Artigo, Mary Zaidan - O povo não é bobo
No palanque, o ex Lula, travestido de alvo das elites,
prega que o “povo não tem de pagar imposto de renda sobre salário”. Na outra
ponta, o deputado Jair Bolsonaro promete que todos os brasileiros terão armas
de fogo.
Nada que, digamos educadamente, seja factível ou habite
as prioridades do cidadão.
Primeiro e segundo colocados nas pesquisas de intenção de
voto a um ano da eleição presidencial, ambos discursam com doses idênticas de
irresponsabilidade.
Como jogam quase sozinhos estão contabilizando sucessos.
Boa parte deles, fora da lei.
Mas as vantagens da antecipação deslavada -- à qual a
Justiça eleitoral fecha os olhos, deixando ferir a isonomia entre os
pretendentes futuros já na fase preliminar -- podem custar caro mais à frente,
quando e se o eleitor vier a exigir propostas dos concorrentes.
Como Bolsonaro pretende armar todo o povo? Vai criar a
bolsa-revólver?
O que Lula, que governou o país por oito anos
consecutivos e não desonerou o salário de IR enquanto podia, vai dizer ao
trabalhador? Como explicará as benesses que deu às elites que condena no papo?
O que mesmo ele tem para oferecer além da prometida revogação dos atos do
presidente Michel Temer, escolhido a dedo por ele para compor a chapa com sua
pupila Dilma Rousseff?
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Pretende reeditar a escalada de consumo que escamoteou a
pobreza, permitindo a compra da TV nova perdida no carnê do desemprego? Ou
escolher novas empresas campeãs nacionais, “eikes e joesleys” para assaltar o
Estado com subsídios, financiamentos e concessões generosas? E novamente
enriquecê-los com facilidades para financiarem o rei e seus amigos.
Tanto Lula quanto Bolsonaro vão precisar mais do que boa
lábia.
Políticos em geral e candidatos em particular tendem a
abusar da repetição enfadonha dos reclames por mais segurança, mais emprego,
mais saúde, mais educação, mais e mais daquilo que eles prometem toda eleição e
não entregam. Falam o que acham que o público quer ouvir, sem qualquer lastro
com a realidade ou compromisso futuro.
Mas, diante do estado de corrupção generalizada em quase
todos os motores da máquina pública, impostos estratosféricos e serviços de
péssima qualidade, dificilmente o eleitor vai se iludir com as bravatas de
sempre.
Enganam-se os que de antemão só veem espaços para
aventureiros quando a crise se agudiza. Por vezes, ela funciona como bússola e
orienta o eleitor a rejeitar discursos vazios e exigir propostas mais viáveis,
por vezes até duras. Foi assim na França de Emmanuel Macron e até na vizinha
Argentina de Mauricio Macri.
Não é preciso ir longe. Há exemplos caseiros, como o do
governador Mario Covas, que, para desespero dos marqueteiros da época,
antecipou, durante a campanha de 1994, que não concederia reajuste ao
funcionalismo público paulista. Venceu as eleições.
Há chances concretas de o eleitor levar a sério alguém
que aponte com firmeza – e sem fantasias – um plano para revolucionar a
estrutura de segurança pública que tem se mostrado ultrapassada e ineficiente
na maioria dos estados. Ou para universalizar o Ensino Médio, que hoje atrai
pouco mais de 50% dos jovens, sendo que mais de 40% deles abandonam o curso
antes de concluí-lo. Ou ainda para reparar o absurdo de 35 milhões de
brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem acesso à coleta de
esgoto quanto mais a tratamento, que só chega a 42% do montante coletado. Tudo
a condenar populações imensas ao subdesenvolvimento e à miséria eterna.
Concordando ou não com ele, o estudo Um ajuste justo,
apresentado pelo Banco Mundial na semana que passou, é um bom início de
conversa.
Nas 160 páginas dele há propostas ousadas que vão desde
reformas radicais na Previdência e no sistema de assistência, à adequação das
universidades públicas à paridade social, cobrando dos que têm maior poder
aquisitivo – e que são maioria dentro delas - para subsidiar os mais pobres.
Sugere ainda o congelamento de salários de servidores, que, na média, ganham
mais do que o dobro de seus semelhantes na iniciativa privada.
O embate ficaria mais encorpado, mais rico e digno se
fosse travado em torno da concordância ou discordância de propostas dessa
natureza.
Os palanqueiros de sempre – Lula à frente – vão resistir
a ele. Até porque não suportam o debate de ideias. Nada do que difere do que
eles pensam pode, nem hipoteticamente, ser proveitoso, quando mais bom.
Para Bolsonaro, tudo que vier é lucro. Para o ex Lula, a
encarnação de mártir foi escolhida há tempos e cabe em qualquer figurino: na
vitória ou na derrota, na glória ou na prisão.
Talvez não se atentem para dois fatos: intenção de voto
um ano antes da eleição irriga o ego, mas pouco mede. E o eleitor não é trouxa.