Artigo, Merval Pereira, O Globo - A luta pela sobrevivência

Artigo, Merval Pereira, O Globo - A luta pela sobrevivência

Depois de confirmado que foram feitas dentro do que manda a lei, de espontânea vontade e assistidas por advogados, as delações serão homologadas pelo Supremo, e suas informações passarão a ser investigadas pelos procuradores do Ministério Público e pela Polícia Federal.

De acordo com a lei, apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público participam da negociação, que define os resultados pretendidos, as condições da proposta do Ministério Público e da autoridade policial, além de definir medidas de proteção ao colaborador e sua família.

A lei que regulamenta a delação premiada exige que a colaboração seja efetiva, isto é, depois de homologada, o delator (ou colaborador, como define a legislação) terá que dar às autoridades investigadoras elementos para comprovar suas denúncias.

O colaborador renuncia ao direito ao silêncio e se compromete a dizer a verdade, submetendo-se à perda das vantagens negociadas se for apanhado na mentira. Foram dadas evidências, por exemplo, para que o juiz Sérgio Moro aceitasse a acusação contra Lula e outros em relação ao terreno para o Instituto Lula e a compra do apartamento vizinho ao que a família do ex-presidente mora em São Bernardo do Campo. Essas evidências serão corroboradas nas delações de diversos executivos da Odebrecht, inclusive de Emílio Odebrecht.

Como manda a legislação da delação premiada, o juiz não pode decidir com base apenas nas declarações do colaborador, mas, nesse caso, por exemplo, quebras de sigilo bancário e fiscal autorizadas judicialmente indicaram que o dinheiro utilizado para a aquisição do terreno para o Instituto Lula foi transferido da Construtora Norberto Odebrecht para a DAG Construtora, e que esta repassou ainda cerca de R$ 800 mil a Glaucos da Costamarques, que pagou R$ 504 mil na aquisição do apartamento utilizado como residência pelo ex-presidente e sua esposa.

São indícios suficientes para que Lula se torne réu em mais um processo, e as investigações decorrentes poderão levá-lo a ser condenado. Na qualidade de presidente do Conselho de Administração, Emilio Odebrecht terá este ano de 2017 para tentar reorganizar a empresa, e passará a cumprir pena de prisão domiciliar com tornozeleira a partir de 2018.

Seu filho Marcelo cumprirá 10 anos de prisão, divididos em várias etapas. Preso há um ano e meio em Curitiba, ele deve ficar no regime fechado mais um ano e, depois, sua pena progredirá até completar 10 anos, com a última parte em regime de prisão domiciliar.

As investigações estão levando a empreiteira a fazer acordos de leniência nos diversos países em que tem obras, mas as condições no momento são muito desvantajosas, pois, principalmente depois da divulgação do relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a empreiteira brasileira perdeu credibilidade e está sendo pressionada pelos governos de países da América do Sul, antigos parceiros de negócios corruptos.


Entre as providências que estão sendo tomadas para tentar reerguer a companhia, está um sistema de compliance bastante rígido, que a Odebrecht procura destacar sempre que se refere à colaboração que está prestando à Justiça brasileira. Mas a luta para a sobrevivência da empresa está longe de se encerrar e há, inclusive, discussões sobre a mudança do nome da empreiteira.

Mário Sabino, O Antagonista - O pai da FDN, PCC e CV

Depois da carnificina no presídio do Amazonas, eis que ocorre o banho de sangue na prisão de Roraima, com trinta presos decapitados e alguns deles com o coração arrancado. A barbaridade não deve parar por aí, uma vez que a guerra entre a Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC) foi declarada.


Eu não fazia ideia da existência de uma facção chamada Família do Norte. Comando Vermelho, do Rio, e Primeiro Comando da Capital, de São Paulo, são sobejamente conhecidos. Como sou paulistano, o PCC faz, de certo modo, parte da minha vida cotidiana. Eles conseguiram parar São Paulo em 2006, por meio de uma série de atentados simultâneos, e dominam os presídios do estado. Conheço uma senhora cujo enteado foi preso por traficar drogas leves. Ela foi extorquida pelo PCC para que o rapaz não fosse surrado e estuprado na prisão. A periferia de São Paulo e até bairros centrais da cidade são o mercado do PCC; as penitenciárias do estado são os seus spas. Num desses spas de segurança máxima (para os bandidos), está hospedado Marcola, o Duce dessa gente. A administração estadual finge que não vê; o PCC finge que a administração estadual existe.

As facções prosperam num país governado, até pouco tempo atrás, por uma organização criminosa, segundo a definição do Ministério Público Federal. Ainda há criminosos dessa organização encastelados em Brasília. Depois da carnificina no Amazonas, O Antagonista descobriu que presídios ocupados (esse é o termo mais apropriado) por FDN, PCC e CV foram "concedidos a empresas privadas — que, em troca de dinheiro público destinado ao sistema prisional, financiam campanhas de políticos. Como se vê, há ainda o PCCF, Primeiro Comando da Capital Federal.

Diante das carnificinas nos presídios, há quem ache que é melhor que esses monstros se matem uns aos outros. Trata-se de uma sequela da política de direitos humanos de viés esquerdista, muito em voga nos anos 80 e 90, que dava mais atenção aos bandidos do que aos cidadãos de bem. A sequela é ainda explorada por populistas que querem o voto dos cidadãos de bem. Eu acho um horror qualquer carnificina. Não penso que se deva ser leniente com bandidos, mas sei que o Estado incapaz de garantir segurança, saúde e educação a todos é o mesmo que entrega presídios a facções criminosas (e os “concede a empresas privadas” que financiam políticos). É o mesmo que subverte a noção primeira de Estado como detentor do monopólio da força.

A Família do Norte, o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho nasceram de um Estado que, para além de corrupto, é incompetente, frouxo, desproporcional e comandado por gente desqualificada. A nossa tragédia tem expressões múltiplas, que podem ser mais ou menos sangrentas, mas ela é uma só.

     
*Mario Sabino acaba de lançar o livro "Cartas de um antagonista — Jornalismo na selva selvagem brasileira", que reúne artigos inéditos e textos publicados nesta newsletter.

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