- Fábio Medina Osório, advogado e ex Ministro da AGU
Um dos primeiros artigos escritos sobre a Lei 8.081, de
21,9.90, foi de nossa autoria, em conjunto com o então promotor de justiça
Jairo Gilberto Schafer, quando ambos militávamos no Ministério Público do Rio
Grande do Sul. Nosso trabalho foi uma importante referência doutrinária para
condenação do editor antisemita Siegfried Ellwanger por crime de racismo no
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Precisamos ser duros com quem pratica
racismo e preconceito ou discriminação no Brasil, ou em qualquer lugar do
mundo. Referida Lei acrescentou um dispositivo na Lei 7.716, de 5.1.89, que
trata dos crimes de discriminação e preconceito, qual seja, o art.20:
“praticar, induzir ou incitar , pelos meios de comunicação social, ou por
publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de qualquer
natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou
procedência nacional”, cominando pena de reclusão de dois a cinco anos para os
infratores. A Constituição da República fixa o racismo como crime inafiançável
e imprescritível (art.5o, XLII), estabelecendo ainda que a Lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art.5o, XLI).
Nesse contexto, impressiona que, em cada campanha
eleitoral, candidatos troquem ataques invocando indevidamente expressões como
“fascistas” e “nazistas” para desqualificarem seus adversários. Isso ocorreu na
última campanha norte-americana, quando Trump foi qualificado como “nazista”
por seus adversários. Muitos denominaram Trump como líder de “um novo
nazismo”. Sem qualquer base estatística, e num país onde as instituições são
mais fortes que os governantes, a luta política alimentou boatos de que a
eleição de Trump traria o fortalecimento de uma espécie de supremacia branca e uma
perseguição aos judeus, algo desprovido de fundamento. De outro lado, quando
eleito, Trump também abusou desse mesmo discurso, ao criticar agências de
inteligência que teriam investigado e vazado dossiês a seu respeito. Questionou
se estaria vivendo num regime nazista. Ele próprio foi vítima de fake news. Com
isso, a própria história e o conceito de “nazismo” se perdem e se esvaziam.
No Brasil não é diferente. Em eleições recentes, a mídia
registrou falas de políticos qualificando outros de nazistas, isso no pleito de
2014. O mesmo ciclo se repete em 2018, o que talvez exija a intervenção da
Justiça Eleitoral para coibir abusos. Para explicar essas distorções,
costuma-se invocar a Lei de Godwin, segundo a qual podem existir analogias
nazistas, feitas especialmente em ambientes ou redes onde imperem a
superficialidade das discussões. Esse fenômeno foi percebido e detalhado pelo
advogado americano Mike Godwin. Tais analogias ou comparações surgem em meio a
algum debate quando os argumentos se esgotam e denotam a a truculência da
interlocução. Segundo o próprio autor desse enunciado, é muito grave uma
comparação de tal natureza e deveria ser usada com parcimônia e prudência,
apenas em situações em que a analogia fosse adequada e jamais para suprir
lacunas argumentativas.
A estratégia política de tentar aniquilar o outro,
chamando-o de “nazista”, sem que haja sequer indícios de sua aderência à
doutrina nazista, é uma prática ilícita e moralmente reprovável. Pode
caracterizar, inclusive, uma forma de estímulo à discriminação, ao ódio e ao
preconceito, através dos meios de comunicação social. Remete, pois,
à banalização do nazismo e à erosão da história, além de configurar crime.
Admitir a superficialidade das comparações e analogias nazistas equivale a um desrespeito
a memória do povo judaico e da própria humanidade, eis que direitos humanos
foram violados pelos nazistas. Há outras fórmulas inteligentes e eficazes de se
articular um debate político na arena eleitoral. Em tempos de preocupação do
TSE com fake news, certamente um olhar mais acurado sobre o uso abusivo e
arbitrário da memória da comunidade internacional nos debates políticos deverá
ser considerado, até porque pertence à humanidade este conceito de nazismo,
pelo mal que encarnou. Permitir que candidatos chamem seus oponentes de
“nazistas” é algo muito grave e, no limite, gera um ambiente de tolerância e
flexibilidade no manejo deste conceito tão importante inclusive para o
legislador brasileiro. Quem é nazista não pode ser candidato a qualquer
cargo público. Por isso, falsas imputações devem ser rechaçadas. E quem
incita o ódio racial através dos meios de comunicação social deve responder por
seus atos.