Transplante de pulmão - 30 anos depois

Neste artigo intitulado "Transplante de pulmão, 30 anos depois", o cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre, J.J. Camargo, conta a história do início dos transplantes de pulmão no RS, que foi pioneiro no Brasil. Já foram  600 cirurgias.

Ele conta sobretudo as memórias daquele 16 de maio de 1989 na Santa Casa de Porto Alegre.

Leia o artigo, publicado em Zero Hora (o editor assina o jornal e recomenda que os leitores façam o mesmo, ainda que não gostem da linha editorial):

Durante um congresso americano, em 1986, quando o grupo de Toronto apresentou os primeiros resultados do transplante de pulmão, decidi que íamos transplantar na Santa Casa, contaminados que estávamos pela ideia que germinara lá no final dos anos 1970 quando fizemos um trabalho experimental no laboratório do Instituto de Cardiologia e, depois disso, seguimos com treinamento na Clínica Mayo, nos EUA.

Nos três anos que se seguiram, participamos de todos os seminários organizados pelo grupo canadense, e em paralelo iniciamos a preparação do Pavilhão Pereira Filho para receber o desafio. O ponto de partida foi a criação de uma UTI, com plantões regulares de intensivistas treinados (até janeiro de 1989, quando foi inaugurada a unidade, os pacientes mais graves e em pós-operatório eram atendidos por médicos residentes).

Antes que ficássemos prontos, já havia um paciente listado: em novembro de 1988, o Vilamir, um jovem de 27 anos, procedente de Vargeão do Oeste (SC), foi admitido no hospital, de onde nunca mais sairia a menos que pudessem ser trocados os seus pulmões destruídos.

A presença, sofrida mas esperançosa, do Vilamir representou um importante acréscimo de responsabilidade e angústia ao grupo, que passou a conviver com um paciente cuja vida dependia do quanto pudéssemos ser ousados e competentes. Alguém na lista significava a expectativa por um doador, uma figura, naquela altura, tão aguardada quanto temida.

Os momentos mais importantes de nossas vidas são inevitáveis exercícios da mais absoluta solidão.
Em 15 de maio de 1989, fomos informados da existência de um paciente de Novo Hamburgo, traumatizado de crânio, transferido do Pronto-Socorro para o Hospital São Francisco, na Santa Casa, e agora com o diagnóstico confirmado de morte encefálica. O tipo sanguíneo, o tamanho do tórax e a função pulmonar, perfeita, eram adequados para o transplante do Vilamir. Foram horas de grande expectativa enquanto eram realizados os últimos testes. Às 22h, fomos comunicados da compatibilidade e o Vilamir, alternando riso e choro, foi preparado para a cirurgia.

Pouco depois da meia-noite, fomos ao centro cirúrgico do hospital São Francisco, onde as equipes de transplante abdominal, doutores Santo Vitola, Guido Cantisani e Maria Lúcía, nos receberam com um carinho capaz de amenizar o medo de principiante. Desconfio que eles não têm noção do quanto sou grato àquela acolhida.

Retirado o pulmão esquerdo, que foi colocado numa bacia imerso em soro gelado e protegido por campos esterilizados, iniciamos o caminho de volta ao Pavilhão Pereira Filho, abraçados na carga preciosa. Na época, não existiam as passarelas atuais, de modo que, sem o acesso direto, percorremos, eu e o Dagoberto Godoy (meu amigo querido e um dos clínicos envolvidos no programa) o longo trajeto por dentro da Santa Casa até o pátio central e depois pelo corredor externo até o Pereira Filho. Era uma madrugada fria de outono, mas provavelmente o meu tremor não tinha nada a ver com a temperatura. Sempre me impressionou a lembrança de que nesse longo trajeto, sendo como éramos, dois parceiros fraternos e solidários, não tivéssemos trocado uma única palavra. Hoje a explicação é óbvia: estávamos em pânico. E certamente só a adrenalina transbordante fora capaz de antagonizar o medo que, de outra forma, nos paralisaria.

A partir da chegada ao bloco cirúrgico, uma sucessão de descobertas preciosas: a imprescindibilidade de parceiros competentes e fiéis, a importância da grande experiência cirúrgica do grupo em procedimentos de alta complexidade e, por fim, de que os momentos mais importantes de nossas vidas são inevitáveis exercícios da mais absoluta solidão. O silêncio total da equipe durante o procedimento e a espera que o próximo passo fosse anunciado era a confirmação de que a maior solidão era de quem decidia.

Quando, depois de completado o implante, o pulmão expandiu, a oxigenação normalizou, e todo o resto parecia maravilhoso, a transformação ocorreu: todos, excitados, começaram a falar ao mesmo tempo, porque, a partir daquele ponto, todo mundo sabia o que fazer. A exultação generalizada depois de concluído o procedimento, os abraços de solidariedade, a emoção incontida do Felicetti, a euforia do Burla, a alegria da Liduína fazendo a faxina do bloco ao amanhecer, tudo foi arquivado com o cuidado que merecem as experiências definitivas, que certamente colocaram o dia 16 de maio de 1989 como um marco nas conquistas da Santa Casa e uma divisória nas nossas vidas. Trinta anos depois, e 640 transplantes adiante, é mais fácil admitir que ver o Vilamir respirar sem ajuda de aparelhos, depois de seis horas de terminado o transplante, já justificaria termos decidido correr todos os riscos, mesmo sabendo que, acontecesse o que acontecesse, nunca mais seríamos os mesmos. E que nem teríamos a chance de sugerir o endereço da mudança.

Leia uma reportagem sobre os 30 anos do primeiro transplante de pulmão da América Latina.

Carta dos 13


Carta dos Governadores sobre o Decreto Presidencial n. 9.785 (07 de maio de 2019) e a Regulação Responsável de Armas e Munições no País

Como governadores de diferentes estados do país, manifestamos nossa preocupação com a flexibilização da atual legislação de controle de armas e munições em razão do decreto presidencial n. 9.785 (07 de maio de 2019) e solicitamos aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União que atuem tanto para sua imediata revogação como para o avanço de uma efetiva política responsável de armas e munição no país.

Sabemos que a violência e a insegurança afetam grande parte da população de nossos estados e que representam um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento humano e econômico do Brasil. Nesse contexto, a grande disponibilidade de armas de fogo e munições que são usadas de maneira ilícita representa um enorme desafio para a segurança pública do país e é preciso enfrentá-lo.

Por essa razão, é urgente a implementação de ações que melhorem a rastreabilidade das armas de fogo e munições durante toda a sua existência, desde sua produção. Também é fundamental aumentar os meios de controle e fiscalização para coibir os desvios, enfrentar o tráfico ilícito e evitar que as armas que nascem na legalidade caiam na ilegalidade e sejam utilizadas no crime. Reconhecemos que essas não são soluções mágicas, mas são condições necessárias para a melhoria de nossa segurança pública.

Diante deste cenário, e a partir das evidências disponíveis, julgamos que as medidas previstas pelo decreto não contribuirão para tornar nossos estados mais seguros. Ao contrário, tais medidas terão um impacto negativo na violência – aumentando por exemplo, a quantidade de armas e munições que poderão abastecer criminosos – e aumentarão os riscos de que discussões e brigas entre nossos cidadãos acabem em tragédias.

As soluções para reverter o cenário de violência e insegurança no país serão fortalecidas com a coordenação de esforços da União, Estados e Municípios para fortalecer políticas públicas baseadas em evidências e para implementar o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, fortalecendo a prevenção focalizada nas populações e territórios mais afetados pela violência e a repressão qualificada da criminalidade.

Reforçamos nosso compromisso com o diálogo e com a melhoria da segurança pública do país. Juntos, podemos construir um Brasil seguro para as atuais e futuras gerações.

IBANEIS ROCHA

Governador do Distrito Federal

FLÁVIO DINO

Governador do Estado do Maranhão

WELLINGTON DIAS

Governador do Estado do Piauí

PAULO CÂMARA

Governador do Estado de Pernambuco

CAMILO SANTANA

Governador do Estado do Ceará

JOÃO AZEVEDO

Governador do Estado da Paraíba

RENATO CASAGRANDE

Governador do Estado do Espírito Santo

RUI COSTA

Governador do Estado da Bahia

FÁTIMA BEZERRA

Governadora do Estado do Rio Grande do Norte

RENAN FILHO

Governador do Estado de Alagoas

BELIVALDO CHAGAS

Artigo, Fábio Jacques - Salvem o Brasilnic


O Brasilnic navega pelos gelados mares turbulentos repletos de gigantescos blocos de gelo que podem, de um momento para outro, mergulhá-lo nos tenebrosos abismos das fossas abissais.
Nos vários decks, os passageiros se acotovelam cuidando cada um de sua própria vida completamente alheios aos perigos que ameaçam a embarcação e suas próprias vidas. Há tempos acreditam que os tripulantes acastelados em suas cabines de luxo estejam seguindo uma rota segura sem tomar conhecimento da longa navegação à deriva.
O capitão é novo e recém empossado no cargo, e, como se determinou a levar o navio a um porto seguro, sofre desprezo e pressões por parte dos antigos tripulantes acostumados a navegar ao léu enquanto se empanturram nos sofisticados restaurantes dos decks superiores.
Alguns, na cabine mais luxuosa, tramam contra o capitão enquanto se deliciam com lagostas e vinhos quadruplamente premiados. Outros, igualmente responsáveis pela navegação do navio em função de regras criadas por eles mesmos, conspiram contra tudo o que o capitão propuser porque isto os obrigaria a admitir que deixaram de propósito barco à deriva durante tanto tempo na esperança de que o mesmo não viesse a lançar ferros em algum porto onde as autoridades os fizessem responder pela sua irresponsabilidade.
O capitão, na sua faina em salvar o Brasilnic e seus passageiros, visualiza à apenas algumas milhas à proa uma gigantesca massa de gelo de milhões de toneladas pronta para o embate com a grande, porém frágil embarcação, e convoca todos a ajudá-lo a redirecionar a rota de colisão iminente.
Aqueles das lagostas e dos vinhos sequer saem de suas cabines para tomar conhecimento do que provoca o alvoroço na ponte de comando e nos decks inferiores. Problema de navegação não é com eles. A função deles é dizer o que é certo e o que é errado segundo seus próprios conceitos.
Os da antiga tripulação reúnem-se imediatamente para discutir uma nova rota diferente daquela proposta pelo capitão para que o mesmo não leve, perante os passageiros, os louros de ter salvado o Brasilnic do naufrágio. Eles é que precisam protagonizar as operações de salvamento, mas para isto precisarão de alguns dias de debates.
O que poderá fazer o capitão que vê assombrado o iceberg se agigantar minuto a minuto? Vai esperar que os tripulantes fiquem discutindo suas próprias controvérsias e avisar aos passageiros que tudo acabará bem? Vai se render às regras criadas pelos antigos tripulantes e torcer por um desfecho feliz mesmo contra todas as probabilidades?
Dentro de poucos minutos todos estarão mergulhados nas gélidas águas do insondável oceano, exceto aqueles que conseguirem se aboletar em algum barco salva-vidas para eles reservado, não sem levar consigo os corotes de vinhos premiados e suas lagostas ao Termidor, e os outros que disfarçados de mulheres ou crianças continuarão gritando a plenos pulmões através de seus megafones que o culpado pelo naufrágio é o capitão.
Desperta, capitão, que ainda dá tempo. Segura firme o timão e desvia do iceberg mesmo que para isso tenhas que desrespeitar o regulamento interno e jogar aos tubarões os canalhas que pouco se importam que o Brasilnic naufrague e que os passageiros se afoguem contanto que salvem suas peles.
Sempre fizeram isto. Está mais do que na hora de defenestrá-los pelas escotilhas da popa livrando para sempre o Brasilnic desta nefanda geração de parasitas.
O autor é diretor da FJacques - Gestão através de Ideias Atratoras, Porto Alegre, e autor do livro “Quando a empresa se torna Azul – O poder das grandes Ideias”.
www.fjacques.com.br -  fabio@fjacques.com.br

Opinião da OAB sobre o pacote anticrime de Moro


A Ordem dos Advogados do Brasil divulgou documento em que analisa todos os pontos do pacote anticrime anunciado em fevereiro pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.

O projeto está na Câmara, onde um grupo de trabalho estuda a viabilidade legal das medidas.

A OAB, que já se posicionou contra algumas ações da Operação Lava Jato, criticou o lançamento do pacote, elaborado sem debate amplo com a sociedade, segundo aponta a entidade.

O documento reúne pareceres jurídicos do Instituto dos Advogados Brasileiros, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais.

A OAB se opõe a qualquer mudança legislativa nos seguintes pontos apresentados no pacote de Moro:

1) execução antecipada da pena, a prisão após condenação em segunda instância;
2) execução antecipada das decisões do Tribunal do Júri;
3) modificação das regras para apresentação embargos infringentes, aqueles que podem reformar decisões judiciais;
4) mudanças no instituto da legítima defesa, em especial aos agentes de segurança pública, o chamado excludente de ilicitude;
5) alterações no regime da prescrição de crimes;
6) mudanças no regime de pena, as regras para progressão de regime;
7) mudanças ao crime de resistência;
8) criação do confisco alargado para condenações acima de seis anos de prisão;
9) acordo penal, conhecido nos Estados Unidos como plea bargain; e
10) interceptação telefônica de advogados e clientes nos parlatórios.