. Procurarei, nos meus artigos, expor questões
econômicas de interesse do País, mas sempre com a preocupação de fazê-lo para
um público mais amplo que o que lê as páginas de economia do jornal. Espero ser
aprovado pelo julgamento dos leitores. Inicio esta etapa tratando de algo que
está há meses na mídia: a capitalização previdenciária.
O assunto entrou no debate do País ano passado e
provavelmente ficará entre nós por muito tempo. Penso que o tema pouco tem que
ver com a solução da crise fiscal, mas é fundamental como tema da educação
financeira do País. Com o intuito de colaborar para o melhor entendimento da
questão, em coautoria com Luis E. Afonso, desenvolvemos uma série de cálculos,
que foram apresentados no texto Alíquota previdenciária em um regime de
capitalização: uma contribuição ao debate. Ele foi publicado recentemente
como Texto para Discussão do BNDES, número 134, e está disponível
para os interessados no site www.bndes.gov.br.
O procedimento utilizado é simples: mostra-se a fórmula
que calcula o valor presente das contribuições, faz-se o mesmo com o valor
presente do que é recebido pela pessoa como aposentadoria complementar e
igualam-se as fórmulas. Assim, para cada combinação de valores de taxa de reposição
(porcentual da aposentadoria em relação ao último salário), número de anos de
contribuição, duração da fase de recebimento e taxa de juros, há uma única
alíquota de contribuição (porcentual da contribuição em relação ao salário) que
iguala o valor presente das duas equações. “Valor presente”, em economia, é a
expressão, a preços de um determinado momento, de fluxos distribuídos ao longo
do tempo (meses ou, no caso em questão, anos).
Um exemplo ajuda a entender a lógica. Imaginemos um homem
que começa a trabalhar e contribuir com 20 anos de idade, planejando se
aposentar e passar a ter uma renda complementar a partir dos 60 anos,
pretendendo receber essa aposentadoria complementar por mais 20. Se a sua renda
for estável na sua vida ativa e se o rendimento real da sua aplicação for nulo,
para ter uma aposentadoria igual ao salário ele precisaria contribuir com 50%
dele. Isso porque esse valor, acumulado por 40 anos, permitiria arcar com uma
renda igual ao salário durante 20 anos.
O mundo, porém, é mais complicado. Há dois
parâmetros-chave, na forma de taxas, que afetam esse cálculo. O primeiro é o
crescimento salarial: é pouco realista assumir que o indivíduo que começa
ganhando xis vai conservar sua renda estável durante 35 ou 40 anos. Em geral,
as pessoas fazem progressos na carreira e isso redunda em maiores remunerações.
E nesse caso pequenas variações fazem uma grande diferença. Se uma pessoa que
começa ganhando R$ 5 mil tiver um incremento real de 1% ao ano, em 35 anos
estará ganhando R$ 7.083. É evidente que, se ela pretende se aposentar com o
último salário, terá de contribuir muito mais para receber R$ 7.083 do que para
receber R$ 5 mil. Maiores taxas de crescimento salarial, neste caso, implicam
maiores contribuições.
O segundo parâmetro crítico que afeta essas contas é a
taxa de juros. Na prática, no Brasil dos últimos 30 anos elas foram
responsáveis por parte importante da poupança acumulada pelas pessoas na ativa.
Um suíço, acostumado à estabilidade do seu país, com juros secularmente baixos,
precisa poupar muito para acumular certo valor aos 60 anos. Já um brasileiro –
noves fora um ou outro “calote” que possa ter sofrido no meio do caminho – não
precisou abrir mão do consumo da mesma forma, pois uma contribuição menor
gerava valores que iam se acumulando rapidamente, com as taxas de juros reais
enormes que tivemos. R$ 1 mil, 35 anos, depois, continuam sendo R$ 1 mil com
juros nulos, mas atingem espantosos R$ 7.686 depois de 35 anos, com juros reais
de 6 % ao ano. Neste caso, então, taxas maiores implicam uma menor necessidade
de contribuição.
Ao mesmo tempo, é claro que o cálculo do que poderíamos
denominar “alíquota de equilíbrio” é afetado por outros dois parâmetros
fundamentais, que são 1) o número de anos de contribuição, na fase de acumulação;
e 2) o número de anos de realização de saques, na etapa de retiradas.
Matemática financeira é algo que deveria ser matéria
obrigatória no ensino médio. Ela tem a vantagem de introduzir no indivíduo a
noção de que não existe mágica. A pessoa gostaria de ganhar mais ao se
aposentar? Perfeito, vai ter de contribuir mais ou por mais tempo, ou
distribuir os saques num número menor de anos – não ser que dê sorte e os juros
sejam muito elevados, e nesse caso não precisará poupar tanto.
Os números das alíquotas de equilíbrio atuarial a que
chegamos no trabalho fornecem algumas pistas, por exemplo, no caso em que a
pessoa contribua por 35 anos – digamos, desde os 20 – para fazer saques durante
30. Imaginemos que a variação salarial na vida ativa da pessoa seja nula e os
juros sejam de 6%. Nesse caso, com perto de 12% de contribuição sobre o
salário, a pessoa consegue se aposentar com o último salário. Sejamos mais
realistas, porém, supondo 1% de incremento salarial anual na carreira e um juro
real de 4%. Nesse caso, a contribuição de equilíbrio requerida passa a ser de
quase 29% do salário. Durante 35 anos! No mundo dos juros baixos, quem quiser
ter uma aposentadoria elevada terá que poupar mais.