"Crie corvos e eles te arrancarão os olhos", diz o provérbio espanhol. Acho mais sonoro no idioma original: "Cría cuervos y te sacarán los ojos". E vem bem a calhar quando olhamos de perto o lucro recorde do novo gigante das finanças Nubank.
O banco roxinho, que ganhou fama pelos cartões de crédito, registrou lucro de US$ 1 bilhão em 2023, revertendo o prejuízo de US$ 9,1 milhões em 2022. Além disso, está chegando à marca de 100 milhões de clientes —dos quais quase 25% abriram a conta no último ano.
Com crescimento no Brasil, no México e na Colômbia, o Nu criou uma carteira de crédito que, no fim de dezembro, rendia juros de US$ 8,2 bilhões —aumento de 91% em um ano, conforme noticiado. Seu ROE, que é o retorno sobre patrimônio líquido, indicador-chave de rentabilidade, foi de 5%, no fim de 2022, para 23%, no apagar das luzes de 2023.
"E onde estão os corvos?", você vai perguntar. Para encontrá-los, é preciso ver que uma das prioridades do banco para o ano passado era acelerar a concessão de crédito no Brasil, com e sem garantia. E conseguiu: aumentou o volume de empréstimos de US$ 900 milhões para US$ 2 bilhões.
No entanto, a concessão de crédito não pode, nem deve, depender da vontade do credor. Emprestar dinheiro só dá lucro quando o devedor pretende pagar —o submundo da agiotagem está aí para provar.
Acontece que desde dezembro de 2021, quando fez seu IPO na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, focado em expandir o negócio, o Nubank viu a inadimplência de seus clientes praticamente dobrar.
No caso das dívidas de mais de 90 dias, o indicador de inadimplência (cuja sigla é NPL) saiu de 3,1%, para os atuais 6,1%. Para as dívidas de 15 a 90 dias, o NPL foi de 2,6% para 4,1% —aumento de 57%.
Não se pode descartar a conjuntura geral da economia ao analisar os dados, obviamente. A alta inflação no período dificultou a vida de quem precisa escolher entre pagar o aluguel e empurrar com a barriga a fatura do cartão. Mas o endividamento geral dos brasileiros se manteve praticamente estável.
Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, em dezembro de 2021, 76,3% das famílias brasileiras estavam endividadas. No fim de 2023, o número foi para 77,6% —crescimento de apenas 1,3 ponto percentual.
Comparar com outro player, já estabelecido, do setor também ajuda a entender o problema. De dezembro de 2021 a dezembro de 2023, a inadimplência no Itaú teve crescimento de 13% (chegando ao patamar de 2,8%), para dívidas acima de 90 dias, e de 27% (atingindo 2,3%), para aquelas entre 15 e 90 dias.
Diferentemente do Itaú, a facilidade de conseguir um cartão de crédito —com limite alto— e a fama de "bom moço entre os bancos" serviram bem ao marketing e à expansão do Nubank.
Agora, com a nova lei que limita em 100% os juros cobrados pelo rotativo do cartão, ter uma massa de devedores é um negócio muito menos rentável do que era até ano passado, quando a média de juros do rotativo no Brasil era de mais de 460%.
Com seus quase 100 milhões de clientes em carteira, o banco encara um dilema: começa a pesar a mão nas cobranças, diminuindo a satisfação de seus clientes e sacrificando a sua expansão, ou segue a alimentar os corvos do crédito fácil, correndo risco de vê-los fora da gaiola, estraçalhando seus números no futuro.