MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 51.153 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECLTE.(S) :RBS PARTICIPACOES S A
ADV.(A/S) :FABIO MILMAN
RECLDO.(A/S) :JUÍZA DE DIREITO DA 18ª VARA CÍVEL DO FORO
CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) :DIVALDO VIEIRA LARA
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
DECISÃO: Trata-se de reclamação constitucional, com pedido liminar,
proposta por RBS Participações S/A contra decisão proferida pelo Juízo da
18ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS nos autos do processo n.º
5092521.79.2021.8.21.0001/RS.
Na petição inicial, a parte reclamante sustenta que a autoridade
reclamada desrespeitou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal
Federal na ADPF 130, sobretudo no que toca à liberdade de imprensa, ao
proferir decisão liminar proibindo “qualquer divulgação jornalística, por
qualquer meio que seja, de informações ou vídeos sobre o mencionado acordo de
colaboração premiada e depoimentos contidos, bem como sobre qualquer
informação decorrente da quebra de sigilo de dados telefônicos, até que seja
recebida a Ação Penal nº 70084900745 (...)”.
Narra que a decisão reclamada foi proferida pelo Juízo da 18ª Vara
Cível da Comarca de Porto Alegre nos autos da ação cautelar n.º 5092521-
79.2021.8.21.0001, ajuizada por Divaldo Vieira Lara, Prefeito da Cidade de
Bagé/RS, com a finalidade de censurar reportagem jornalística de
interesse público.
Relata que o conteúdo proposto na reportagem censurada abordaria,
a partir de apuração jornalística, fatos relacionados a investigações
policiais deflagradas para apurar supostos atos ilícitos praticados pelo
Prefeito de Bagé. Pondera que, a partir do momento em que o Ministério
Público ofereceu denúncia contra o investigado, a matéria se tornou de
interesse de toda a comunidade local, que teria o direito de ser informada
acerca dos elementos informativos obtidos por meio de acordo de
colaboração premiada e de interceptações telemáticas autorizadas pelo
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Poder Judiciário.
Informa que, seguindo as melhores práticas jornalísticas, estabeleceu
contato com o Prefeito Municipal de Bagé para possibilitar manifestação
prévia sobre o conteúdo da acusação formulada pelo Ministério Público.
Todavia, em vez de apresentar sua versão dos fatos, o investigado teria
ajuizado ação judicial para proibir a veiculação da reportagem
jornalística, ocasião em que formulou o seguinte pedido liminar:
“(..) seja concedida medida liminar “inaldita altera parte”
determinando-se que a parte requerida se abstenha
imediatamente de realizar qualquer divulgação jornalística, por
qualquer meio que seja, de informações ou vídeos sobre o
mencionado acordo de colaboração premiada e depoimentos
contidos, bem como sobre qualquer informação decorrente da
quebra de sigilo – telefônico e etc. – obtida nos autos originais,
ao menos até que seja recebida a Ação Penal nº 70084900745
(que tramita junto ao Tribunal de Justiça), ocasião em que o
sigilo pode vir a ser levantado, bem como se abstenha de
divulgar qualquer informação sobre processos em segredo de
justiça, sob pena de pagamento de multa diária (astreinte) no
valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e de incorrer em crime de
desobediência por parte de quem divulgar tais informações”.
Relata que, ao se deparar com o pedido de liminar, o Juízo da 18ª
Vara Cível da Comarca de Porto Alegre “deferiu uma inconstitucional
medida de censura prévia da matéria jornalística, restringindo o direito
constitucional da reclamante de livremente veicular informação verdadeira, cujo
objetivo era tornar conhecidos da sociedade os fatos e correlatos indícios
probatórios angariados no bojo da investigação”.
Aponta que, na sequência, a medida liminar foi integralmente
mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que
negou o efeito suspensivo pleiteado no Agravo de Instrumento 5155301-
10.2021.8.21.7000/RS.
Argumenta que, no julgamento da ADPF 130, esta Corte assentou
não caber ao Estado, mediante qualquer de seus órgãos ou instituições,
definir o objeto de conteúdo jornalístico, impedindo a livre difusão de
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ideias. Entende, assim, que o ato reclamado, ao proibir a divulgação da
reportagem, ofende a autoridade de decisão vinculante do Supremo
Tribunal Federal.
Requer, assim, a concessão de medida liminar para suspender os
efeitos do ato reclamado. No mérito, pugna pela cassação definitiva da
decisão proferida pela autoridade reclamada, reconhecendo afronta ao
entendimento firmado na ADPF 130.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, registro que a jurisprudência desta Corte tem
admitido, no âmbito de reclamação fundada em afronta à liberdade de
imprensa, a suspensão da eficácia de decisões judiciais que determinem a
não veiculação de matérias jornalísticas.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: Rcl 11.292-MC,
Rel. Min. Joaquim Barbosa , DJe 3.3.2011; Rcl 16.074-MC, proferida pelo
Min. Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente), Rel. Min. Luís Roberto
Barroso, DJe 6.8.2013; Rcl-AgR 19.548, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de
Mello, DJe 14.12.2015; Rcl 22.328, Rel. Min. Luís Roberto Barroso,
Primeira Turma, DJe 10.5.2018; Rcl 28.747, Primeira Turma, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, Redator do acórdão Min. Luiz Fux, DJe 12.11.2018;
e Rcl 36.742-MC, de minha relatoria, DJe 11.9.2019. Com destaque para o
seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À LIBERDADE DE
IMPRENSA. DECISÃO LIMINAR QUE RESTRINGE
VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. SÚMULA
735/STF. NÃO INCIDÊNCIA. MATÉRIA PASSÍVEL DE
CONHECIMENTO POR RECLAMAÇÃO ANTE POSSÍVEL
OFENSA À DECISÃO VINCULANTE NA ADPF 130/STF.
PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Nos casos em
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que se suscita ofensa à decisão vinculante deste Tribunal, o
recurso extraordinário interposto em face de decisão que
defere medida liminar pode ser conhecido, se preenchidos os
requisitos que autorizariam o cabimento da reclamação,
hipótese na qual não incidiria o óbice da Súmula 735/STF. 2. A
alegação de ofensa à decisão da ADPF 130, Rel. Min. Ayres
Britto, na qual se proibiu a realização de qualquer forma de
censura prévia, dá ensejo ao cabimento, em tese, da
reclamação constitucional, uma vez que o STF proibiu a
censura de publicações jornalísticas, bem como tornou
excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na
divulgação de notícias e de opiniões, sendo certo, ainda, que
eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado,
preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta
ou indenização. 3. Agravo regimental provido”. (RE 840.718
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Redator do acórdão
Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 18.9.2018, grifo nosso)
No que tange à concessão de liminar em reclamação constitucional,
observo que a medida urgente pressupõe situação excepcional na qual
estejam caracterizados o fumus boni iuris, que é o fundamento relevante
do direito, e o periculum in mora, que se traduz no risco de dano
irreparável ou de difícil reparação ao direito material tutelado no
processo.
Parece-me que ambos os requisitos estão presentes no caso dos
autos, dando ensejo à concessão da liminar.
O acórdão paradigma invocado pelo reclamante foi prolatado no
julgamento da ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 6.11.2009, que
assentou não ter sido a Lei 5.250/1967 recepcionada pela Constituição
Federal de 1988 (Lei de Imprensa). Eis a ementa do julgado:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO
DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE
INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA, EXPRESSÃO SINÔNIMA DE
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LIBERDADE DE IMPRENSA. A PLENA LIBERDADE DE
IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE
QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA
LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU
SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO
ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO
SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA
COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO
DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS
AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO
DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE
BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE
DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO
DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA
PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO.
INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE
DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE
RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL,
CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS
CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE
IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE
PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO
INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS
PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA
E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA
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CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E
DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE
PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA
COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA
OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO
OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU
OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E
AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO
DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS
PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E
REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO
RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA
ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA
DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 12.
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o
efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de
1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de
9 de fevereiro de 1967”.
Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal vedou a prática de
atos estatais que configurem censura prévia à atividade jornalística,
considerando que o livre trânsito de ideias constitui elemento essencial ao
desenvolvimento da democracia. Assentou, contudo, que a proibição da
censura não impede o controle posterior, pelo Poder Judiciário, de
excessos eventualmente cometidos pelos veículos de comunicação, com a
finalidade de mitigar danos causados a direitos constitucionais de igual
relevância, como a inviolabilidade da vida privada e da honra dos
indivíduos.
Transcrevo, nesse sentido, parte da ementa que reflete o referido
julgado, no que interessa:
“Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais
democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das
ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas
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sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e administrativas.
Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando
a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no
desfrute da plenitude de liberdade de imprensa”. (grifo nosso)
Nesse aspecto, a orientação jurisprudencial firmada partir do
julgamento da ADPF 130 consagrou que a liberdade de informação e de
imprensa somente podem ser integralmente preservadas se entendidas
como proibitivas de qualquer tipo de censura prévia.
No caso, o ato judicial reclamado assentou que, considerando que não
se sabe, efetivamente, qual será o teor da matéria a ser veiculada pelos meios de
comunicação da demandada, entendo que devam ser salvaguardadas as
informações pertinentes ao acordo de colaboração premiada e depoimentos
contidos, assim como qualquer informação decorrente da quebra de sigilo de
dados telefônicos, sob pena de violação ao que dispõe o artigo 7º, §3º, da Lei nº
12.850/13, com a redação dada pela Lei nº 13.964/19 (...)”.
Extrai-se dos autos que, na visão da autoridade reclamada, a
circunstância de a reportagem jornalística envolver informações sigilosas,
reunidas a partir de acordo de colaboração premiada, justificaria a
censura judicial da publicação lesiva aos direitos do investigado.
Nesse contexto, entendo, em análise preliminar, que o Juízo
reclamado, ao obstaculizar a divulgação da matéria jornalística, realmente
afrontou a decisão vinculante proferida na ADPF 130.
Sem embargo da complexidade da questão, tenho para mim que a
simples circunstância de o reclamante dispor de informações sigilosas
oriundas de inquérito policial - as quais lhe foram indevidamente
repassadas por terceiro que dispõe de acesso aos autos do acordo de
delação premiada - não implica, por si só, a ilicitude das atividades
exercidas pelo jornalista, tampouco legitima a interferência prévia do
Poder Judiciário para obstar a publicação da matéria, sob pena de afronta
à liberdade de expressão.
Em casos tais, é necessário distinguir a conduta ilícita do servidor
público que, de maneira imprópria, divulga dados sigilosos a terceiros,
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da postura legítima do profissional de imprensa que, tendo acesso aos
elementos repassados pelo agente estatal, exerce regularmente o direito
constitucional de obter, receber e transmitir informações de interesse
público.
Em decisão recente, proferida nos autos da ADPF 601-MC, tive a
oportunidade de enfatizar que, mesmo nos casos em que pairem dúvidas
em torno da legitimidade da forma de obtenção do material utilizado
pelo jornalista, incumbe ao Poder Judiciário atuar preventivamente para
impedir a prática de quaisquer atos estatais que possam ensejar a
violação, ainda que indireta, do direito fundamental à liberdade de
imprensa.
Destaquei, na oportunidade, que a preponderância em concreto do sigilo
constitucional da fonte jornalística parece afastar qualquer possibilidade de
instrumentalização da máquina estatal para tolher do profissional o direito
constitucional de livremente obter, receber e transmitir informações e ideias.
Transcrevo trechos relevantes da decisão:
Para além do resguardo constitucional expresso do sigilo
da fonte no ordenamento constitucional pátrio, não é
demasiado ressaltar que a história recente das democracias
constitucionais tem nos advertido que as cláusulas de liberdade
de expressão e de imprensa devem ser preservadas em
benefício da obtenção da informação pela coletividade, ainda
que por vezes o exercício desses direitos tencione o interesse
circunstancial dos governos e governantes.
Nesse sentido, no julgamento do caso New York Times v.
Sullivan, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1964, o
Tribunal reverteu condenação pecuniária de U$ 500 mil dólares
imposta ao veículo de comunicação, em benefício do chefe de
polícia do Alabama, pela publicação de matéria na qual se
criticava excessos cometidos pelos agentes públicos contra
grupo de estudantes que integravam o movimento de direitos
civis.
A decisão, lavrada pelo Justice William Brennan, exaltou o
contexto de um profundo compromisso nacional com o
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princípio que o debate sobre questões públicas seja realizado de
forma desinibida, robusta e totalmente aberto (SILVA, Daiany
Souza da. New York Times Co. v. Sullivan: o surgimento da
doutrina da actual malice e sua repercussão na jurisprudência da
Suprema Corte norte-americana – a proteção da verdade.
Revista Direitos Fundamentais & Justiça. Ano 6, nº 19, p. 267).
O Consultor Jurídico Geral do grupo New York Times,
David E. McCraw, traz, no livro “Truth in Our Times: inside the
fight for press freedom in the age of Alternative Facts”, interessante
relato sobre a compreensão da Corte nesse precedente, que se
aplica ao caso em análise:
“Ao tempo em que o caso chegou à Suprema Corte,
os justices tinham visto o suficiente. ‘Essa técnica de
assediar e punir a imprensa livre – agora que se mostrou
possível -, não é de forma alguma limitada aos casos
envolvendo questões raciais; ela pode ser usada em outros
casos onde as ofensas aos agentes públicos podem fazer os
jornais locais e também os de fora do estado vítimas fáceis
pelos autores das ações de difamação”. (MCCRAW, David.
E. Truth in Our Times: inside the fight for press freedom
in the age of Alternative Facts. p. 15).
A partir desse precedente, a Suprema Corte dos Estados
Unidos passou a exigir a comprovação da má-fé (actual malice)
na divulgação de informação falsa ou ofensiva, enquanto
requisito para a admissão de ações indenizatórias de agentes
públicos contra jornalistas.
Outro julgamento paradigmático ocorreu no caso New
York Times Co. v. United States (1971), a Suprema Corte norteamericana reconheceu que a liberdade de imprensa se
sobrepunha ao interesse do Governo de impedir a divulgação
pelos jornais New York Times e Washington Post de
documentos secretos vazados à imprensa por um funcionário
do Pentágono. Tais documentos (os chamados Pentagon Papers)
incluíam estudos sobre a Guerra do Vietnã e informações
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sigilosas sobre a atuação de diversos ex-Presidentes norteamericanos.
O voto do Justice Black no precedente é marcante ao
consagrar que a liberdade de imprensa e de expressão deve ser
concebida “para servir aos governados e não aos governantes”
(“the press was to serve the governed, not the governors”). A posição
prevalecente no julgamento do caso espelhou o entendimento
de que “somente uma imprensa livre e sem restrições pode
efetivamente expor os atos equivocados dos membros do
Estado”, traduzindo-se como verdadeira forma de controle
social da atuação dos governantes. (“Only a free and unrestrained
press can effectively expose deception in government. And paramount
among the responsibilities of a free press is the duty to prevent any
part of the Government from deceiving the people and sending them
off to distant lands to die of foreign fevers and foreign shot and shell”).
O caso em tela remete-nos justamente ao exame da
conformação do direito à liberdade de expressão e de imprensa
vis a vis o interesse estatal de persecução por atos supostamente
ilícitos. A despeito da complexidade da questão, a
preponderância em concreto do sigilo constitucional da fonte
jornalística parece afastar qualquer possibilidade de
instrumentalização da máquina estatal para tolher do
profissional o direito constitucional de livremente obter, receber
e transmitir informações e ideias.
Desse modo, entendo presentes o fumus bonis iuris, consistente na
aparente afronta ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na
ADPF 130, bem como o periculum in mora, diante dos efeitos nocivos da
censura prévia imposta ao direito fundamental da liberdade de imprensa.
Ante o exposto, defiro o pedido de liminar para determinar a
suspensão das decisões proferidas pelo Juízo da 18ª Vara Cível da
Comarca de Porto Alegre/RS, nos autos do processo n. 5092521-
79.2021.8.21.0001/RS, e pelo eminente Desembargador Relator do
Agravo de Instrumento n.º 5155301-10.2021.8.21.7000/RS, até o
julgamento de mérito da presente reclamação.
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Solicitem-se informações ao Exmo. Desembargador Relator do
Agravo de Instrumento n.º 5155301-10.2021.8.21.7000/RS e ao Juízo da 18ª
Vara Cível da Comarca de Porto Alegre (art. 989, I, NCPC).
Cite-se o beneficiário (art. 989, III, NCPC).
Intime-se, se necessário, a reclamante, para que forneça o endereço
da parte beneficiária do ato impugnado nesta sede reclamatória, sob pena
de extinção do feito (arts. 319, II; 321; e 989, III, do CPC).
Após, abra-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República,
pelo prazo de 5 dias (art. 991, CPC).
Publique-se. Int..
Brasília, 21 de dezembro de 2021.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
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