Ao julgar improcedente uma denúncia do Ministério Público Federal contra José Dirceu pelo crime de lavagem de dinheiro recebido das empreiteiras Engevix e UTC, o juiz federal Fábio Nunes de Martino, atual responsável pelos processos da Lava Jato no Paraná, confirmou a corrupção petista no esquema de suborno conhecido como petrolão, além de ter mencionado um caso similar ocorrido no escândalo do mensalão.
O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou não ter havido nos autos “descrição ou comprovação do dolo” da lavagem de 2,5 milhões de reais em propina como um crime autônomo em relação ao de corrupção passiva – este, sim, no entanto, “consumado” de modo “inequívoco”, com “atuação decisiva” do ex-ministro da Casa Civil do primeiro governo Lula e de seu irmão e sócio, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva. Suas condutas, portanto, foram consideradas “como desdobramento do modus operandi eleito para execução do crime de corrupção passiva”.
Neste momento em que o STF deixa passar a boiada das indicações políticas às estatais e o terceiro governo Lula vai desmantelando o compliance da Petrobras, O Antagonista reproduz trechos da página 79 da decisão de Nunes de Martino, proferida na quinta-feira, 7:
“No caso em exame, fica claro que Luiz Eduardo de Oliveira e Silva acertou o pagamento/recebimento da vantagem indevida com os dirigentes da UTC, elegendo como destinatária direta a JD [iniciais de José Dirceu] Assessoria e Consultoria Ltda no intuito de justificar os repasses financeiros com base na relação contratual estabelecida anteriormente entre as empresas. A entrega dos valores à aludida pessoa jurídica, nessas condições, configura exaurimento do crime de corrupção.
As reiteradas transferências de valores realizadas ao longo de mais de um ano (fevereiro de 2013 a outubro de 2014), fundamentadas em dois aditivos contratuais ideologicamente falsos firmados entre a UTC Engenharia S/A e a JD Assessoria e Consuitoria Ltda, consubstanciam o método eleito pelos envolvidos para repasse dos valores da propina, que foram pagos de forma parcelada mediante a interposição de pessoa jurídica pertencente ao real beneficiário da propina [Dirceu].
Inequívoco que a opção por receber os valores mediante simulação de contratos e interposição de pessoa jurídica teve como finalidade mascarar o pagamento da vantagem indevida; nada obstante, a sofisticação na forma escolhida pelos envolvidos para recebimento da vantagem indevida não tem o condão de, por si só, permitir que o pagamento de cada uma das parcelas a titulo de propina sejam considerados crimes autônomos, uma vez que configuram mero desdobramento do crime de corrupção passiva.
Houve a perfectibilização do recebimento da propina por meio de interposta pessoa, conforme previsão do tipo penal do artigo 317 do Código Penal. Não foram demonstrados desígnios autônomos em relação aos delitos de corrupção passiva (infração antecedente) e lavagem de capitais, pois não há nos autos descrição ou comprovação do dolo distinto na prática de atos posteriores de ocultação ou dissimulação do proveito do crime de corrupção passiva; como dito acima, o recebimento efetivo da vantagem indevida, de modo parcelado e mediante interposição da empresa JD Assessoria e Consultoria Ltda, constitui ato de exaurimento, que deve ser punido como elemento da prática do crime de corrupção, mas não configura crime autônomo. Não é possível fracionar a conduta complexa do agente, escapando à dinâmica do tipo do artigo 317 do Código Penal, que é misto alternativo: solicitado o pagamento da vantagem indevida, houve intrincado procedimento para o repasse de altos valores monetários em beneficio do grupo político envolvido, que consubstancia nada mais que a entrega da vantagem indevida objeto de solicitação.
A prova dos autos indica que os acusados JOSE DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA e LUIZ EDUARDO DE OLIVEIRA E SILVA foram responsáveis por solicitar o pagamento da vantagem indevida e viabilizar seu pagamento, organizando e orientando os envolvidos no mecanismo delitivo. Sua atuação foi decisiva no crime de corrupção passiva, consumado inicialmente com a solicitação da vantagem indevida, e exaurido mediante o pagamento dos valores acordados, mediante celebração de instrumentos contratuais ideologicamente falsos com a pessoa jurídica de que ambos eram sócios e emissão de notas fiscais frias antes de cada pagamento, com o claro objetivo de ocultar a origem do numerário.
Apesar do complexo esquema engendrado para a remessa dos altos valores de propina que partiram do caixa da empresa UTC Engenharia S/A, tratam-se de condutas que ainda integram juridicamente o ato de corrupção, já consumado com a solicitação da vantagem indevida.”
A mesma alegação foi usada pelo STF para absolver o também ex-deputado federal petista João Paulo Cunha do crime de lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, apesar de sua condenação por corrupção.
“No caso concreto, o ex-deputado havia recebido vantagem indevida por meio de sua esposa, que efetuara saques em espécie em um banco. O STF entendeu que o expediente utilizado pelo ex-parlamentar, com encerramento do ciclo delitivo pelo recebimento de propina por meio de interposto, representaria mero exaurimento do delito de corrupção, integrando o próprio tipo penal”, lembrou Fábio Nunes de Martino.
Ele mencionou ainda o voto-vista divergente proferido pelo ministro João Otávio de Noronha, que prevaleceu na Quinta Turma do STJ em julgamento de um recurso do próprio Dirceu e de seu irmão, em outro processo por suborno no esquema da Petrobras.
“Naquele feito, o e. [egrégio] STJ afastou a condenação dos réus pelo delito de lavagem de dinheiro em concurso com o crime de corrupção passiva; a denúncia, entre outras condutas, imputou aos réus a lavagem de dinheiro decorrente do recebimento de valores por meio de contrato de prestação de serviços simulado e interposição de pessoas jurídicas e físicas”, apontou o novo juiz da Lava Jato.
O STJ, no caso, também manteve a condenação por corrupção passiva imposta em segunda instância pelo TRF-4, incluindo a respectiva pena de quatro anos e sete meses de reclusão, porém em regime semiaberto.
Não é de hoje, portanto, que há divergência de interpretações dentro do próprio Poder Judiciário sobre a configuração de lavagem de dinheiro como crime autônomo, ou não, em relação ao de corrupção passiva. Curiosamente, nos tribunais superiores, compostos por indicação política, tem prevalecido, embora também com divergências internas, a interpretação favorável aos políticos acusados de ambos os crimes, enquanto em primeira e segunda instâncias, eles vinham sendo condenados tanto por um quanto por outro.
“Pondero, por fim, que apesar das provas produzidas neste feito terem evidenciado a participação dos aludidos réus no delito de corrupção ativa/passiva relativamente aos fatos narrados, a emendatio libelli resta inviabilizada pela ausência de descrição das elementares dos tipos correspondentes na denúncia”, concluiu Nunes de Martino.
Isto significa que o juiz descartou a possibilidade de emendar a acusação, porque a denúncia específica, rejeitada por ele, não incluiu os dados necessários para o seu recebimento por crime de corrupção, uma vez que focou apenas no de lavagem.
Nenhuma tecnicidade, no entanto, vai apagar da história dos fatos a corrupção do PT, por mais que seus porta-vozes na imprensa amiga e nos blogs sujos explorem decisões pontuais e demais artifícios de blindagem jurídica como atestados de inocência e vitimização, a fim de lavar o passado do partido e