Vincent Peyrègne: "Independência não é
neutralidade"
CEO da Associação Mundial de Jornais e Editores de
Notícias afirma que as empresas de comunicação precisam encontrar novas formas
de se financiar, e que modelo de massas não serão os mais eficientes
O francês Vincent Peyrègne é o diretor-executivo da
Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-Ifra), organização
internacional para pensar o futuro da indústria do jornalismo. Em novembro,
Peyrègne esteve em Porto Alegre, para uma palestra na Pontifícia Universidade
Católica (PUCRS), parte das comemorações dos 50 anos da Famecos. No evento,
enfatizou que as empresas de comunicação precisam prospectar novas formas de se
financiar, já que o dinheiro da publicidade vem secando. E nessa busca, duas
coisas devem ficar claras: a primeira é que o público se tornou múltiplo e
exigente, e abordagens de massa não têm mais tanta eficiência; a segunda é que
o jornalismo precisa ser presente e atuante na sua comunidade, fazendo seus
consumidores valorizarem o trabalho feito em nome daquela coletividade. Antes
da palestra, Peyrègne conversou com Zero Hora:
O senhor já declarou em uma entrevista que o jornalismo
era um "prazer maravilhoso". Continua pensando assim?
Continua um prazer porque é uma missão, uma missão para a
sociedade. Precisamos de jornalistas e precisamos de jornalismo, jornalismo
político independente, para assegurar os valores de nossa sociedade. Por isso é
um prazer. Mas não é mais maravilhoso, porque, é claro, trabalhar como
jornalista é um desafio. As empresas jornalísticas estão mudando, não há mais
monetização, então a grande pergunta é como viver do jornalismo.
Como, então, viver do jornalismo na época em que a
internet criou a cultura da gratuidade?
Não há uma receita universal. Minha preocupação é mais
voltada para o longo prazo e para as redações, para as empresas, para as
corporações, para que elas ainda estejam lá para proteger a integridade e a
independência do jornalismo. Com respeito a isso, algumas companhias têm tido
sucesso. Há novos e jovens agentes digitais entrando no ramo do conteúdo pago.
Temos exemplos na França, nos EUA, mas é uma fração. Não é como se todas as
companhias de notícias pudessem entrar nesse mercado. Mas acho que, para a
maioria das empresas de comunicação, a grande pergunta é como substituir as
receitas geradas pela propaganda. Porque, no fim das contas, o jornalismo, o
bom jornalismo, sempre foi subsidiado. As pessoas nunca pagaram pelo conteúdo.
Não é uma questão nova pensar de onde virão os subsídios. Não estão mais na
propaganda. Podem vir de algum outro tipo de atividade. Não há uma regra única,
esse é o problema.
O senhor fala sobre jornalismo independente, mas com a
internet temos visto muitos exemplos de jornalismo vinculado a uma visão
política. É um retorno aos tempos do jornalismo militante e panfletário de suas
origens?
Jornalismo independente não significa sem opinião. Você
pode ter opiniões fortes, ideológica e economicamente, e ainda assim ser
independente. Independência não é o mesmo que neutralidade, e neutralidade é um
conceito muito subjetivo. Para mim, a sociedade é composta de diferentes visões
e diferentes perspectivas, e o jornalismo deveria refletir esses pontos de
vista. O que não queremos é o discurso violento, mas é justo dar voz a qualquer
tipo de jornalismo na sociedade, e isto é independência.
O senhor diz que a confiança é o bem mais precioso de um
veículo de imprensa, a ser preservado de qualquer modo. Se independência não é
neutralidade, o modo de preservar a confiança do público é abrir suas opiniões?
Sim, claro. Deve ser aberta e articulada, mas há
diferentes tipos de jornalismo. Você tem o jornalismo investigativo, o
jornalismo de observação, que podem trabalhar juntos na mesma redação. E quando
se fala em se engajar politicamente ou em jornalismo tendencioso, está se
falando de uma pequena parcela do jornalismo. A confiança a que me refiro é
aquela que recai no tipo de serviço que você presta, como você se torna parte
da vida de seus leitores. Hoje talvez não tenhamos como dizer que há uma
multidão de bons trabalhos jornalísticos sendo feitos, mas não vejo como isso
seria diferente de décadas atrás. O bom jornalismo sempre foi escasso, para ser
honesto.
O jornalismo investigativo é o mais caro e também um dos
mais relevantes. Como continuar investindo nesse tipo de material sem certeza
de onde virão os subsídios?
Não há resposta fácil. Há uma tendência de apelar para o
financiamento filantrópico, mas não creio que o apoio de um filantropo vá fazer
grande diferença. O valor do jornalismo tem de ser repensado em termos do valor
que ele traz para a comunidade, e desse valor devem vir os recursos da
comunidade, porque ela valoriza o trabalho que você está fazendo. Defender a
sua comunidade e trabalhar a serviço dela deveriam ser os elementos-chave desse
debate. E tenho visto muitas organizações jornalísticas desconectadas de suas
comunidades. Quando trabalhei com redações, minha luta sempre foi para que os
jornalistas saíssem da redação e organizassem uma rede de contatos fora dela.
Este é um bom paradigma. Jornalismo não é escrever ou veicular, é conectar
pessoas.
Na sua opinião, o jornalismo de massa não funciona mais
para todos e precisa ser personalizado. Como?
Há uma necessidade de novas habilidades. Colegas meus na
França desenvolveram este conceito de que o novo profissional deve ser um designer
de notícias, um produtor, mais do que um escritor, porque ele precisa pensar
como o mesmo bloco de conteúdo pode ser moldado para ser consumido de acordo
com as diferentes necessidades dos consumidores. Se a tendência do consumo
personalizado de jornalismo e informação se mantiver, teremos a necessidade de
personalizar o conteúdo. O que produz uma série de oportunidades, mas também de
riscos.