Em entrevista à revista Época, Carlos Fernando dos Santos
Lima, um dos procuradores da Lava Jato, diz que a força-tarefa que investiga o
esquema de corrupção na Petrobras chegou a convicção de que o ex-presidente
Lula Inácio Lula da Silva não só sabia como comandava o propinotudo montado
pelo PT na empresa.
“Temos claro hoje que a pessoa do ex-presidente tem uma
responsabilidade muito grande nos fatos. Há uma linha de investigação que
aponta ele na cadeia de comando. Temos indicativos claros de que havia
conhecimento dele a respeito dos fatos e o governo dele era o principal
beneficiado do financiamento da compra de base de apoio parlamentar”, afirmou.
Lima diz ainda da entrevista que “a maior parte do que
aconteceu nos últimos 13 anos está na responsabilidade de um grupo de partidos.
São 13 anos de um mesmo grupo político no poder, não temos como escapar disso.”
"Uma linha de investigação aponta Lula no
comando"
• Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos procuradores da
Lava Jato, diz que o ex-presidente esteve no centro do petrolão e dá uma má
notícia aos acusados: há pouco espaço para novos delatores
Daniel Haidar - Època
Um dos condutores da Operação Lava Jato, o procurador
regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima evita fazer juízos
definitivos, mas não esconde a convicção a que chegou a força-tarefa que
investiga o esquema de corrupção que corroeu a Petrobras. “Há uma linha de
investigação que aponta Lula na cadeia de comando”, afirma nesta entrevista a
ÉPOCA. Negociador-chefe dos acordos de delação premiada, Carlos Fernando não
tem boas notícias para quem ainda busca esse entendimento: como já se sabe
quase tudo sobre o caso, há cada vez menos espaço para novos delatores; quem
quiser reduzir sua pena terá de contar algo muito valioso aos investigadores.
“Precisamos punir as pessoas, não é possível fazer acordo
com todo mundo”, diz Carlos Fernando.
“Vai ter de trazer uma coisa muito extraordinária.”
ÉPOCA – Qual a distância que a Lava Jato tem a percorrer
para alcançar o chefe da quadrilha do petrolão?
Carlos Fernando dos Santos Lima – Temos claro hoje que a
pessoa do ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) tem uma responsabilidade
muito grande nos fatos. Há uma linha de investigação que aponta ele na cadeia
de comando. Temos indicativos claros de que havia conhecimento dele a respeito
dos fatos e o governo dele era o principal beneficiado do financiamento da
compra de base de apoio parlamentar. Infelizmente não estamos com esse processo
aqui. O tempo será dado pelas circunstâncias da decisão do Supremo de mandar
para Curitiba as investigações ou não.
ÉPOCA – No caso de Lula, há convicção de que houve crime
na reforma do sítio de Atibaia e no caso do apartamento tríplex em Guarujá?
Lula é, de fato, dono do sítio?
Carlos Fernando – Infelizmente o material está fora daqui
e não podemos fazer essa afirmação hoje. Existem diligências que não pudemos
fazer. Há diligências que deveriam ser feitas, e não foram feitas. Não temos
dúvida de que ele era a pessoa que tinha usufruto daquele sítio. Mas ainda
precisamos fazer uma série de diligências. No tríplex é a mesma situação. Não
temos nenhuma dúvida.
ÉPOCA – A repercussão da condução coercitiva de Lula atrapalhou
a operação?
Carlos Fernando – Toda decisão envolvendo o ex-presidente
teria repercussões. Insistimos que nós conduzimos 116 pessoas antes do
ex-presidente – mas somente a do Lula gerou esse tipo de discussão. Qualquer
coisa que fosse feita seria usada politicamente, porque a única defesa possível
nesse caso é a defesa política. A condução foi baseada na verificação da
interceptação telefônica, de que havia a montagem de um esquema de resistência
a qualquer ato de nossa parte. Nossa preocupação foi tirá-lo do local para
evitar o risco a ele, aos nossos agentes, e também impedir essa movimentação.
Chegaram a dizer que algumas pessoas iriam acampar na frente do prédio para
evitar qualquer tipo de atitude nossa. A condução se baseou em fatos concretos
que indicavam a dificuldade de cumprir medidas.
ÉPOCA – Vários acusados estão presos, mas os políticos
estão sendo processados em velocidade mais lenta. Não há risco de a população
se frustrar?
Carlos Fernando – O foro privilegiado é o principal fator
que causa essa disparidade de velocidade. É natural que o Supremo Tribunal
Federal não esteja preparado para um número tão grande de pessoas. Não creio
que o STF, por maior que seja a boa vontade, tenha condições de chegar à
velocidade de um juiz de primeiro grau. Gostaríamos que houvesse uma discussão
em nível constitucional sobre a reforma dessa questão do foro. O Brasil é um
dos países com a maior quantidade de pessoas com foro privilegiado. Eu, por
exemplo, tenho foro no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não creio que isso
seja republicano. Esses empecilhos só são superáveis se houver reforma
constitucional.
ÉPOCA – O novo ministro da Justiça criou alguma
dificuldade para a Lava Jato?
Carlos Fernando – Salvo a primeira manifestação dele, que
pode ter sido mal compreendida ou não foi exatamente muito feliz, não tenho
nada de concreto a falar.
ÉPOCA – Há risco para as investigações em um eventual
governo Michel Temer?
Carlos Fernando – Nós não temos nenhuma opinião formada
sobre essa ou aquela posição política. O doutor Temer é professor de Direito
Constitucional e entende os limites republicanos no país. Cremos que não haverá
nenhum perigo ou tentativa de limitar o alcance das investigações.
ÉPOCA – Vocês estão preocupados com o cerceamento da
Polícia Federal?
Carlos Fernando – Temos essa preocupação porque é uma
equipe muito produtiva e eficiente. A Lava Jato surgiu por uma investigação
deles e depois se transformou no que é. E eles (os policiais) têm uma estrutura
mais hierarquizada e com menos garantias que a nossa (procuradores). Temos
também preocupação com tentativas de assassinato de reputação do juiz Sergio
Moro, porque, seja qual for a decisão que ele tomou, tomou dentro de seu poder
como juiz. Então tentativas de desqualificá-lo são inaceitáveis. Há ainda um
risco de segurança e ele deve se proteger. É bom deixar claro que as
investigações não são conduzidas pelo juiz: juiz tem apenas a função de tomar
determinadas decisões. Investigações são feitas pelo Ministério Público e pela Polícia
Federal.
ÉPOCA – Pelo menos cinco empreiteiras negociam acordos de
leniência e de delação premiada. Esses acordos podem não sair?
Carlos Fernando – Nós temos a função primordial de fazer
acordos de leniência. (Mas) Nós entendemos que não é possível um acordo (de
delação) com mais do que uma grande empreiteira. Estamos dispostos a conversar
com aquela empreiteira que trouxer o melhor para o interesse público: mais
provas, mais fatos novos e o maior valor de ressarcimento possível. Só há lugar
para mais uma empreiteira. Precisamos punir as pessoas, não é possível fazer
acordo com todo mundo.
ÉPOCA – Só cabe mais um sócio ou executivo de empreiteira
nas delações?
Carlos Fernando – Sobre sócio ou executivo, isso vai ser
analisado em conjunto com a Procuradoria-Geral da República. Não vou dizer que
só há lugar para mais um, porque a questão é analisar o que cada um pode
ajudar. Chegamos a uma fase em que nós estamos com tantas provas que realmente
pouca novidade pode aparecer. Aquele que atender ao interesse público pode
ganhar um acordo. Vai ter de trazer uma coisa muito extraordinária.
ÉPOCA – Quase um terço dos réus da Lava Jato são
delatores. Existe uma quantidade máxima?
Carlos Fernando – Não existe número mágico. O número hoje
de delatores corresponde a um terço, mas também temos um represamento de
denúncias, porque não podemos inundar a 13a Vara Federal do Paraná com todas as
denúncias ao mesmo tempo. Posso deixar bem tranquilo que essa proporção vai
aumentar bastante com o tempo. Vai chegar um momento em que não vamos ter
delatores e vamos ter oferecimento de denúncias na sequência. Não está fácil
fazer acordo. Tanto é que acordos recentes são pequenos ou pontuais, com
pessoas fora do radar, ou são tão grandes a ponto de gerar mudança de patamar
nas investigações.
ÉPOCA – Há uma tentativa de deslegitimar a Lava Jato?
Carlos Fernando – Há medidas no Congresso que são incentivo
à corrupção, como a lei do repatriamento, a medida provisória do acordo de
leniência, tentativas de mudar o entendimento de que é possível executar pena
com decisão só de segundo grau. Vamos denunciar isso. Estamos vacinados.
ÉPOCA – Até quando vai a Operação Lava Jato?
Carlos Fernando – Eu creio que, do mais importante,
talvez até dezembro já tenhamos um panorama bem completo. Mas vamos ter anos e
anos de acusações criminais com o material que temos. Temos uma série de
filhotes da Lava Jato que vão se espalhar pelo Brasil.
ÉPOCA – Como vocês lidam com as críticas de que poupam a
oposição das investigações?
Carlos Fernando – Enchem tanto a gente por conta disso...
Para investigar, qualquer procurador tem de partir de um fato concreto – não
posso abrir investigação para pegar fulano etc. e tal. Temos os limites da lei,
não podemos sair e falar: “Agora quero pegar o governo do FHC”. Se aparecer
crime do governo FHC, vou analisar se está prescrito ou não, daí podemos
investigar. Boa parte dos crimes já está prescrita. E o mais importante: a
maior parte do que aconteceu nos últimos 13 anos está na responsabilidade de um
grupo de partidos. São 13 anos de um mesmo grupo político no poder, não temos
como escapar disso