A greve dos caminhoneiros já seria um sintoma suficiente
para perder a fé no Brasil, tal a conspiração dos erros que dramaticamente se
somaram, e que só poderiam resultar no evento monstruoso em que se transformou.
Claro, começa tudo no governo em clima de fim da linha.
Não chego a reclamar, como tantos fizeram, que o governo deveria ter se
antecipado aos fatos, de modo a evitar o terremoto. Trata-se de uma velha
bobagem de engenheiros de obra pronta. Ninguém, antes, rigorosamente ninguém,
desconfiou do perigo.
É verdade que o governo dispõe de agências de informação
e inteligência. Mas governos, e ainda mais no Brasil, vivem imobilizados na
letargia e incompetência que reinam soberanos em cada repartição oficial. Não
dão conta do dia a dia, dos eventos recentes, quanto mais de efeitos futuros de
uma ação ou omissão.
Mas e esses novos heróis nacionais, os caminhoneiros? Não
se pode esperar deles nada especial. Naquele universo, prevalece o jogo bruto.
Claro que não estou me referindo à totalidade da categoria. Deve ter, entre
eles alguém que, digamos, goste de Mozart.
Basta transitar nas estradas para conhecer o grau de
civilidade da categoria. Do alto das suas boleias, adrenalina vertendo, nós
motoristas comuns, devemos ter todo o cuidado para não irritá-los: é perigoso,
muito perigoso. Querem saber o caráter de um homem, deem-lhe uma parcela de
poder. Na estrada, a boleia de um caminhão é uma parcela de poder.
O governo, atônito, achou que poderia resolver a parada
através de concessões razoáveis - ou fartas, como foram. E tomou um tombo ainda
pior do que a surpresa inicial. Pensando se tratar de cavalheiros, acreditou
que havia celebrado um bom acordo para o fim da greve. Não contaram que as
bases, tomadas de exaltação e valentia, rasgassem o acordo antes de ser lido.
Terá alguém dito aos cavalheiros, olho no olho, que
muitos deles compraram caminhão nos tempos de bonança, sem calcular se o
mercado comportava tantos novos profissionais? Que os preços do petróleo e
valor do dólar, contingências ditadas de fora e sem apelação, dispararam nos
últimos meses? E que para baratear o custo dos combustíveis, só com subsídios
do governo, e então todos terão de pagar, mesmos os sem-caminhão?
No meio da confusão, entraram em cena canastrões e
oportunistas, como esse Rodrigo Maia, personalidades erradias como Ciro Gomes,
e o lulopetismo inteiro, sacando a pistola do “neoliberalismo”, arma versátil
para uso em todas as ocasiões, completamente esquecidos que tudo é ainda
rescaldo das estripulias de Dilma e do PT na Petrobras.
E quem vai pagar a conta da gandaia? Os de sempre. O povo
que trabalha, a população indefesa, os pobres deste país.
E no entanto, mesmo os que sofreram todas as agruras do
evento se declararam favoráveis ao movimento. Se uma categoria pode assim agir,
botando de joelhos o governo, mantendo-nos como reféns de suas vontades,
paralisando o país, então todos podem. O que de bom podemos esperar do futuro,
se 86% da população, segundo pesquisas, apoia ações dessa ordem e tipo,
ignorando os direitos de todos, os interesses da maioria, o bem comum?
titoguarniere@terra.com.br