O mundo político e a opinião pública estão há duas
semanas às voltas com o vazamento de conversas telefônicas envolvendo o
ministro Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. São conversas constrangedoras
e inadequadas quando se levam em conta as expectativas do sistema de justiça em
que vivemos. As revelações, além do mais, deixam patente algo que todos sabem,
mas nem todos levam suficientemente a sério: hoje não há ser vivo que se possa
considerar imune a invasões de privacidade. A era digital, com seus recursos e
instrumentos, fez com que os dados se tornassem moeda preciosa e facilmente
manipulável.
Em entrevista publicada recentemente, o ex-ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso observou que “hoje, o exercício
da função pública é cada vez mais uma profissão de risco. A cada ano a
privacidade vai se tornando mais vulnerável”. Para ele, “o que foi feito para
facilitar e proteger reverte-se à condição de pesadelo”.
O cenário é sombrio quando se trata de segurança
informacional. A revolução digital facilitou muita coisa, ampliou acessos e
transparência, mas permitiu também que a vulnerabilidade se expandisse. Na
velocidade de um clique, qualquer um pode perder dados valiosos e ter sua
identidade virtual sequestrada.
Segundo dados governamentais, em 2018 ocorreram 20,5 mil
notificações de incidentes computacionais em órgãos do governo, dos quais 9,9
mil foram confirmados. Desde 2014 o número não fica abaixo de 9 mil. No
levantamento feito, 26% do total dos casos são de adulteração de sites públicos
por hackers. Em segundo lugar estão os vazamentos de dados, com 20%.
A situação estrutural em que estamos remete ao que o
sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) chamou de “sociedade de risco”,
expressão de uma fase histórica de transições aceleradas e reconfigurações. Em
sua formulação, a “sociedade de risco” se tornaria progressivamente o casulo em
que habitariam todos os humanos. Um casulo instável, marcado pela incerteza,
por ameaças recorrentes e pela dificuldade de planejamento, no qual a vida
transcorreria impulsionada pela inovação tecnológica, sem fornecer muitos
espaços para a intervenção política. O risco não cairia do céu como uma
fatalidade: viria por decisões humanas, “incertezas fabricadas”, rotinas,
descuidos.
Quando Beck publicou Sociedade de risco (1986), a vida
ainda não estava saturada de tecnologia de comunicação e informação, os
celulares mal haviam sido projetados, os computadores e a internet
engatinhavam, a própria globalização não havia se aprofundado tanto. Mas Beck
antevia que o risco se converteria em companheiro de viagem da humanidade.
Ganhos conseguidos como progresso iriam se mostrar carregados de perigo.
Chernobyl aconteceria pouco depois da publicação do livro. A paisagem ficaria
tingida por tragédias ambientais, crises econômicas sucessivas, tsunamis
inesperados, aquecimento global.
A intensificação das relações de troca, de comunicação e
de circulação de pessoas para além das fronteiras nacionais fez com que as
sociedades nacionais, com seus respectivos governos, passassem a viver sob
pressão. Muitos espaços e atores “transnacionais” condicionam as operações
estatais. Os Estados não são mais os únicos sujeitos a determinar as leis e o
Direito Internacional. Perderam soberania e, com isso, não conseguem mais
prover segurança ou proteção para seus cidadãos, nem para seus próprios órgãos
e servidores públicos. A vulnerabilidade digital é parte desse quadro.