Riocardo Noblat, O Globo - A Nova República vem aí! Será?

A Nova República vem aí! Será?

Porque a Justiça não cedeu à inércia, aliada da impunidade e, por tabela, cúmplice da corrupção, o Brasil deu ontem um passo importante na direção do que Tancredo Neves pregou para se eleger presidente em 1985, mas não viveu para ver: o possível surgimento de uma Nova República.

Deu-se esse nome, erradamente, à fase de transição entre a ditadura de 64 que durou 21 anos e a consolidação da democracia restaurada por aqui. Mas que democracia foi essa que se deixou corromper pelos males de um presidencialismo mercantil de cooptação à falta de outros meio para se sustentar?

Antes, o presidente governava com base no apoio de partidos ideológicos, à esquerda ou à direita. Cada um deles, bem ou mal, defendia seu projeto de país. Havia distribuição de cargos, natural que houvesse para a formação de maioria no Congresso. Mas não com a intenção deliberada de roubar e de deixar que roubassem.

O roubo sempre existiu e sempre existirá. Mas com a multiplicação desenfreada dos partidos, dos sindicatos e de outras entidades a eles ligadas, o roubo inflacionou o preço dos apoios, os custos das campanhas e degradou os valores e princípios que caracterizam – ou que deveriam caracterizar – o regime democrático.

A democracia manda que as eleições sejam disputadas em igualdade de condições pelos candidatos. O Caixa 2 favorece um lado em detrimento do outro menos aquinhoado. A propina pura e simples também. Mais ainda quando ela deriva da compra de medidas governamentais e de contratos superfaturados.

Só para ficarmos em um único exemplo: não foi isso o que aconteceu na última eleição presidencial? Em parte por arrogância, em parte do excesso de realismo, o empresário Marcelo Odebrecht disse em depoimento à Justiça que foi ele que inventou a candidatura da ex-presidente Dilma à reeleição. Por que?

Ora, porque foi a construtora que carrega seu sobrenome que tornou a reeleição de Dilma factível mediante a doação de milhões de reais omitidos à Justiça, e o pagamento no exterior de serviços prestados à campanha. Quando isso acontece, subverte-se a livre manifestação do desejo dos eleitores. É crime de lesa democracia.

Se em casa falta luz, a primeira coisa que fazemos é conferir se o disjuntor caiu. Disjunção! Os representantes do povo, e as instituições que eles integram, desligaram-se dos seus representados. A democracia, por mais formal que seja, deu à luz entre nós a uma sociedade mais exigente e a uma imprensa mais atenta.


O resultado é o que vemos. Que seja só o começo. Amém.” (Ricardo Noblat)

Sai Lula. Entra Luiz Inácio Odebrecht da Silva

Sai Lula. Entra Luiz Inácio Odebrecht da Silva
Ricardo Noblat

A Suderj informa: substituição no time do PT. Sai Lula, o retirante nordestino que sobreviveu à seca e à miséria, também conhecido como “O Pai dos Pobres”, o “Messias do rio São Francisco” ou simplesmente  “O Cara”, assim batizado no melhor de sua forma física pelo ex-presidente americano Barack Obama.

Entra Luiz Inácio Odebrecht da Silva, o garoto descoberto nas greves da região do ABC paulista nos anos 80 do século passado pela maior empreiteira da América Latina, próspero negociante de sua própria fama, e que ao aderir ao chamado mundo da bola preferiu se apresentar sob a alcunha de “Metamorfose Ambulante”.

Ao fazê-lo, forneceu todas as pistas para que afinal fosse decifrado, mas isso estava muito acima da capacidade de compreensão dos seus contemporâneos. Lula, de há muito, deixara de ser apenas um nome. Fora promovido à condição de sobrenome para proteger sua numerosa família que passou a se beneficiar do seu sucesso pessoal.

A história de Luiz Inácio Odebrecht da Silva começou a ser contada quando o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, suspendeu o sigilo em torno das delações de executivos da empreiteira que está no centro do maior escândalo de corrupção do mundo, segundo o Departamento de Estado do governo dos Estados Unidos.

Segundo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, condenado e preso em Curitiba, Lula chegou a registrar um saldo de R$ 40 milhões de reais em sua conta-propina administrada pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Desse total, Lula sacou, no mínimo, R$ 30 milhões em dinheiro vivo de 2002 para cá.

Homem de família - embora certa vez tenha se assustado com o boato de que havia fotos suas em meio a uma farra em Manaus -, cuidou para que ela levasse a vida com razoável conforto. Para o irmão que o iníciou nas artes da política, Frei Chico, conseguiu que a Odebrecht lhe pagasse uma mesada mensal em troca de nada.

Para seu filho caçula, Luís Cláudio, que a Odebrecht financiasse seus negócios na área do futebol americano. Foi a Odebrecht, ao seu pedido, que introduziu em Angola a empresa de construção civil do seu sobrinho Taigara Rodrigues. A empresa, ali, não foi bem-sucedida. Mas Taigara ganhou o seu pago pela Odebrecht.

Conforme revelou Emílio Odebrecht, o patriarca da família com negócios em mais de 20 países, não foi Lula que pediu que a empreiteira reformasse em Atibaia o sítio onde a família costumava repousar. Foi dona Marisa, mulher dele, que morreu recentemente às turras com o marido e com medo da Lava Jato.

Mas quando Lula recebeu Emílio no Palácio do Planalto no seu penúltimo dia como presidente da República, Emílio apressou-se a dizer que a reforma do sítio ficara pronta. Chamou-o de “chefe”, por hábito. Pensou que desmanchara a surpresa que Marisa lhe reservara. Lula já sabia de tudo. Sempre soube.

Sabia também que a Odebrecht comprara um terreno para abrigar a futura sede do Instituto Lula (mais tarde Lula desistiu da ideia). E sabia que a Odebrecht tinha novos planos para ele. O principal: carregá-lo pelo mundo como conferencista capaz de lhe abrir novas portas de negócios. Pagaria por palestra o que ele cobrasse.

“Nosso objetivo inicial foi conseguir um projeto que pudesse remunerar o ex-presidente Lula, face o que ele fez durante muitos anos para o grupo. E que fosse de uma maneira lícita, transparente”, delatou Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht. “Depois descobrimos que ele poderia nos ajudar em negócios no exterior”.

Com todas as despesas de viagens pagas pela Odebrecht, Lula passou a ganhar entre 150 mil a 200 mil dólares por palestra. Enriqueceu rápido. Só parou de fazer palestras quando a Odebrecht entrou definitivamente no radar da Lava Jato. Por gentileza, Emílio tratava-o de “chefe”. De fato, o chefe sempre foi Emílio.

A serviço de Emílio, ainda no seu primeiro governo, por exemplo, Lula chegou a impedir que a Petrobras comprasse ativos do Grupo Ipiranga para garantir que a Odebrecht, por meio de uma subsidiária, continuasse hegemônica no setor de combustíveis. Prejudicou a estatal. Mais tarde, a Odebrecht comprou o grupo.

Outro exemplo: em 2007, no seu segundo governo, Lula foi acionado por Emílio para resolver o problema criado pelo Ibama que se negava a dar uma licença ambiental para a construção da hidroelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, obra da Odebrecht. A licença não saía por conta de uma área de reprodução de bragres.

- Eu fui a ele e disse: ‘O país precisa de energia e vai ser paralisado por causa do bagre? O senhor precisa tomar uma decisão’ – delatou Emílio. Lula tomou – e a licença saiu. O episódio marcou o início do enfraquecimento de Marina Silva no cargo de Ministra do Meio Ambiente. Ela pediu demissão meses depois.

Emílio conheceu Lula nos anos 70. Na época, a Odebrecht enfrentava uma greve geral no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia. “Ele (Lula) criou as condições para que eu pudesse ter uma relação diferenciada com os sindicatos”, confessou Emílio. Em Camaçari, despontou um líder sindical de nome Jaques Wagner.

“Lula pega as coisas rápido. Ele percebe aquilo que tem a ver com intuição pura. É um animal político, um animal intuitivo”, disserta Emílio, que sempre “apoiou Lula” com conselhos e dinheiro. Ajudou-o na confecção da “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgada em 2002 para acalmar o mercado financeiro às vésperas da eleição.


Foi uma relação proveitosa para os dois enquanto durou.