Artigo, Guilherme Fiúza, Gazeta do Povo - "WhatsApp é gópi


Se você pensa que viver fantasiado de herói progressista é moleza, está enganado. A vida é dura. Pensa que é só inventar uma mentira charmosa, dessas que funcionam maravilhosamente no Facebook, no Baixo Gávea e na Vila Madalena, e viver disso para sempre? Negativo.

Você terá que ser mais e mais criativo, se superar a cada dia – até chegar às raias da genialidade ao propagar que o WhatsApp ameaça a democracia. Sim, você pode! Mas não pense que é fácil.

Tudo começou quando deu errado o truque de reabilitar os bandidos gente boa do PT lutando contra a ditadura do século passado. Até chegou-se ao milagre de levar ao segundo turno o partido que depenou o Brasil, mas aí o Ibope e o Datafolha – que vinham sendo super legais e parceiros – tiveram que desmontar aquele cenário da vitória final inevitável contra a caricatura da direita, tão bem alimentada por mais de um ano.

Deu ruim, e o jeito foi mostrar a real: Haddad morrendo na praia de novo.

Mas se você é um suposto gladiador da elite cultural, ideias não te faltam. Quem passou mais de ano espalhando fake news do Rodrigo Janot, transformando açougueiro biônico (laranja bilionário do Lula) em denunciante da corrupção generalizada, pode criar outras narrativas espertas.

Foi assim que a cruzada do petismo enrustido foi dar nos costados do WhatsApp. A mensagem é clara: só quem está autorizado a espalhar fake news é veículo de mídia tradicional aparelhado pela narrativa politicamente correta. Ou seja: você só pode veicular notícia falsa se ela tiver sido produzida genuinamente pela sua empresa. Como o WhatsApp não produz notícia, não tem a prerrogativa de espalhar mentira.

Fica combinado assim: Lula ia salvar a democracia de dentro da cadeia e foi impedido por um golpe de estado do WhatsApp. Quem achar a formulação complexa demais, peça ao companheiro Cid Gomes para resumir.

Decidido o novo script dos cafetões da bondade, todos se tranquilizaram e partiram para o bom e velho show de bravura cívica a 1,99. Surgiu inclusive um slogan “ditadura nunca mais”, com um complemento que acabou não circulando, mas nós publicamos a seguir:

Ditadura nunca mais, a não ser uma como a do Maduro, ou a do Ortega, ou a do Kadhafi, ou a do Ahmadinejad, ou a do Saddam, ou a de algum outro amigo do Lula que arranque o couro do povo sem perder a ternura e a simpatia do Roger Waters. O resto a gente não aceita.

E o show tem que continuar. Preocupado com a liberdade de expressão, o grupo de artistas e intelectuais decidido a garantir a qualidade do conteúdo nas mídias e no WhatsApp deveria criar logo uma junta de notáveis para tomar conta disso. Alguns nomes naturais, dado o histórico do movimento, seriam os dos pensadores Nicolás Maduro, Lindbergh Farias, Robert Mugabe e Renan Calheiros.

Para mostrar que quem ameaçar a democracia eles prendem e arrebentam, poderiam difundir com mais intensidade o vídeo do professor Haddad explicando por que Stalin era melhor que Hitler: porque, diferentemente do nazista alemão, ele lia os livros de suas vítimas antes de fuzilá-las. Não é lindo?

Vai ver é por isso que há editores de livros no manifesto democrático em defesa do poste iluminado do PT.

O importante é afirmar, em defesa do estado de direito e das liberdades individuais, que o WhatsApp é golpista – e nós podemos provar. Por exemplo: estava tudo correndo perfeitamente bem na democrática operação de abafar a notícia de que o PT, na sua metamorfose verde-amarela, apagou seu apoio à ditadura pacifista e sanguinária do companheiro Maduro.

Se acabamos de demonstrar que Stalin é um ser evoluído, é claro que está tudo certo com a prática de fazer informações sumirem do mapa e, também, com a consequente ocultação do expurgo.

Aí o que faz o WhatsApp? Espalha essa informação que tinha sido tão bem escondida. É ou não é golpista?

Outra notícia que estava fora das manchetes e esse aplicativo fascista mandou para todo mundo foi a da conclamação do companheiro Boulos à invasão da casa de Bolsonaro. É o tipo da informação irrelevante, considerando que Boulos é ex-companheiro de partido do homem que tentou matar o candidato com uma facada – portanto está todo mundo cansado de saber que o negócio deles é barbarizar geral, nenhuma novidade aí.

O Brasil não sabe o que será o provável governo Bolsonaro. Mas os progressistas de carnaval que cultivaram tão dedicadamente a polarização burra em que o país entrou já sabem o que farão: atiçarão sofregamente a boçalidade para tentar continuar vivendo (bem) como vítimas profissionais."

Banco já se prepara para ser alvo de auditorias no próximo governo


Valor Econômico - 19/10/2018

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem se preparando, internamente, para a transição de governo em um cenário em que a instituição deverá ser alvo, novamente, de investigações e de auditorias. A promessa de devassa no BNDES em um eventual governo de Jair Bolsonaro, conforme publicado nesta semana pelo Valor, não inquieta os técnicos do banco, que, desde 2015, vêm sendo submetidos a um escrutínio público permanente. Na coordenação de campanha de Bolsonaro, porém, há o entendimento de que a sociedade brasileira ainda não está satisfeita com as apurações realizadas envolvendo o banco.

Técnicos da instituição dizem que há reconhecimento, por parte de órgãos de controle externo e da área econômica do governo, de que o banco evoluiu em termos de transparência e foco de atuação. O BNDES argumenta que tem níveis de transparência elevados na comparação com outras instituições de fomento, casos do Nafin (México), BDC (Canadá), KfW (Alemanha), ICO (Espanha) e JFC (Japão).

O BNDES afirma que disponibiliza relatórios anuais na internet, tem Portal de Transparência com requisição de informação e possui estatísticas detalhadas on-line com identificação do cliente. Na área de mercado de capitais, o banco divulga uma série de informações e pretende ampliar esse conteúdo com dados sobre valores investidos, retorno geral da carteira e desinvestimentos feitos.

No caso do apoio à produtora de proteínas JBS, o banco instaurou uma comissão de apuração interna e não identificou nenhum fato relevante. Para aprofundar as investigações e dar maior segurança às informações financeiras do banco, auditadas pela KPMG e pela Grant Thornton, o BNDES contratou uma auditoria internacional independente, que está sendo conduzida pelos escritórios Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, dos EUA, e o brasileiro Levy & Salomão. Há informações de que essa auditoria possa estar concluída no mês que vem.

Na visão de integrantes da coordenação de campanha de Bolsonaro, o que se espera no BNDES, no próximo governo, é uma "investigação isenta". "Tem que fazer uma análise do que foi investigado e, se houver lacunas, aprofundar a investigação. Se não houver lacunas, se tudo foi coberto, é preciso dar maior transparência às informações", disse uma fonte. Para o interlocutor, as investigações feitas até agora não são suficientes. "As CPIs [sobre o BNDES] têm tom político, e as ações do TCU [Tribunal de Contas da União] e do Ministério Público trabalham com informações selecionadas [sem ver o quadro geral do banco]", disse a fonte.

Desde 2015, o BNDES foi objeto de três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) no Congresso; tornou-se alvo da Operação Bullish, da Polícia Federal, relacionada às relações do banco com a JBS; e enfrenta 88 processos administrativos no TCU que analisam operações do banco nas áreas de mercado de capitais, exportações, benefícios de recursos humanos e o relacionamento da instituição com o Tesouro, no âmbito das chamadas "pedaladas" fiscais.

Todo esse conjunto de investigações não resultou, no entanto, até o momento em funcionários do banco denunciados pela Justiça. No caso da JBS, houve o indiciamento, pela PF, do ex-presidente do banco Luciano Coutinho e de um exsuperintendente, Caio Melo, que está licenciado. Isso não impede, porém, que seus servidores continuem com medo de tomar decisões, sob risco de serem posteriormente responsabilizados pelo TCU. "Vive-se uma situação em que o gestor público [do BNDES] prefere não assinar nada", disse um técnico. Há, por outra parte, demandas para que o banco assuma riscos em projetos e atue nas "falhas de mercado".

No TCU, está a fonte maior de preocupação dos técnicos do BNDES. O receio deve-se ao fato de que os processos administrativos podem responsabilizar os servidores na pessoa física caso as decisões do tribunal concluam por dolo ao erário, por exemplo. Em casos em que o processo se transforma em Tomada de Contas Especial (TCE), há risco de bloqueio de bens pessoais dos funcionários. Dos 88 processos administrativos envolvendo o BNDES no TCU, 12 se transformaram em TCEs. Ao todo, mais de 200 empregados foram envolvidos nesses processos e 120 estão sendo responsabilizados em tomadas de contas individualizadas. Há ainda 66 pessoas respondendo por danos ao erário nos processos do TCU. Mesmo com a abertura de TCEs, cabe recurso antes de uma decisão final do tribunal. Os técnicos do banco entendem que é preciso criar um marco regulatório que dê segurança para o servidor tomar decisões e não ser posteriormente punido, mesmo que tenha atuado dentro da lei e das regras.

Na transição de governo, o banco também trabalha na produção de um "kit BNDES", formado por 23 documentos com resumos dos diferentes setores atendidos pela instituição. O "kit BNDES" busca dar visibilidade sobre três pilares: financeiro e crédito, planejamento estratégico e medidas para setores e para o país.

Novos tempos, nova tática


Novos tempos, nova tática - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 15/10

Esquerda atrelou o destino ao de um homem na cadeia, supondo que estava repetindo a história de Mandela

Manifestações dos leitores são um estímulo para avançar um pouco nesse oceano de emoções eleitorais. Alguns acham que trato de temas etéreos, que não interessam agora. Outros, que sou condescendente com Bolsonaro.

Talvez as pessoas estranhem que me dedique a um cenário pós-eleitoral, pois acho que o resultado do segundo turno é relativamente previsível. Os que me acusam de condescendente não percebem que estou tentando transferir uma experiência de relação com Bolsonaro para oferecer, se não uma tática, elementos de uma tática para o futuro próximo.

Minha experiência é de quem defendeu no Parlamento bandeiras que Bolsonaro ataca. As frases preconceituosas que ele eventualmente dizia são as mesmas que ouvimos nas ruas de todo o Brasil.

Minha relação com ele era de alguém que representava minorias, que até hoje apoio, com alguém que, no meu entender, estava mais perto do espírito majoritário das ruas.

Um ponto de convergência foi aluta contra a corrupção. Aliás, foi essa luta, nome utem pode político, que me permitiu disputar com alguma chance eleições majoritárias.

Minha atitude não foi ade rotular de fascista, misógino, racista ou homofóbico, mas compreender que, por baixo dessas reações populares, existe uma insegurança sobre as mudanças culturais, e é preciso buscar avanços que não provoquem um retrocesso maior. Discussões embaixo nível no Congresso contribuem para abrira Caixa de Pandora na sociedade. Hoje, infelizmente, está aberta.

O primeiro ponto de contato para enfrentara maioria, portanto, é afirmar que movimentos minoritários e culturais não precisam ser coniventes coma corrupção dos partidos de esquerda, ter vínculos com o poder, nem depender financeiramente dele. Delicado também será enfrentar a política ambiental de Bolsonaro, que pretende fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.

Compreendo que existam interfaces entre agricultura e meio ambiente. Mas os problemas ambientais são muito mais amplos: poluição urbana, destinação do lixo, redução das emissões, e há ainda o mar com seus corais, esperando uma ampla política de proteção.

Um ministro da Agricultura dificilmente seria capaz de cuidar de todos esses temas. Bolsonaro afirma que uma de suas missões é acabar coma indústria de multas do Ibama.

É um erro acenar com isso, embora possam existir multas excessivas ou mal aplicadas. O ideal seria uma política de preparação dos próprios agricultores para que pudessem produzir nas condições mais amigáveis ao meio ambiente.

Isso não é um argumento a penas ecológico, no sentido de preservara produção alongo prazo. As regras internacionais são cada vez mais exigentes: é também uma questão econômica.

Não pensem que não tenho consciência do enorme trabalho que teremos. Desde o princípio, afirmei que a tática da esquerda estava errada. Além de não reconhecer seus erros, atrelou o destino ao de um homem na cadeia, supondo que estava repetindo a história de Mandela.

Ao atrelar o destino a Lula, o PT escolheu o caminho mais difícil. E a esquerda saiu dividida. Ciro talvez fosse um pouco mais competitivo. Ainda assim, a onda era muito forte.

Isso tudo é passado. Estamos quase nomeio do segundo turno. As grandes escolhas foram feitas. Não criei essa situação. Forças poderosas estiveram em choque. É razoável que, prevendo o desfecho da batalha, comece a olhar para afrente, tentando desvendar, a partir da experiência, uma fórmula de lidar com o poder emergente.

Claro que, nos embates que nos esperam, outras posições vão surgir. Creio ter aprendido alguma coisa coma eleição de Donald Trump. Ali ficou claro que era preciso rever a tática, pois as críticas acusatórias só o faziam crescer.

Muita gente se disse surpreendida com o que aconteceu nas eleições. Algumas surpresas sempre acontecem. Mas quantos não quiseram ver, por achar que as coisas estavam se desenrolando de uma forma que não lhes agradava.

Bolsonaro era recebido por pequenas multidões nos aeroportos. Falava de luta contra a corrupção e, embora alguns concordem, foi e leque percorreu o Brasil defendendo-a.

Bolsonaro falava de segurança pública, e não houve um programa de segurança alternativa contra o seu. Vi seu crescimento e notei como os ataques o fortaleciam.

Só me resta agora segurara ondado jeito que aprendi. Não significa que esteja certo. Apenas uma voz.

J.R. Guzzo, Veja - Alta ansiedade


Vivemos momentos de "nervosia", palavra antiga, mas muito precisa, para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impaciência e hostilidade nas eleições

Muita coisa pode ser dita sobre as eleições presidenciais que chegam daqui a pouco ao seu turno decisivo, mas um dos pouquíssimos pontos em que todos estariam de acordo, talvez o único, é que nunca se viu na história deste país uma disputa política que deixasse tanta gente à beira de um ataque de nervos. Um ou outro dinossauro que estava vivo nas eleições de Getúlio Vargas em 1950, Juscelino Kubstichek em 1955 ou de Jânio Quadros em 1960, certamente dirá: “Não, não me lembro de ninguém, na época, que tenha tido algum surto de neurastenia tão desesperado por causa de eleição como esses que a gente vê hoje todo o santo dia”. Depois disso houve sete eleições seguidas para presidente ─ a que elegeu Fernando Collor, as duas de Fernando Henrique, mais as duas de Lula e, enfim, as duas de Dilma Rousseff. Saiu muita faísca, é claro, houve muito bate-boca e xingatório, e muita mãe acabou sendo posta no meio, mas em geral foi mais gritaria de torcida do que briga com fuzil AK-47 no alto do morro. Nem Dilma foi capaz de gerar a ira radioativa que explode agora do Oiapoque ao Chuí por causa de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad ─ e olhem que Dilma não é fácil, em matéria de despertar os instintos mais primitivos do eleitorado, como poderia dizer o ex-deputado Roberto Jefferson. E antes disso, em momentos remotos da nossa história política ─ será que não teria havido alguma campanha tão enfurecida quanto a atual? Antes disso, para falar a verdade, não havia eleições que pudessem ser realmente chamadas de eleições; o New York Times ou o Le Monde de hoje jamais aceitariam, por exemplo, as eleições de um Campos Salles ou um Washington Luís. Mais atrás no tempo, então, já se começa a falar no Regente Feijó ou em José Bonifácio ─ e aí é que ninguém sabe mesmo de absolutamente nada.

O fato é que estamos vivendo momentos sem precedentes de “nervosia” ─ palavra de uso antigo, mas muito precisa, para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impaciência e hostilidade geral que se levanta hoje em dia a cada vez que o cidadão diz que vai votar em Bolsonaro ou Haddad. Em geral, as brigas de campanha costumam se limitar aos próprios candidatos. Hoje, emigraram com mala e cuia para o meio de uma boa parte dos eleitores. É entre eles, e não nos palanques ou “debates” na televisão, que está havendo agora derramamento de sangue ─ inclusive de sangue mesmo. Não é preciso, para acender a banana de dinamite, gritar “Mito!” no meio de um ajuntamento petista, ou de vir com um “Lula Livre!” na comissão de frente de um bloco bolsonarista. O desastre, nesta campanha de 2018, pode acontecer no aconchego do seu próprio lar. Você diz que vai votar num ou no outro, e dali a pouco está formado um barraco rancoroso em sua casa, com a súbita troca de ofensas, palavras malvadas e ressurreição de velhos ressentimentos, no que deveria ser um churrascão inofensivo de domingo. Amigos se desentendem feio com velhos amigos. Há brigas de pais com filhos, de irmãos com irmãos, de mulher com marido. Familiares rompem relações, colegas de trabalho viram as costas uns para os outros e se fecham em suas próprias trincheiras. Falar de política, em suma, virou um perigo.

Os rompantes mais curiosos de neurose se multiplicam por todos os lados. Uma senhora foi notada no facebook fazendo um anúncio aflito: “Hoje, eu tive de dar um block na minha tia de 78 anos!”. Uma jornalista-celebridade de São Paulo denunciou em seu jornal, com a gravidade reservada às notícias de grande impacto, que tinham sido feitas pichações racistas no banheiro de um colégio chique ─ isso mesmo, rabiscaram a parece do toalete da moçada. Quem jamais ouviu falar de uma coisa dessas? A dona de um restaurante paulistano teve a ideia de exibir na internet uma foto, tirada junto com a sua equipe, mostrando o dedo do meio para os bolsonaristas. Amizades intensas formadas nas redes sociais explodem antes que as pessoas tenham tido tempo de se conhecer. Lulistas são chamados de esquerdopatas. Quem vota em Bolsonaro é fascista ─ embora 80% dos que fazem essa acusação não tenham a menor ideia do que estão falando. Não optar nem por um nem por outro, então ─ não seria uma defesa? Esqueça. Nesse caso você será acusado de “isentão”, e muita gente fica irritadíssima quando é chamada de “isentão”. O ambiente deveria estar bem mais calmo, pois até a véspera da eleição todas as “pesquisas” garantiam a mesma coisa: Bolsonaro perderia para qualquer outro candidato no segundo turno. Mas está dando o contrário. Aí vira nervosia pura.

Por que a família é essencial para a sustentabilidade de todo o sistema social ?


A família é o primeiro lugar onde a pessoa aprende a ser pessoa e a se relacionar com os demais

Lígia Miranda de Oliveira Badauy 

Atualmente é muito comum utilizarmos o termo sustentabilidade em diversos contextos, especialmente quando nos referimos ao meio ambiente e ao crescimento econômico. Quando afirmamos que algo é sustentável significa que pode ser sustentado ao longo do tempo. Nesse sentido, vale refletir o que torna a sociedade passível de se sustentar ao longo do tempo de forma saudável e humana. Famílias comprometidas e estáveis são essenciais para a sustentação de uma sociedade sadia.

A família é o primeiro lugar onde a pessoa aprende a ser pessoa e a se relacionar com os demais. Famílias comprometidas e estáveis têm vínculos mais fortes: cria-se um ambiente propício para que haja a confiança necessária para um desenvolvimento mais humano de cada um dos seus membros e o respeito devido a dignidade inerente de cada pessoa. Nesse tipo de ambiente, as pessoas aprendem a se relacionar de forma saudável, o que as ajudará a desenvolver as habilidades necessárias para manter relações saudáveis em outros ambientes de convivência.

A instituição familiar é atualmente a grande desassistida dos sistemas jurídicos

Também é no interior das famílias que se transmite a cultura de um povo. Se falamos em sustentabilidade social, econômica e ambiental, e não inserimos a cultura como fator operativo do conceito de sustentabilidade, acabamos por cair em abstrações de difícil resolução. É através da transmissão de uma cultura rica em valores de cidadania que se pode formar cidadãos aptos a realizarem a sua vida de forma sustentável e equilibrada: o que levará, naturalmente, a uma sociedade igualmente sustentável e equilibrada. A família é o habitat natural onde se transmitem os valores e a cultura de uma nação.

Mas o que fazer quando o panorama é desfavorável? A instituição familiar é atualmente a grande desassistida dos sistemas jurídicos. Em parte, porque os governos não se dão conta do potencial papel das famílias na resolução de boa parte dos problemas sociais (drogas, violência, abandono, educação, saúde, etc.), e em parte porque há uma grande dificuldade de se passar da retórica para a ação (muitos políticos reconhecem o papel social da família, mas não sabem como ajudá-la na prática).

O processo de empoderamento das famílias passa pela remoção de todas as barreiras a sua participação ativa na sociedade, especialmente com relação à moradia, à saúde e à educação. Quando as famílias não possuem o mínimo para a sua subsistência, elas deixam de olhar para a pessoa como meta, e passam a focar apenas no mínimo que lhes falta: comida, moradia e doenças. É essencial que os tomadores de decisão conheçam e utilizem uma perspectiva de família sempre que precisarem decidir sobre algum tema. Da mesma forma que se avalia qual será o impacto econômico ou ambiental de cada medida, é necessário refletir também sobre qual será o impacto sobre as famílias.

A partir de uma perspectiva de família é importante que se realizem estudos para identificar as reais necessidades das famílias no Brasil. Tais estudos, baseados em evidências, ajudam a retirar o assunto família do campo ideológico e a considerá-lo como ponto de encontro para a criação de consensos. Alguns princípios norteadores são: a política ou programa deve ajudar e não substituir as famílias em suas responsabilidades; promover e reforçar o compromisso conjugal e parental; reconhecer a interdependência das relações familiares; empoderar as famílias através de programas; reconhecer a diversidade existente em cada família; e apoiar as famílias mais vulneráveis.

Não pode haver desenvolvimento sustentável sem um olhar atento sobre quem é o ser humano. A pessoa humana é tão autora de desagregação social quanto de desenvolvimento humanizado e sustentável. Cada ser humano agregará mais valor e humanidade às suas ações na medida em que tiver aprendido e crescido em um ambiente humanizado e rico em valores. Eis o ciclo virtuoso que todos desejamos para nosso Brasil.

- A autora, Lígia Miranda de Oliveira Badauy é cientista política e especialista em Matrimônio e Educação Familiar.