- A reportagem é do Estadão, assinada por Adriana Fernandes e Idiana Tomazzelli
Brasília - O governo pagou, indevidamente, nos
últimos cinco anos, R$ 3 bilhões em aposentadoria a produtores rurais que são
classificados como ?segurados especiais?. Esse grupo, que inclui pescadores
artesanais, seringueiros e extrativistas, recebeu o benefício sem ter direito a
ele, segundo uma auditoria do Ministério da Transparência. Se esses pagamentos
não forem suspensos, a conta, daqui para frente, ficará em R$ 1,2 bilhão por
ano.
A conta das aposentadorias rurais sempre fica no vermelho
porque o número de pessoas que recebem o benefício é maior do que o de
trabalhadores que contribuem para o INSS. Em 2017, o déficit da Previdência
rural ficou em R$ 110,7 bilhões - aumento de 7% em relação a 2016.
A partir do resultado da auditoria, o órgão deu um prazo
de 30 dias para o INSS traçar um plano de ação à revisão dos benefícios. Os
auditores cobram do instituto a suspensão dos benefícios irregulares, a
apuração das responsabilidades pelas concessões e o ressarcimento dos valores.
Esse tipo de benefício previdenciário se enquadra na
categoria de segurado especial, que tem tratamento diferente dos demais
aposentados. Abrange 97 mil pessoas.
Entre as irregularidades apontadas pelos auditores estão
o recebimento da aposentadoria por beneficiários que se mantinham trabalhando.
Pelas regras, não pode receber o benefício integrante da família que possuir
outra fonte de rendimento, exceto em casos específicos. Também há casos de
pagamentos a donos de propriedade rural, o que também é irregular.
Enquanto o segurado comum do INSS recolhe contribuição
previdenciária incidente sobre seus salários (de 8% a 11%), o segurado especial
contribui com uma alíquota muito reduzida, de 2,1%, sobre o resultado da
receita de sua produção. Além disso, o segurado comum precisa cumprir um número
mínimo de contribuições mensais para fazer jus ao benefício previdenciário.
Para o segurado especial, a exigência de contribuições é contada em número de
meses em que houve exercício efetivo de atividade rural ou pesqueira, ainda que
não sejam meses consecutivos.
A auditoria foi feita cruzando dados do sistema do INSS
com banco de informações do Ministério do Trabalho.
"Tem muito mais o que cortar porque o grande
problema da aposentadoria rural é a fraude. Muitas vezes, o INSS nega, o cara
pega uma declaração do sindicato de que é trabalhador rural, mesmo não sendo, e
o juiz dá o benefício", disse Leonardo Rolim, consultor da Câmara.
Controle
Para os auditores, a falta de controles para a manutenção
do benefício levou ao pagamento irregular. A recomendação é que essa
verificação seja feita previamente à concessão do benefício e durante o seu
período de pagamento.
O INSS respondeu que a confirmação de fraudes e
irregularidades dependerá da análise de cada processo nas agências. "Cabe
salientar que as situações inicialmente verificadas pela CGU não configuram, a
priori, irregularidades, mas sim indícios, que devem ser verificados caso a
caso", afirmou, em nota. A autarquia destaca também que 40% de cerca de 70
mil benefícios foram concedidos por determinação judicial. Para revertê-los, é
preciso uma decisão da Justiça.
A auditoria durou um ano e teve início em fevereiro de
2017, quando o debate em torno da reforma da Previdência estava em alta no
País, depois do envio ao Congresso de uma proposta de mudanças nas regras. O
projeto inicial do governo previa combate às fraudes com um aperto maior na
concessão da aposentadoria rural, mas a proposta foi amplamente combatida no
Congresso e, depois, abandonada.
No projeto da reforma da Previdência, o governo tentou
criar uma contribuição obrigatória para os produtores rurais que trabalham em
regime familiar, com uma alíquota inferior à dos demais contribuintes. A
arrecadação seria pequena, mas a medida teria como efeito favorável um controle
maior para evitar fraudes. A medida acabou sendo excluída do texto na tentativa
do governo de aprovar uma versão mais enxuta