MPC do RS

Nota do MPC:

"Os membros do Ministério Público de Contas do RS, em sua totalidade, vimos a público para, acerca da noticiada propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF, por parte do Procurador-Geral da República, em face dos artigos 2º e 3º da Lei Estadual nº 11.160/1998, que dispõe sobre a Instituição que compomos, e 28 da Resolução nº 544/2000, que tratava do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do RS, dizer que:


1) O pedido expresso na referida ação é no sentido de que "seja garantida a alternância periódica na chefia" do MPC;


2) As razões para o pedido dizem com o silêncio da lei mencionada quanto à adoção de mandato para a chefia institucional, nisso apontando contrariedade aos princípios republicano e democrático da Constituição Federal;


3) A opção do legislador estadual, em 1998, a partir de projeto de lei remetido à Assembleia Legislativa pelo TCE, com a colaboração do MPC, foi a de criar a carreira ministerial de contas com 4(quatro) cargos, estruturada em dois níveis: o inicial, com ingresso por concurso público de provas e títulos, no cargo de Adjunto de Procurador (3 cargos) e o final, com 1 cargo de Procurador, provido por promoção de Adjunto de Procurador, pelos critérios de antiguidade e merecimento.


4) Por solicitação do MPC, já foram encaminhados pelo TCE à Assembleia Legislativa, nos últimos 10(dez) anos, 3(três) projetos de lei (441/2011, 200/2015 e 189/2016). Da justificativa enviada consta o objetivo de "consolidar a instituição como ainda mais republicana e democrática, estabelecendo mandato para a chefia do Ministério Público de Contas”. Essas proposições ainda não obtiveram aprovação, fato inerente à dinâmica parlamentar, que deve ser respeitada.



Em conclusão, a ação do PGR no STF vem, na prática, somar-se às tentativas do MPC para implementar a alternância em sua chefia, e será mais um argumento a ser submetido à apreciação do Poder Legislativo quanto ao projeto de lei ainda em trâmite."

O REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL SIGNIFICA O APROFUNDAMENTO DA SUBMISSÃO DO RS À UNIÃO E AOS INTERESSES RENTISTAS

 O REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL SIGNIFICA O APROFUNDAMENTO DA SUBMISSÃO DO RS À UNIÃO E AOS INTERESSES RENTISTAS


Entre 1994 (ano de edição do Plano Real) e 1998 (ano do primeiro acordo de renegociação das dívidas dos estados com a União, incluindo o RS), a dívida gaúcha cresceu 122% em termos reais, o equivalente a R$ 46,35 bilhões (a preços de dez/2020) sem que o Estado tivesse recebido qualquer aporte de recurso novo. Cresceu R$ 11,59 bilhões/ano em função de mecanismos estritamente financeiros, decorrentes das elevadas taxas de juros praticadas pela União com a justificativa do controle da inflação. Nesse período os juros reais estavam em 22% a.a.

Aproveitando-se da condição financeira difícil, criada por essa situação, a União impôs ao RS, e aos demais entes federados, um contrato em 1998, cuja análise dos Auditores Externos do TCE, em trabalho efetuado em 1999 (Expediente n° 5671/99-0), concluiu que “o contrato de Refinanciamento retira do Estado a autonomia financeira e administrativa prevista na Constituição Federal" (fl. 27). Isso ocorre por conta dos PAFs (Programas de Reestruturação e Ajuste Fiscal) e da restrição financeira decorrente do acordo draconiano firmado com os Estados.

Aquele acordo previa um conjunto de seis condicionantes (exigências) a serem cumpridos pelo RS, retirando parcela significativa da autonomia do Estado.

O acordo previsto atualmente, denominado eufemisticamente de Regime de Recuperação Fiscal (LCF nº 159/17), aprofunda a subserviência, impondo um conjunto de 21 condicionalidades e significa consolidar, sem maiores resistências, abrindo mão da discussão judicial (há apenas liminar nesse sentido), um saldo devedor de aproximadamente R$ 69,06 bilhões (em dez/2020, a dívida total do RS, que inclui outras dívidas além do contrato com a União, somava R$ 81,33). O RRF foi alterado neste ano pela LCF nº 178/2021, que inclusive torna suas condições mais draconianas, amplia o seu prazo de 6 para 9 anos e não resolve o problema do endividamento.

Defendemos a revisão do contrato pelo índice oficial da inflação (IPCA). Retirando os juros e recalculando desde o início pelo IPCA a dívida já estaria paga em maio/2013 (conforme estudo do TCE-RS, Informação Técnica nº 16/2015-SAIPAG).

O novo acordo, além de consolidar o saldo que já estaria pago caso a negociação ocorresse em bases justas, significará um aumento da dívida quando os pagamentos forem retomados, uma vez que as parcelas não pagas durante a vigência do RRF serão acrescentadas ao saldo final. 

Além disso, a essência da política econômica do estado será dirigida pela União, mediante a instalação de uma Comissão de Supervisão do Plano que atuará diariamente na SEFAZ-RS. Uma vez instalada o Secretário da Fazenda e o próprio Governador serão mera peça de decoração. Essa Comissão teve seus poderes ampliados com a LCF nº 178/2021.

E tudo isso para garantir que a dívida continue sendo paga!

O acordo levará o RS a abrir mão de mais patrimônio público dos gaúchos sem significar a resolução dos problemas estruturais. A denúncia de intervenção nas políticas econômicas que vínhamos fazendo, antes subliminar mas já identificada no citado relatório de auditoria elaborado em 1999, agora está explícita no caput do art. 1º da LCF nº 178/2021 onde se diz que “tem por objetivo ... compatibilizar as respectivas políticas fiscais (dos entes subnacionais) com a da União”.

De tanto nos curvarmos a esta prática, naturalizou-se a situação e perdeu-se o pudor, rasgando-se princípio federativo basilar insculpido na Constituição Federal.

Urge rejeitar essa proposta de repactuação danosa e integrar um movimento nacional que busque revisar o pacto federativo e recompor a autonomia que a Constituição Federal confere aos Estados.



JOSUÉ MARTINS,

Auditor Externo do TCE-RS,

PRESIDENTE DO CEAPE-Sindicato,

Membro da Coordenação do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida Pública.










QUANTO A UNIÃO GANHOU COM LEI FEDERAL Nº 9.496/97?

ONEROSIDADE EXCESSIVA SOBRE OS ESTADOS E GANHO DESPROPORCIONAL À UNIÃO – PREPONDERÂNCIA DA LÓGICA FINANCISTA SOBRE A EQUIDADE E SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO

 

FONTE: Relatórios de Gestão anuais da Secretaria do Tesouro Nacional apresentados ao TCU.

Obs: (1) Dados não apresentados em 2008.

(2) Apresentados apenas os juros e encargos. As amortizações não foram evidenciadas.

Artigo, Victor Missiato - Vidas afegãs não importam

No século XIX, John Stuart Mill e Karl Marx, dois dos pensadores mais influentes do liberalismo e do socialismo, respectivamente, deixaram registrados suas impressões acerca do mundo oriental. Em Sobre a liberdade, o pensador inglês ressaltou que não poderia estender seus raciocínios aos indianos, pois eles possuíam um grau civilizacional inferior. Em 1853, Marx escreveu um artigo analisando o domínio britânico na Índia. Segundo o filósofo alemão, a destruição produzida pela Inglaterra faria sentido enquanto uma "revolução fundamental", no que tange o desenvolvimento de um novo estado social. Desse modo, ciência, civilização e progresso preencheram a tríade do desenvolvimento mundial, alicerçado a partir de uma formação de modernidade eurocêntrica, independentemente da corrente política em formação. 

Em sua obra clássica, O Orientalismo, Edward Said demonstrou como o discurso acerca do Oriente foi historicamente construído pelo Ocidente. De acordo com o intelectual palestino, "a exterioridade da representação é sempre regida por alguma versão do truísmo de que, se o Oriente pudesse representar a si mesmo, ele o faria; como não pode, a representação cumpre a tarefa para o Ocidente e, faute de mieux, para o pobre Oriente". Trata-se de uma obra criticada por diversos autores, que veem em Said uma clara tentativa de transformar as potências ocidentais como responsáveis por toda a tragédia vivida pelo Oriente Médio, reduzindo o mundo a uma luta constante entre imperialistas euro-americanos x países subjugados. Tal visão de mundo percorre a maiorias dos grandes centros universitários mundo afora, reproduzindo uma análise demasiadamente vulgar, porém sedutora. 

A partir das teorias estabelecidas por Said e outros intelectuais, surgiu, nas últimas décadas, um campo de estudo denominado pós-colonialismo. Os estudos pós-coloniais defendem, em geral, um distanciamento da leitura eurocêntrica de mundo e uma proposta de releitura da modernidade. Em princípio, trata-se de um projeto democratizante. Porém, no esteio desse empreendimento intelectual encontra-se um projeto de poder que, posto em prática, traz à luz uma indiferença aterrorizadora. 

Alguns dos principais movimentos sociais que apoiaram o atual presidente Joe Biden nos EUA estiveram associados ao "progressismo", representantes atuais das bandeiras hasteadas em Maio de 1968, quando uma geração propôs revolucionar a modernidade. Naquela conjuntura, filósofos como Jean Paul Sartre e Michel Foucault apoiaram movimentos autoritários como o guevarismo e o maoísmo, apesar de já terem conhecimento das atrocidades cometidas em Cuba e China. Trata-se, portanto, de um prolongamento da visão em que Marx parafraseia o escritor Goethe ao justificar as ações britânicas na Índia: "Essa tortura deveria nos atormentar, visto que nos traz maior prazer?" ("Sollte estes Qual uns quälen 

Da sie unsre Lust vermehrt"). 

Modernidade, por conseguinte, sempre estará relacionado a progresso, desenvolvimento, ciência e violência, indiferença e representações dicotômicas. Nessa última semana, Joe Biden foi responsável por uma das cenas mais trágicas vistas nos últimos anos, quando afegãos caíram de aviões ao tentarem escapar do avanço dos Talibãs. Vice-presidente de Barack Obama, o vencedor do Nobel 2009, que nunca sequer governou os EUA sem participar de uma guerra, Joe Biden parece manter essa política com um discurso progressista no plano nacional e um gatilho pronto para ser disparado em qualquer lugar na Ásia ou na África. Assim como ocorreu na Líbia, Síria e Iêmen, quando a dupla Obama-Biden esfacelou qualquer possibilidade de estabilidade social, Biden e Kamala Harris, vice-presidente, acenam para mais quatro anos de desastres políticos na esfera internacional. Ao contrário de todo apoio legítimo à luta contra o racismo, representado pelo movimento Black Lives Matter, para os Democratas, as vidas afegãs não parecem ter o mesmo valor. 

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Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília. Membro do Grupo de Estudos Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca). 

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Sobre a Faculdade Presbiteriana Mackenzie 

A Faculdade Presbiteriana Mackenzie é uma instituição de ensino confessional presbiteriana, filantrópica e de perfil comunitário, que se dedica às ciências divinas, humanas e de saúde. A instituição é comprometida com a formação de profissionais competentes e com a produção, disseminação e aplicação do conhecimento, inserida na sociedade para atender suas necessidades e anseios, e de acordo com princípios cristãos. O Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM) é a entidade mantenedora e responsável pela gestão administrativa dos campi em três cidades do País: Brasília (DF), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ). As Presbiterianas Mackenzie têm missão educadora, de cultura empreendedora e inovadora. Entre seus diferenciais estão os cursos de Medicina (Curitiba); Administração, Ciências Econômicas, Contábeis, Direito (Brasília e Rio); e Engenharia Civil (Brasília). Em 2021, serão comemorados os 150 anos da instituição no Brasil. Ao longo deste período, a instituição manteve-se fiel aos valores confessionais vinculados à sua origem.